Ricardo Baptista Leite no Hospital de Cascais. "Nunca vi tantas pessoas morrerem num só turno de 12 horas"
O deputado do PSD, Ricardo Baptista Leite, relatou nas redes sociais o que viveu quando esteve "como médico voluntário" nas urgências do Hospital de Cascais, no passado sábado, num fim de semana em que os portugueses viram chocados as imagens de filas de ambulâncias em alguns hospitais do país. Baptista Leite esteve mais concretamente no espaço que dá resposta aos doentes e suspeitos covid-19.
"Nunca vi tantas pessoas morrerem num só turno de 12 horas", escreveu sobre o que viu no chamado "Covidário". No vídeo de curta duração que acompanha a publicação, enfatiza. "Nunca vi tantas mortes, na minha vida profissional, num tão curto espaço de tempo," como naquele dia.
Escreve que o "cenário é de guerra e estamos a perder". "É de facto demolidor ver médicos a terem que decidir, priorizar, quem são os doentes que vão ter acesso a ventilação e quem não vai", diz de viva voz na mensagem em vídeo.
"A determinar no fundo quem vive e quem morre porque não há camas de intensivos, escasseiam vagas de internamento", enumera. "Muitas vezes temos de intubar os doentes em pleno serviço de urgência", relata.
Diz que o que viu é "uma amostra" daquilo que se está a verificar no resto do país.
Perante a gravidade da situação que Portugal enfrenta faz um apelo: "Compreendam que estamos a falar de vidas humanas. Mortes que podem ser evitadas. Depende de cada um de nós ficar em casa, mas este confinamento não está a funcionar". O deputado do PSD afirma que "temos de esmagar a curva de novas infeções".
Defende, por isso, que não se pode esperar 15 dias. "É fundamental aumentar o confinamento já, por três semanas fazer um confinamento como o que tivemos em março".
Nesse sentido, Ricardo Baptista Leite defende o fecho das escolas e que se deve "garantir aos país que tenham a remuneração para poderem ficar em casa". Que se deve "dar os apoios às empresas para passarem as pessoas para teletrabalho e parar os serviços não essenciais".
Reforça que é preciso reforçar "os meios de saúde, tudo o que seja hospital de campanha, recursos humanos que estejam disponíveis".
O deputado afirma que este é momento em que tudo deve estar mobilizado para "diminuirmos o impacto disto".
Entre outras recomendações, dá ênfase à testagem, que tem de aumentar "brutalmente", ter "uma política agressiva" de identificação, isolamento e testagem de todos os infetados e suspeitos". Caso isto não ocorra, defende o deputado do PSD, quando acabar este confinamento "vão subir os casos outra vez".
Num texto publicado no domingo à noite no Facebook, com o título "Catástrofe", relata, depois de ter estado nas urgências do Hospital de Cascais que "a dor e o sofrimento são indiscritíveis".
"A sensação de impotência por não podermos fazer mais. Vi uma colega médica a chorar depois de sair do covidário mais de cinco horas depois do término do seu turno". A profissional de saúde estava "física e psicologicamente esgotada", lembra.
"Cada vez que se estabiliza um doente, havia já mais três ou quatro doentes instáveis a entrar pela porta dentro", testemunhou.
O cenário é de guerra, diz, e "é preciso estabelecer prioridades".
Conta o deputado do PSD e também médico que "fazem-se escolhas tão difíceis sobre quem tem maior probabilidade de morrer, faça-se o que se fizer". "É devastador ver equipas de médicos forçados escolher quem são os doentes com maior probabilidade de viver para os poder assumir como prioritários".
No meio do "campo de batalha", como escreve, lembra-se de ver uma enfermeira, "praticamente a não conseguir respirar ao tirar o fato de proteção depois de horas infindáveis junto dos doentes". Perguntou-lhe se estava bem. "Ela limitou-se a acenar com a cabeça enquanto olhava para mim com olhos encarnados antes de simplesmente ficar a olhar para o chão"
Testemunhou "tantos doentes a descompensar com quadros de insuficiência respiratória grave".
Sem vagas nos cuidados intensivos, o deputado do PSD conta: "ventilamos os doentes ali, em pleno serviço de urgência. Alguns doentes com ventilações invasivas... Um cenário de guerra".
Os doentes não covid, muitas vezes assistem a tudo isto, refere. "A cada hora chegam mais doentes" e o "espaço é demasiado pequeno para tantas dezenas".
E não se julgue que a doença causada pela infeção pelo novo coronavírus leva para o hospital os mais velhos. "Temos tantos doentes graves na casa dos 40, 50 e 60, muitos sem outras doenças, que simplesmente não podem morrer. Não podem!"
A urgência leva a ser prático e tenta-se deixar as emoções de lado. "Chora-se quando se chega finalmente ao carro no final do turno, ou a casa. Ali no covidário o foco é necessário e absoluto".
"Assisti a uma colega médica que esteve durante mais de uma hora a ligar para familiares de doentes que estavam sob a sua responsabilidade e que acabaram por falecer num espaço tão curto de tempo, apesar de todos os esforços", lê-se na mensagem publicada no Facebook.
Profissionais de saúde e familiares vivem uma situação dramática, segundo o testemunho de Baptista Leite. "Ouvimos a frustração e os choros dos filhos e netos. Compreende-se a dor pela impossibilidade de dizerem adeus... por terem visto o pai, a mãe, a avó ou o avô, pela última vez quando entraram na ambulância ou pela porta do hospital poucas horas antes. Gritam frustrados pela fatalidade do destino e pelo sentimento de lhes terem sido roubados anos de convivência com quem mais amam, ainda para mais por razões que pouco compreendem. Por causa de um vírus. Uma pandemia... uma maldita pandemia", relata.
Entre as medidas que sugere para melhorar a situação pandémica em Portugal está a necessidade de "reduzir as regras de circulação unicamente para as situações determinadas aquando do estado de emergência de março 2020". Defende, por isso, que "as forças de segurança devem ter instruções claras para atuar em conformidade perante a violação das regras definidas em todo o território nacional".
Defende ainda que se deve "comunicar de forma clara, transparente e diária com o país sobre a gravidade da situação e sobre o que se espera de cada cidadão. Ponderar novamente os riscos inerentes ao ato eleitoral de dia 24 - sobretudo depois do que se viu com o voto antecipado".
Considera que se deve "usar o facto de Portugal ter a presidência do conselho da União Europeia para exigir uma renegociação das vacinas COVID-19 de modo a acelerar o ritmo de vacinação. Temos de vacinar 80% da população até junho 2021", argumenta.
Termina o longo texto fazendo mais um apelo: "Façamos tudo o que está ao nosso alcance. Faça tudo o que puder. Se não por si, por aqueles que mais ama"