Ribeiro e Castro. "As direções do CDS têm andado a embicar com o povo do partido"
Vai ao congresso do CDS?
Estou com um problema de saúde, ainda não sei.
Dos candidatos que se perfilam para a liderança do CDS, qual deles está mais próximo do seu pensamento?
Não vou tomar posição entre candidaturas ao congresso.
É por ser ex-líder?
Entendo que não o devo fazer. Tenho a minha opinião quanto a linhas e a orientações, mas não devo tomar posição.
Já leu as moções?
Não posso dizer que li as moções, algumas são bastante extensas, mas conheço o seu conteúdo em termos gerais pelas intervenções que têm sido feitas e pelas entrevistas. Há umas que são de continuidade e outras de mudança. Eu sou a favor da mudança, acho que é indispensável.
Estava à espera do mau resultado que o CDS teve nas legislativas?
Quando se começou a adivinhar não estava, depois face às sondagens estava. Não foi uma surpresa que o resultado fosse tão mau, até porque esteve na iminência de ser pior, a maioria de esquerda ultrapassar os dois terços na Assembleia da República. Essa preocupação tornou-se clara após a catástrofe das eleições europeias, que é o momento em que se quebra o encanto da corrida vitoriosa do CDS e em que essa ideia se desvanece.
A que se deve esse resultado, qual foi o erro fatal?
Há várias causas. A PAF teve um erro de leitura original do resultado de 2015 e é daqui que várias coisas irradiam. O discurso "ganhámos as eleições" é um erro que pagámos caro. A PAF só ganhava se tivesse maioria absoluta e isso era uma coisa que sabíamos desde a velha AD de 1979/80. E por isso é que se fazem as listas conjuntas. Aliás, Pedro Passos Coelho chegou a dizê-lo, que só fazia sentido fazer listas conjuntas com o CDS se for para ter a maioria absoluta. Baixámos a guarda e houve uma contradição entre o discurso diabolizador da geringonça e o comportamento estratégico. Se achámos terrível, e eu achei mal ser uma maioria de esquerda com aquela configuração e depois do desempenho político, então a primeira prioridade era acabar com a geringonça, era vencer a geringonça. E não foi essa a prioridade estratégica, a prioridade do CDS foi ganhar força à custa do PSD. E isso só faz sentido no quadro de um partido que afinal desvaloriza a geringonça.
Mas foi a postura da própria líder que mostrou isso, que era para crescer à custa do PSD, a agressividade que tinha em relação ao governo?
Da líder, da atuação parlamentar, do discurso dos dirigentes e de uma forma exuberante naquele congresso de Lamego que eu chamo "foi gira a festa, pá". Esse congresso marca, no fundo, toda a última metade da legislatura, todo esse tom. Depois isto não acompanhava a análise das sondagens, em que o quadro era muito preocupante. Ao longo dos quatro anos não houve uma variância que justificasse essa exuberância, mesmo na altura dos 20% em Lisboa. Depois houve outro erro, que também é contemporâneo da formação do governo de esquerda, que é a praga do isolamento do PS, que tem o último ato na crise dos professores, que é a praga de "quando precisares de nós não nos venhas pedir socorro". E a ideia que se foi criando que é possível à direita votar com o BE e o PCP para fazer mal ao PS. E essa crise foi fatal. Por acaso escapámos de fazer isso em duas votações muito críticas, que foi a crise do Banif e a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos. Se em algum destes dossiês houvesse o azar de a direita ter votado com a esquerda e ter chumbado esses movimentos fundamentais, era um desastre, milhares e milhares de portugueses seriam prejudicadíssimos. Houve um erro de discurso que se prolongou no discurso financeiro. A política financeira de Mário Centeno é a continuação do que andámos a fazer. Apresentámos vários documentos de estratégia orçamental que apontavam para a redução do défice até ao zero e ao superavit. É muito importante que isso seja um consenso financeiro nacional. Essa questão é importante quer para a esquerda quer para a direita. Para a direita que não consegue baixar impostos se não domarem as finanças públicas, é sabido que o défice e a dívida é antecipação de novos impostos; e para a esquerda porque só consegue assegurar a sustentabilidade das políticas sociais se tiver finanças públicas sólidas, senão entra tudo em rutura, como estamos a ver no Serviço Nacional de Saúde.
Não critica então esta estratégia orçamental?
Acho bem. Até acharia graça que na generalidade déssemos um voto favorável ao Orçamento do Estado para 2020, depois muito exigentes na especialidade e, no final, até poderíamos votar contra. Mas o sinal dado era de concordância, mas não, às vezes parecíamos o Varoufakis, que durante algum tempo ainda se sentou na bancada do Bloco de Esquerda, mas agora já nem aí teria lugar. Agora o Bloco de Esquerda também é social-democrata e um partido das contas certas, como as coisas mudam... Os dois partidos, PSD e CDS, tiveram um bom desempenho, com erros, mas notável num período de grande dificuldade para conduzir um programa de reajustamento. Mas passa-se uma coisa curiosa, cumprem isso, tiram o país da crise, mas ninguém dá crédito ao trabalho que fizeram e ninguém responsabiliza o PS pelo que o país passou. Se continuarmos com este discurso, as pessoas não entendem porque é que António Costa, que criticou a política anterior, é o homem das contas certas, que tem o discurso financeiramente conservador que devíamos fazer. Ele próprio admitiu no Parlamento que são exigências de Bruxelas, são exigências das nossas contas públicas.
Concorda portanto com quem diz que não é possível cortar pontes com o PS?
Isso é uma questão mais do PSD do que do CDS. Mas também tem as suas anedotas, Rui Rio foi atacado porque ia fazer um acordo com o PS e depois é o PSD da Madeira que faz um acordo com o PS [para o Orçamento do Estado], quando estão lá os críticos de Rui Rio. E aí claramente para fazer um favor localizado à política madeirense. Nós temos sempre de falar com o governo. Uma política de oposição não é uma política de pedrada. Uma política séria é expor vulnerabilidades políticas, apresentar propostas que coloquem o governo em dificuldades críticas. Agora nos pontos em que estamos de acordo, estamos de acordo. E nos pontos em que é o PS que vem ao nosso encontro então devíamos sublinhar isso. Criávamos mais dificuldades ao PS junto dos seus parceiros da geringonça se elogiássemos o trabalho de Centeno do que fazer ao contrário do que fizemos. Nós fizemos um favor enorme ao PS ao atacar a política de Mário Centeno, porque facilitou que o BE e o PCP a apoiassem.
O resultado do CDS nestas legislativas põe na agenda das próximas eleições a necessidade de uma coligação pré-eleitoral com o PSD?
Estamos muito longe. Esta eleição teve efeitos desastrosos também a nível da relação de forças entre PSD e CDS. Para sermos justos, acho que este resultado já teria acontecido em 2015 se não houvesse listas conjuntas, e fui fazer as contas exatamente com estes resultados. Se houvesse listas conjuntas com a ordenação da mesma forma, o resultado seria que o CDS teria 13 deputados e o PSD teria 77, perdia dois, mas a direita ganhava seis. O PS perdia cinco e a CDU perdia um.
Em 2019 as listas conjuntas deveriam ter acontecido?
Era um bocado difícil com a embalagem com que vinham e com os erros de leitura estratégica que foram feitos.
Com a Assunção Cristas a assumir-se como a candidata a primeira-ministra...
As coisas deviam ter sido diferentes na primeira metade da legislatura. Os dois partidos, mas sobretudo o CDS devia ter dado prioridade a uma vitória conjunta nas autárquicas. Tínhamos de reconhecer que a maioria de esquerda ganhou as eleições e tínhamos de tirar vento à maioria de esquerda, que era pôr o PSD novamente como partido mais relevante nas autárquicas. Aquilo que eu chamava a estratégia do mapa cor-de-rosa, ver quais eram as 40 ou 50 câmaras do PS mais vulneráveis e concentrar esforços para tirar aí 25, onde uma outra poderia ser do CDS. Não foi feito um esforço para isso. Lisboa, aliás, estava neste pacote e até Assunção Cristas poderia vir a ter o prémio de ser a candidata conjunta dos dois partidos.
Como Abecasis?
Na altura, Abecasis representava um partido que era mais votado do que o PSD na cidade de Lisboa. Mas agora, se o PSD não tinha ninguém, num esforço conjunto poderiam ter apoiado Assunção Cristas. Não sei se ganhávamos ou não, mas era indispensável para que na segunda metade da legislatura tivéssemos um terreno mais favorável, porque tínhamos tirado algum gás ao PS. Isso não foi feito, Pedro Passos Coelho teve de sair. Isto era possível porque o PS em 2013 nas autárquicas anteriores tinha tido o seu melhor resultado de sempre, ganhou 150 câmaras, nunca tinha tido uma coisa assim, num contexto de troika. Era possível que na eleição seguinte perdesse algumas, desejavelmente 25, mas se fosse dez já era alguma coisa. E não foi isso que aconteceu, subiu, ganhou mais 11. Saiu com enorme gás e esse gás só foi atenuado pela tragédia dos fogos de outubro. Se tivéssemos a estratégia de derrubar a maioria de esquerda, então na segunda metade da legislatura tínhamos preparado as europeias, que também foram negligenciadas. As listas conjuntas não podem ser um adesivo, uma colagem. Elas só resultam se houver uma química efetiva entre os dois partidos. Foi assim que foi a AD.
Mas nas autárquicas seriam 308 químicas...
Mas isso vem das lideranças. A outra AD veio da química que se gerou entre Freitas do Amaral, Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, António Capucho e outras pessoas, Ribeiro Telles. E isso transmitiu-se de tal forma ao eleitorado que envolveu os partidos. Na AD histórica a relação era de dois para três, na última AD, de 2015, era de um para três, em cada quatro um era do CDS, agora é um para sete. É esta a herança que a direção deixa, 4% contra 28%.
É ainda imprevisível se haverá química entre Rui Rio, reeleito, e o próximo líder do CDS, ainda a eleger...
Nas autárquicas acho mais fácil porque o CDS tem um conjunto de autarquias que são em coligação. Não sei se o PSD quer acabar com elas, espero que o CDS não o queira. Isso pode ser uma base importante para reconstruir uma relação fluida e de confiança entre a direção do CDS e a do PSD, que está abalada por tudo isto que aconteceu.
Nas próximas autárquicas deve então haver uma prioridade dos dois partidos no sentido de reforçarem entendimentos?
Tem de se ver a situação no terreno, Neste momento temos seis câmaras do CDS, é prioritário defendê-las. Mas devemos ter abertura e dar prioridade a entendimentos nos locais onde possamos em conjunto retirar uma câmara ao PS. Em Lisboa, pela mesma razão que Nuno Abecasis foi candidato em 1979, Assunção Cristas seria a candidata à câmara [foi mais votada do que o PSD em Lisboa em 2017]. As coligações fizeram-se sempre procurando respeitar a relação estabelecida na eleição homóloga anterior.
Como é que o CDS reconquista a autonomia e a identidade que o afirme claramente perante o PSD e novas forças políticas à direita? Que bandeiras?
Back to basic. O CDS é um partido que tem uma identidade democrata-cristã e isso não é um dogma. Infelizmente isto foi muito atacado e estraçalhado e, às vezes, vilipendiado por pessoas dentro do partido, que caracterizam a democracia-cristã como a direita confessional, que é a melhor maneira de estragar tudo. O partido não se tornou democrata-cristão por um desenho de arquiteto, aliás, começou por não se definir como democrata-cristão. Foi uma construção da história e das circunstâncias. E quais foram essas circunstâncias? O PDC, da democracia-cristã, não medrou e algumas pessoas vieram do PDC para o CDS, como foi o caso Eng. Nuno Abecasis. Segunda circunstância muito importante, o outro partido à direta do PS, onde havia muito católicos empenhados, como Mota Amaral, Pedro Roseta, quis ir para a Internacional Socialista e por isso mudou para o PSD e deixou esta alameda livre. E o CDS estabeleceu relações muito cedo, logo em setembro de 1974, com a UEDC (União Europeia das Democracias Cristãs), relações que foram amor à primeira vista. Muitos líderes dessa UEDC estiveram no congresso do Palácio de Cristal, cujos 44 anos celebramos agora. O CDS inspirou a sigla de dois outros partidos europeus, que se formaram depois - o Centre Democrat Sociaux, que era uma tentativa de ressurgimento dos democratas-cristãos em França, e o CDS de Adolfo Suárez. O CDS tinha algum carisma e algum prestígio nos meios centristas e democratas-cristãos. E portanto isso assentou. E foi o povo do CDS que o crismou como democrata-cristão. Se fosse um arquiteto, tirávamos um e colocávamos outro, agora o povo do CDS é uma coisa mais complicada, e as direções do CDS nos últimos anos têm andado a embicar com o povo do CDS. Quando falam em direita confessional, isso não é a forma de mostrar um discurso inclusivo. Muitos democratas-cristãos sentem que querem os meus votos, mas não querem as nossas ideias e as pessoas foram-se aborrecendo com isso. O CDS sempre foi aberto e inclusivo, as pessoas aceitavam que o partido tinha uma matriz democrata-cristã, mas que havia variações. O Sá Machado, que foi um grande dirigente do CDS, que leu a declaração de voto contra a Constituição em 1976, era um liberal, mas perfeitamente enquadrado. O Narana Coissoró diz na brincadeira "eu sou democrata hindu". O Rui Oliveira, um grande dirigente do Porto, era um conservador. Isso não era um problema para o CDS. Houve duas fases, uma de Lucas Pires, em que isto começou, os conservadores, os liberais e os democratas-cristãos que fossem três coisas ao mesmo nível e não integráveis, e a ideia é que isto nos faria subir, faria somar. Eu dizia que íamos subtrair e foi isso que aconteceu. Tinham a ideia de que a marca democrata-cristão nunca guindaria o CDS a mais do que 16%, mas não estava provado que outra marca nos fizesse chegar a mais de 16%. E nunca chegámos, a verdade é essa. Num congresso em Aveiro, onde foi travado esse debate, em 1985, eu disse que o CDS é conservador às segundas, às quartas e sextas, liberal às terças, quintas e sábados e democrata-cristão ao domingo, dia de ir à missa. Levei uma vaia monumental no congresso, já não pude dizer mais nada. O problema é este, é um partido que acaba por ter três faces e acaba por não ter nenhuma.
E a segunda fase?
Nesta segunda fase é a das direções de Paulo Portas e da tentativa da organização das tendências, que surge em 2007, é uma coisa fraturante. E seja esta identidade ou outra, esta é a identidade que está nos estatutos e que está no programa, que é da altura de Manuel Monteiro, um partido precisa de uma identidade. Esta coisa de não termos ideologia, darmos respostas aos problemas concretos das pessoas é uma lógica do chinês. Isso não é um partido político. E o trabalho ideológico é dos mais importantes que se faz num partido político, vai-se enriquecendo.
E dá previsibilidade à atuação futura.
Essa fonte doutrinária, esse tronco de confiança do eleitorado, é nisso que as pessoas votam. Numas eleições só vale a pena votar em duas coisas, na doutrina ou na ideologia das pessoas e no seu carácter. Mais nada, o resto é tudo volátil, as promessas, os foguetes. O que me interessa é saber o que aquela pessoa pensa, a que grupo de pessoas pertence e o que é que essas pessoas pensam, porque isso dá-me uma ideia das soluções que vão construir perante determinados problemas e depois o seu carácter, é uma pessoa honesta ou aldrabona, esforçada ou preguiçosa.
Portanto, a bandeira é a democracia-cristã?
Acho que é uma bandeira inclusiva.
