Reunificação: do entusiasmo à Ostalgie

Trinta anos depois, a desilusão e o desapontamento prevalecem no leste da Alemanha
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Vivem sem dúvida melhor do que nos tempos da República Democrática Alemã (RDA), mas continuam mais pobres do que os seus vizinhos do Ocidente. Queixam-se da desigualdade entre leste e oeste quanto a salários e pensões, e muitos continuam sentir-se alemães de segunda classe e órfãos de uma identidade perdida.

Trinta anos depois, os estudos de opinião atestam que os sentimentos continuam divididos, que a reunificação continua a ser uma memória traumática para a maioria dos alemães de leste e que as diferenças sociais, políticas e culturais entre as "duas Alemanhas" continuam muito vincadas.

"Algo está errado" - observava há um ano o Die Zeit. "Trinta anos depois, a desilusão e o desapontamento prevalecem no leste do país", como se a sombra do Muro continuasse a dividir os alemães de leste e de oeste.

A narrativa oficial descreve estas três décadas como um sucesso, mas a unificação teve aspetos traumáticos. A excitação da queda do Muro e da reunificação em breve cederia lugar a ressentimentos. Entre os Ossis (alemães de leste) grassam sentimentos de parda, os Wessis começam a acusar o fardo da reunificação.

Para os alemães ocidentais pouco mudou. Para os alemães de leste, a adoção forçada dos valores, das leis e das regras do Ocidente representou uma mudança brutal. Com os milhares de companhias privatizadas em quatro anos e os milhões de empregos perdidos, os Ossis viam desaparecer toda uma cultura, todo um modo de vida. As ilusões de 1989-90 deram lugar à Ostalgie (nostalgia do Leste).

DestaquedestaqueO rendimento per capita no Leste é ainda 24% mais baixo do que no Ocidente, os salários são 15% mais curtos, a produtividade é menor e o desemprego duplica.

Mais de metade dos alemães de leste (57%) continuam a sentir-se cidadãos de segunda - revelava um relatório governamental sobre o estado da união publicado há um ano. Estudos de opinião mostram que 70% sentem que a sua voz não é sequer considerada e que não lhes é reconhecido qualquer papel na vida do país. Um estudo de 2019 da Universidade de Leipzig apurou que menos de 5% dos postos de responsabilidade na política, nos negócios ou na ciência, vêm de leste (Angela Merkel continua a ser a exceção). Apenas 38% dos antigos cidadãos da RDA viam a reunificação como um sucesso, entre eles 20% dos que têm menos de 40 anos.

Ao cabo da injeção de dois triliões de euros em três décadas, o rendimento per capita no Leste é ainda 24% mais baixo do que no Ocidente, os salários são 15% mais curtos, a produtividade é menor e o desemprego duplica. Escassas instituições federais e nenhuma grande corporação instalaram as suas sedes no Leste.

Alguns destes traumas foram mantidos em silêncio durante muito tempo. Só recentemente começaram a ser debatidos temas-tabu, como os traumas da reunificação ou a herança controversa da Treuhand, a empresa que supervisionou a privatização de milhares de empresas da antiga RDA.

Segundo estudos encomendados pelo Die Zeit nos dois últimos anos, os humores dos Ossis em relação à reunificação são cada vez mais sombrios. Em 2000, 67% consideraram que as suas esperanças com a reunificação tinham sido realmente cumpridas. Em 2019, eram 72%. A satisfação em setores como a educação e a justiça social é cada vez menor, e apenas 26% consideram que têm hoje uma qualidade de vida melhor.

Muitos alemães de leste afastam-se dos partidos tradicionais e estão a voltar os olhos para grupos antissistema, por exemplo a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema-direita, ou o Die Linke, de extrema-esquerda. Os sentimentos de inferioridade e de insegurança no Leste constituem um terreno fértil para os partidos radicais. A AfD explora-os habilmente adotando slogans usados nos protestos de 1989, como "Wir sind das Volk" (nós somos o povo). "Desde 1990, muitos alemães de leste vêm tentando ser mais alemães do que os de oeste, o que resulta em nacionalismos e racismos abertos", observa o historiador Ilko-Sascha Kowalczuk, citado no The Guardian.

DestaquedestaqueMuitos alemães de leste afastam-se dos partidos tradicionais e estão a voltar os olhos para grupos antissistema.

Estudos de opinião recentes revelaram mesmo uma tendência crescente entre os Ossis, incluindo os mais jovens, para uma certa idealização da antiga RDA. "Muitos alemães de leste sentem qualquer crítica ao sistema como um ataque pessoal", considera o politólogo Klaus Schroeder, citado pela Der Spiegel. Rejeitam a ideia de que a RDA era um "Estado ilegítimo" e tendem a desvalorizar a ditadura e a repressão "como o preço a pagar para manterem o seu autorrespeito". "Memórias pintadas de cor-de-rosa são mais fortes do que as estatísticas sobre pessoas que tentavam escapar" ou "as mortes no Muro" - acrescenta Klaus Schroeder. Estão em causa a sua história e a sua memória.

No entanto, nenhuma sondagem registou manifestações de desejo de um regresso à era do Muro de Berlim. Mas muitos alemães de leste continuam a perguntar-se se em 1990 viveram afinal uma reunificação ou uma anexação da antiga RDA pela Alemanha Ocidental.

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