Retrato da Itália pobre e esquecida, por Niccolò Ammaniti

<p>Italianos sem esperança, pobres, violentos e politicamente incorrectos - não são como ninguém que conheçamos e por essa razão os escolheu o escritor italiano Niccolò Ammaniti para protagonizar o romance "Como Deus Manda".</p>
Publicado a
Atualizado a

Vencedor do Prémio Strega 2007, o maior galardão literário atribuído em Itália, este livro, que agora chega a Portugal numa edição da Bertrand, conta a história da relação de Cristiano, um rapaz de 13 anos, com o seu pai, Rino, e dois amigos deste, Danilo e Quattro Formaggi (sim, por se alimentar sobretudo de pizza Quatro Queijos), que veêm no roubo de uma caixa multibanco a solução para todos os seus problemas.

"Eu penso que a literatura se deve ocupar sempre, de alguma maneira, dos últimos, das pessoas que não têm um papel político e social, que não trabalham, que estão esquecidas, das pessoas que ninguém vê a não ser que cometam crimes sangrentos e, por isso, creio que era um livro necessário, porque retrata uma grande parte da Itália que não tem voz, que é ostracizada pelo Estado", disse Niccolò Ammaniti em entrevista à Lusa.

"Interessava-me escrever sobre uma faixa de pessoas que vivem na sombra - explicou - e em quem esta sombra produz um ressentimento, uma raiva que não lhes permite integrar-se e que se sentem sós, sentem-se cães enjaulados, e eu queria que estes personagens como que tivessem ainda humanidade, embora não sabendo como amar um filho - não do modo como um pai burguês ama o seu próprio filho. Foi essa a minha necessidade: contar uma Itália que poucos conhecem".

Para o autor, "Como Deus Manda" é, acima de tudo, "uma história de amor entre um pai e um filho, mas também a história de uma educação, uma educação para o ódio mas dada com um enorme amor".

O comportamento muitas vezes desviante e violento dos seus personagens não só não o surpreendeu como, à medida que ia escrevendo, se lhes foi afeiçoando: "Comecei a amá-los mais do que a odiá-los, de tal modo me eram próximos", admitiu.

Diz que escreve porque não sabe fazer outra coisa e que, antes de escrever uma história, sabe "do princípio ao fim o que acontecerá", acrescentando que este foi um livro que demorou três anos a ser pensado, "até a história estar completamente metabolizada", e outros dois a ser escrito.

Agora, está publicado em 44 países e já foi adaptado ao cinema, com argumento da sua autoria, pelo cineasta Gabriele Salvatores, tal como alguns anteriores, porque a linguagem que utiliza é "muito visual", observou.

"Mas os melhores filmes não vêm de livros como os meus, vêm dos livros que são menos visuais e mais conceptuais, porque assim o realizador tem de fazer a sua interpretação, em vez de tentar copiar a imagem que o escritor dá no seu livro", sustentou.

Na opinião de Niccolò Ammaniti, o papel da literatura hoje "é o de evitar generalizar, fazer grandes generalizações sobre a sociedade, sobre o que é certo e o que é errado, sobre como se comporta a humanidade, e o de olhar o homem, o homem singular, e a sua própria história".

"Os romances falam sempre de uma, duas pessoas - nunca falam dos povos - e por isso são importantes, porque é preciso lembrarmo-nos de que todas as pessoas são diferentes, mas que dentro de cada uma há um coração que assume o partido das outras. Quando a literatura fala, fala sempre ao leitor de uma pessoa", concluiu.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt