Retratar a ascensão do mal sem adornos
"Dependendo do dia, sou mais otimista ou pessimista." No dia em que começou a escrever o argumento de A Infância de Um Líder, com 17 anos, Brady Corbet (hoje com 28) teria os níveis de pessimismo bem altos. Distinguido com os prémios de melhor primeiro filme e realizador em Veneza, e Revelação TAP na 9.ª edição do LEFFEST, esta parábola histórica, baseada num conto de Sartre, e situada em França, ano de 1918 - aquando do Tratado de Versalhes -, transporta-nos para o âmago do afloramento do mal. Numa criança, testemunha do contexto político, vai despertando uma personalidade sinistra, à imagem da própria ascensão do fascismo no século XX.
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Debutante no grande ecrã, Tom Sweet é o rosto "icónico" dessa criança perversa, como nota o realizador ao DN, clarificando a abordagem: "A minha ideia era fazer algo que fosse menos documental e mais poético. Hoje em dia já não se vê muito a representação poética, abstrata, de um cenário político, a tendência é o docudrama, que é extremamente literal. Quando falamos de contextos históricos complexos é preciso criar uma vinculação emocional, para os compreender em plenitude. Não podemos ficar presos a estatísticas e ilustrações. Tem de ser algo aterrorizante e exaustivo." Assim se pode classificar, grosso modo, a experiência de A Infância de Um Líder, no melhor sentido dessa trepidação fílmica.
Nesta estreia como realizador, quando lhe perguntamos acerca da conceção estilística de um filme de época, que é simultaneamente um objeto de carácter contemporâneo (muito marcado pela banda sonora original de Scott Walker), diz que é importante não se ser dogmático: "É preciso deixar que a história dê as pistas para o próprio modo de a contar. O estilo forma-se a partir do conteúdo, portanto um filme como A Infância de Um Líder, que assinala o ano específico de 1918, exige o retrato de um certo desespero, o tédio, a própria passagem do tempo... Mas interessou-me usar técnicas do passado, misturadas com algo de moderno."
Como ator, Brady Corbet colaborou, desde muito cedo, com realizadores de renome. Michael Haneke, Gregg Araki, Lars von Trier ou Olivier Assayas são apenas alguns deles, mas a sua maior referência não é deste tempo: "Tenho um grande fascínio pelo cinema de Carl Dreyer. Como explicá-lo? Talvez com a teoria das melhores receitas do mundo, que são feitas com três ou quatro ingredientes. Dreyer foi alguém que, conhecendo a combinação perfeita de poucos ingredientes, atingiu o nível mais requintado do gosto. E eu procuro uma simplicidade nessa linha, que seja sinónimo de profundidade e complexidade."
No gesto de passar da frente para trás da câmara, Corbet parece rendido à nova circunstância: "Talvez me sinta mais confiante atrás da câmara, porque há uma parte de mim que é um pouco tímida, e, por alguma razão, com o passar dos anos vai-se tornando mais severa... Curiosamente, quando era miúdo não sentia tanto esse acanhamento diante da câmara. Depois, ao realizar, desfruto muito mais do processo, sinto as dores do crescimento, sinto que amadureço através da escrita, da montagem, da conceção do projeto. E também me agrada isto de estar imerso na mesma coisa durante anos. Realizar é um trabalho mais dinâmico do que representar."