Pode ser mais ou menos liberal na economia...?
Isso também é uma treta porque a democracia-cristã é herdeira do legado do liberalismo económico e político, que é do século XVIII e princípio do século XIX. A democracia-cristã tem alguns problemas com um certo tipo de liberalismo, porque a doutrina social da Igreja afirmou-se contra o marxismo e contra os excessos do liberalismo. Com o pensamento conservador não existe tanto, agora a tradição do pensamento conservador não serve para nós porque não temos a tradição política britânica. É como o Yes Minister, gostamos muito da série, mas aquilo jamais se passaria cá.
Essa identidade do CDS é tanto mais importante quando agora tem à direita a concorrência do Chega e do Iniciativa Liberal? É mais difícil recuperar?
O legado muito difícil da atual direção é entregar o partido com 4%, mas 4% numa situação muito difícil, que eu chamei o triângulo das Bermudas, é uma situação de todos os riscos, aquele lugar nas Caraíbas, onde os aviões desapareciam e não se sabia bem como. E, de facto, nesta altura estamos sujeitos a três forças centrípetas, para nós centrífugas, que é o PSD e agora o Iniciativa Liberal e o Chega. Acho que não nos devemos preocupar muito com isso. A situação de diálogo mais permanente que temos é com o PSD, até por causa das autárquicas, com os outros partidos deixemos ver o que isso dá. Estamos num quadro muito longe de conservas com eles. Somos completamente diferentes e temos é de nos preocupar connosco. Quanto mais forte e mais clara for a identidade do CDS, menos razões terão os nossos eleitores e até os nossos militantes para virarem as costas ao partido à procura de outra morada.
Em 1995 o CDS saiu da condição de partido de táxi e apresentou dois discursos, um a afastar-se da Europa, o outro um discurso securitário. Este caminho é usável outra vez?
Acho que a subida não foi por isso. Não quero diminuir nem o valor nem o esforço das pessoas que lideraram o partido nessa altura e que tiveram esse resultado, mas acho que não se deveu nada a esse discurso, ainda que fosse interpretado assim. Discurso que teve de ser corrigido e mesmo o securitário passou a ser de segurança. Esse táxi era apenas o peso do rolo compressor cavaquista sobre a dimensão do CDS, tanto que nas outras eleições nesse mesmo período o CDS teve votações de 15%, 14% e 13% nas eleições europeias, um partido que tinha 4% nas legislativas, e nas autárquicas tinha nove tal e oito e meio. Apesar do ataque do aparelho do PSD às autarquias do PS, que foi brutal, O CDS manteve votações autárquicas da casa dos 9% em votação nacional. Quem nos dera ter isso hoje.
A subida com Manuel Monteiro deve-se à desagregação do cavaquismo?
Sim, quando o Cavaco saiu o partido, que estava comprimido como uma mola, veio ao de cima. Continuo a dizer que o que acho mais importante para o futuro próximo do CDS, mais do que três cambolhotas, dois flique-flaques, três piruetas, é a consistência, a solidez,a identidade e a credibilidade. Devolver confiança e segurança ao eleitorado do CDS, foi isso que perdeu.
Hoje é mais difícil ao CDS recuperar do que foi o partido do táxi?
Sim, o momento é mais complicado, mas pode começar. O partido está numa tripla falência. A financeira, que apesar de tudo se houver solução é a mais fácil de resolver, as outras duas são políticas e mais complicadas; a identitária e moral, o que é hoje o CDS?; e uma falência orgânica e institucional. O CDS foi esvaziado de funcionamento. O CDS foi transformado num partido de claque e de cortejo e isso não interessa para nada. Também tem que ver com as nossas campanhas eleitorais, que é um líder com uma câmara de televisão atrás. Um partido que seja reduzido a isso, que não seja treinado e respeitado na formação da vontade coletiva, quando se chama por ele não está lá. Creio que isso aconteceu muito nas duas últimas campanhas, nas europeias e nas legislativas, em que Assunção Cristas esteve espantosamente sozinha.
