Ricardo Costa

Do CF Valadares ao FC Porto, uma história de abnegação para concretizar um sonho: ser futebolista profissional<br />
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Quis desde cedo ser jogador e o pai fez-lhe a vontade, mesmo sem acreditar nas suas capacidades Na escola era um aluno certinho, tendo concluído o 11.º ano Quando deixar o futebol quer tirar o curso de Educação Física Fernando Couto e Jorge Costa foram os seus ídolos

No dia em que Ricardo Costa perguntou ao pai, Manuel Costa , se o deixava ir treinar ao Clube de Futebol Valadares, este disse-lhe que sim, mas descrente de que a vontade do miúdo desse em futuro. "Ele tinha 9 anos e era baixinho e gordo", conta, em abono da desconfiança.

A verdade é que nunca lhe faltou com nada, dentro das suas possibilidades, "que eram poucas". Na altura do primeiro torneio, o pequeno Ricardo pediu-lhe umas sapatilhas. "Teve-as". A competição saiu-lhe bem e ficou nas escolas do Valadares. Vinham mais exigências. "No dia antes do primeiro jogo, disse-me que precisava de umas caneleiras. Lá foi o salário de uma semana da minha esposa", lembra, sem esconder o orgulho de nunca ter, como se diz no futebol, "cortado as pernas" ao filho. Filho único.

Pouco tempo depois, Manuel ouviu rumores de que o Boavista estaria de olho no jovem central. Mais uma vez, não acreditou lá muito, mas o interesse acabaria por se confirmar: "Foi num dia de jogo em que ele fazia anos. No fim apareceu um senhor a perguntar-me se eu estava interessado em que o miúdo fosse para o Boavista". E pronto, "começou aí a carreira dele".

O que o pai não adivinhava era que, prestes a iniciar o campeonato já de xadrez vestido, Ricardo lhe falasse em desistir. "Eram muitos treinos, uma vida semi-profissional, e ele tinha vontade de brincar". Nada que uma conversa com o director do departamento não resolvesse. "O sr. Marante até lhe disse: 'Então o que é que tens no meio das pernas, pá? Eu aposto em ti e tu desistes?' O rapaz ouviu aquilo e lá ficou. Acabou por fazer sete anos maravilhosos". Foi campeão ou «vice» em todos os escalões, até rumar às Antas. Depois disso, "é o que se sabe", atalha o pai.

Se, no futebol, Ricardo Costa foi desde sempre "aplicado, responsável e obediente", como filho não lhe assenta menor adjectivo que "espectacular". "Em pequenino queria uma bola, andar nos carrosséis, as coisas que os outros tinham. Nós dizíamos-lhe: 'Ó Ricardinho, os pais não podem, não vale a pena chorar'. Quando eu tinha dinheiro e lhe queria dar, ele não aceitava. Era um miúdo impecável. Eu, ele e a mãe sempre fomos três em um. Ainda hoje ele nos liga todos os dias". Palavra de pai babado.

Na escola "era um aluno certinho". Fez o 11.º ano no Colégio de Gaia e, não fosse a promoção aos séniores do Boavista, "teria acabado o 12.º". Aliás, "continua a dizer que quando deixar o futebol quer fazer o curso de Educação Física", revela Manuel Costa .

Fernando Couto foi "o primeiro ídolo" de Ricardo , portista desde o berço, como o pai. Seguiu-se-lhe "o Jorge Costa ", outro capitão. Prenúncio? "No balneário, o meu filho é um camarada", responde. A mulher, Maria Celeste, chega a casa com as fotografias do filho e junta o seu orgulho ao do marido. Respira-se harmonia, ali. Afinal, o futuro também é deles: um filho no Mundial e um neto na barriga da nora.

Se hoje se assiste ao trânsito de alguns símbolos culturais e desportivos do Porto para Gaia, à cabeça dos quais surge a implantação do centro de treinos do Futebol Clube do Porto no Olival, Ricardo Costa é disso o maior contraponto.

Embora tenha feito a formação futebolística no outro lado do Douro, foi em Gaia, mais concretamente em Valadares, que iniciou a actividade, e enquanto cidadão nunca deixou aquele município. Nasceu em Mafamude, morou com os pais em Vilar do Paraíso - onde há tarjas vermelhas e verdes a dizer "Vilar do Paraíso apoia Ricardo Costa neste Mundial" - e reside com a mulher, grávida do primeiro filho, em Perosinho. É hoje, por isso, um símbolo de Gaia e do Porto, o que o eleva à condição de ícone da tão falada fusão entre as duas cidades. E é, estando na selecção das quinas, um símbolo nacional. Este ano, mal acabou a Liga, veio a lume um convite do Marselha. Quem conhece o central diz que a receita é suor, perseverança e humildade. Sonhará Ricardo ser um símbolo do futebol?

Treinador dos infantis lembra o rapaz "valente e limpo a jogar"

"Era um rapaz aplicado", recorda o sr. Américo, primeiro treinador de Ricardo Costa , uma vida dedicada ao futebol e muitos anos ao CF Valadares, clube onde o central portista deu os primeiros toques "a sério" na bola.

A pedido, lá vai resgatando à memória mais características do pupilo: "Era cumpridor, valente, limpo a jogar. E gostava do que fazia". Tanto assim é que "não tardou a ir embora", diz com a ponta de mágoa de quem quase pode jurar que "o Boavista não pagou nada ao Valadares".

Outra ponta, mas de orgulho, fica para sempre: "Fui eu que lhe defini a posição. Fazia parelha com um miúdo chamado Nuno". Na altura, diz, já era possível augurar-lhe um bom futuro. "A ele e a outros, como o Serginho, o meu melhor infantil, que marcou 12 golos num jogo. Mas esse não singrou". Coisas da vida.

"Só tenho pena de nunca o ouvir falar de mim", desabafa, em fecho de conversa, o sr. Américo, que deseja ao craque "toda a sorte do mundo".

Perfil

Ricardo Costa

Defesa central do FC Porto

Nasceu a 16 de Maio de 1981, em Gaia

Começou a jogar futebol no CF Valadares

No Boavista fez todos os escalões de formação, tendo sido campeão de iniciados e juniores

Campeão Europeu no FC Porto (2004) e vencedor da Taça UEFA (2003)

A Playstation é, ainda hoje, o vício. Nos estágios não a dispensa.

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