Há candidatos à liderança do CDS que defendem até coligações com o Chega, um partido que defende, por exemplo, a castração química e que não se opõe à prisão perpétua. Admite que seja possível esse entendimento?
Estou completamente em desacordo com essas posições. Não é nosso aliado, nem pouco mais ou menos. Pelo tipo de posições que consigo perceber no Chega não é um aliado do CDS, não tem nada que ver com o CDS, não traz nada de útil ao CDS. Agora não acho que seja um partido de extrema-direita, mas pode vir a ser, ainda não sabemos. O Chega é uma interjeição. Chega! Basta! É uma expressão de irritação e isto para um partido é muito pouco. Portanto, é preciso ver quando sairmos da interjeição o que vai ser. Não temos de nos preocupar, fará o seu caminho, mas não é o nosso caminho. Devemos preocupar-nos é que haja apoiantes do CDS que por desconsolo, desencanto com o CDS partam para aventureirismos oportunistas de interjeição, ou para o Iniciativa Liberal, ou para o PSD. Temos de fortalecer o nosso espaço, o nosso partido é personalista, é de direita mas moderado, responsável, firme nas suas convicções. A responsabilidade do CDS é liderar todos os debates à direita e trazê-los para o centro, porque é ao centro que se ganham as batalhas, não é no terceiro anel a atirar pedras.
Mas como é que um cristão pode defender alianças com o Chega?
Isso é um erro, mas se calhar também há cristãos no Chega. Sou capaz de compreender uma expressão também de desalento e de irritação num ambiente cultural e político tão dominado à esquerda pelo Bloco e pelo Mamadou Ba, com tantas posições radicais à esquerda, que as pessoas queiram empatar o jogo.
E o Iniciativa Liberal?
Creio que é um partido que faz falta, não sou liberal, mas incorporo no meu pensamento vários legados do pensamento liberal. Sou democrata-cristão na economia, economia social de mercado e defendemos desde sempre a iniciativa privada. Fomos o único partido que votou contra as nacionalizações quando foi o 11 de Março, somos o partido das liberdades políticas, do constitucionalismo. Mas há pessoas que têm um pensamento liberal mais exigente e é uma corrente de pensamento importante, que quer organizar-se e ter a sua própria afirmação. Existe em muitos outros países da Europa e vamos ver no que dá. Já vi que o João Cotrim Figueiredo vai apresentar uma iniciativa sobre a eutanásia, o que sou o mais claramente contra. É evidente que os liberais não têm a agenda e o pensamento dos democratas-cristãos, poderão coincidir numa matéria ou noutra, nomeadamente nas questões orçamentais e fiscais.
O Iniciativa Liberal também tira votos ao CDS? Urbanos, por exemplo.
É possível.
O CDS deve ter um candidato próprio às presidenciais ou deve apoiar incondicionalmente Marcelo Rebelo de Sousa?
Incondicionalmente não digo, mas também acho que é cedo. Aí revejo-me na posição de Rui Rio, que é inteligente na forma como a expressou, e que já vi também em algumas candidaturas, que é o Presidente da República pediu-nos que respeitássemos o seu tempo de decisão e nós respeitamos, e quando apresentar a sua candidatura diríamos.
Mas no CDS há quem defenda que o CDS deve ter candidato próprio.
Eu não estou de acordo. É natural que apareça um candidato à direita, o André Ventura é natural que seja candidato na continuação da interjeição, mas para uma pessoa que tenha uma noção da política que seja mais do que uma interjeição não faz muito sentido. Isto não é um tirinho. O Presidente da República é a única coisa boa que aconteceu ao centro e à direita nos últimos anos. Se ele não se tivesse candidatado, mais ninguém teria ganho e seria muito pior com um Presidente totalmente alinhado com a maioria de esquerda. Devemos muito ao professor Marcelo Rebelo de Sousa, que tem aquela personalidade irresistível. Depois é uma pessoa extremamente trabalhadora. Agora, há coisas com as quais não estou de acordo, mas essas podemos dizer. O facto de ser Presidente da República e de o apoiarmos na sua reeleição não quer dizer que não o critiquemos, até fortemente se for caso disso.
Há alguma circunstância em que tenha criticado assim?
A mim toca-me muito o caso de Américo Sebastião, em Moçambique. Ainda agora o Presidente da República foi a Moçambique e noticiou que ia fazer perguntas ao presidente Filipe Nyusi sobre este caso e o de Inês Botas, uma portuguesa assassinada, cujo processo de julgamento ainda não chegou ao fim, mas continuamos sem saber as respostas de Nyusi e temos de saber quais foram. Quando foi do 'irritante' com Angola, Angola deu-nos lições como se trata um 'irritante'. Isto é um 'irritante' com Moçambique, não podemos aceitar de forma nenhuma que as autoridades de um país, políticas, judiciárias, policiais, ao fim de quase quatro anos não nos digam o que é que foi feito de um português que foi raptado por homens vestidos de militares no centro de Moçambique. E que Portugal oferece cooperação judiciária e batem-nos com a porta. Não podem bater com a porta. E claro que é um assunto de Estado. O procurador-geral de Angola veio agora pedir muita coisa [caso Isabel dos Santos] à Procuradoria-Geral da República de Portugal e faz bem em pedir, e nós devemos dar toda a colaboração, mas devemos aprender com eles o mesmo para fazer com Moçambique. Não tenho dúvidas de que Marcelo Rebelo de Sousa tem feito tudo o que pode, mas o Estado português tem de fazer mais.
Tem de ser mais vocal?
Temos outros meios, o Parlamento, a diplomacia e a pressão internacional. Perguntas muito bem, queremos é respostas claras e verdadeiras.
Como vê o regresso de Manuel Monteiro ao CDS?
Vejo bem. Eu nunca fui um monteirista, mas dou-me bem com ele e não estava ativo no partido quando eu fui presidente. Fui convidado pelo Dr. Paulo Portas para ser mediador para ver se ele aceitava ser candidato nas listas em 2002, eleição que precedeu a sua saída, e que não foi bem- sucedida. Assunção Cristas referiu que há muitas mágoas, mas há mágoas de parte a parte. O processo do fim da sua liderança também não foi agradável. É uma pessoa que fez o seu processo de evolução e quis voltar ao partido.
Mas vê nele intenção de voltar a concorrer à liderança do CDS?
Não vejo, aliás ele já o negou várias vezes. Não acho bem por se ter receio de que ele volte a ser líder não entrar. O CDS é um partido do Estado de direito, que tem estatutos.
Dizem que é a concelhia em que se inscreveu que decide sobre o seu regresso...Exatamente. Esse regulamento foi feito, aliás, pela direção de Paulo Portas a seguir à minha liderança, em 2007. O processo de adesão de Manuel Monteiro ao CDS não foi uma coisa clandestina ou furtiva, teve a maior publicidade. Foi um processo que demorou aí dois anos. Se havia algum problema, o partido tinha obrigação de alterar o regulamento. As condições de ter de vir humilhar-se aos nossos pés, de joelhos e pedir desculpas, então eles é que eram a direita confessional e exigiam ao Manuel Monteiro que fosse ali de rojo pedir desculpa e perdão. Isto é uma coisa muito feia. Porque para todos os efeitos é um antigo líder do partido, há pouco faleceu outro antigo líder, Freitas do Amaral, que já estava fora do CDS e já tinha morrido outro fora do CDS, que era Lucas Pires. Prossegue a péssima crónica deste grupo dirigente do CDS relativamente a antigos líderes. Praticamente só escapa o professor Adriano Moreira.
E José Ribeiro e Castro.
Não, também tenho as minhas mágoas.
Que papel terá no CDS?
Sou um militante do CDS, tenho a minha forma de pensar e tenho outras coisas para me ocupar, atividades cívicas, a reforma eleitoral, desencravar a descentralização, a reforma do Estado, a língua portuguesa, casos humanitários gravíssimos, como o caso Américo Sebastião.