Retomar de terreno ensombrado com alerta de ataque químico

Biden diz que Putin está a encarar um ataque com armas proibidas. Ucranianos registam vitórias enquanto a situação em Mariupol continua a agravar-se.
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O presidente dos Estados Unidos trouxe de novo a terreiro o tema da utilização de armas não convencionais ao dizer que Vladimir Putin está a considerar usá-las, num momento em que, segundo o Pentágono, Kiev está a ganhar terreno e a repelir as forças invasoras, apesar de haver informações de avanços consideráveis das tropas russas em Mariupol.

O aviso de Joe Biden surge antes da viagem à Europa, onde irá discutir com os aliados a invasão russa e onde será anunciada mais uma salva de sanções. Enquanto o presidente ucraniano pediu a mediação do Papa Francisco e avisou os deputados italianos que a Ucrânia é a porta de entrada dos russos na Europa, o secretário-geral das Nações Unidas afirmou que a guerra é "impossível de vencer".

"[Putin] está encostado à parede e agora fala de falsos alertas que ele próprio fabricou, afirmando que nós nos EUA temos armas biológicas e químicas na Europa, o que simplesmente não é verdade", disse o presidente norte-americano na segunda-feira à noite, num encontro com empresários. "Ele [Putin] também sugere que a Ucrânia tem armas químicas e biológicas no país, o que é um sinal claro de que está a considerar a utilização de ambas." As informações dos serviços secretos dos Estados Unidos sobre os planos russos em relação à Ucrânia têm-se revelado certeiras, ao contrário, por exemplo, do que sucedeu com os EUA no Afeganistão.

O tema das armas químicas e biológicas - proibidas à luz do direito internacional - foi lançado pela primeira vez pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo. No início do mês, Sergei Lavrov acusou o Pentágono de financiar pesquisas com armas nos laboratórios biológicos da Ucrânia. "Estas não foram experiências pacíficas", atirou. A China fez eco dessas acusações. "A Rússia descobriu durante as suas operações militares que os EUA utilizam estas instalações para conduzir planos biomilitares", disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês.

Para os Estados Unidos estas alegações não são mais do que o preparar de terreno para uma operação de bandeira falsa. "A Rússia tem um historial de acusar o Ocidente dos exatos crimes que a Rússia está a perpetrar. Estas táticas são uma manobra óbvia da Rússia para tentar justificar novos ataques premeditados, não provocados e injustificados à Ucrânia", disse o porta-voz do Departamento de Estado Ned Price, que acusou a Rússia de ter "programas ativos de armas químicas e biológicas", em violação às convenções sobre armas químicas e biológicas.

Também o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, disse em entrevista ao jornal Welt am Sonntag que o Kremlin estava a criar "falsos pretextos para tentar justificar o injustificável".

Os Estados Unidos patrocinam desde 1991 um programa no espaço da antiga União Soviética, Rússia incluída, para impedir acidentes com componentes de armas de destruição em massa. O Pentágono gastou desde então 12 mil milhões de dólares, dos quais 200 milhões na Ucrânia. Em 2005, o então presidente ucraniano Leonid Kuchma, preocupado com a possibilidade de terroristas se apropriarem de patógenos, pediu a Washington para prestar ajuda. Na sua primeira viagem oficial ao estrangeiro como senador, Barack Obama testemunhou num laboratório as condições em que os materiais estavam guardados, "tubos de ensaio com antraz e peste guardados praticamente abertos e desprotegidos", recorda o Wall Street Journal.

Como reagiria o Ocidente se Moscovo fizesse uso das armas proibidas? Biden, que tem evitado a todo o custo incendiar as relações com a Rússia - exceto nas acusações a Vladimir Putin - e arrastar o seu país para o cenário de guerra, ficou-se por um "preço elevado" a pagar, uma formulação que já fizera sobre a invasão militar à Ucrânia. Já o presidente polaco Andrzej Duda, com quem o norte-americano se encontrará no sábado na Polónia, disse que o uso de "armas de destruição em massa seria um ponto de viragem" porque começaria a "ser perigoso não só para a Europa mas para o mundo inteiro".

Noutra frente, os Estados Unidos, através da sua embaixada em Kiev, acusaram ainda Moscovo de ter "raptado" 2389 crianças dos distritos de Donetsk e Lugansk para a Rússia. No fim de semana, a autarquia de Mariupol disse que os civis estavam a ser deportados para a Rússia. A embaixada russa nos Estados Unidos negou esta última acusação e disse que só "bandidos e fascistas" foram levados.

A estratégica cidade de Mariupol foi alvo de "duas superpoderosas bombas", segundo as autoridades locais. O Pentágono diz que os disparos foram efetuados a partir de navios no mar de Azov. De acordo com a vice-primeira-ministra Inina Vereshchuk permanecem umas cem mil pessoas presas na cidade, e com a Cruz Vermelha impedida de entrar. Há relatos de combates nas ruas e os ucranianos acusam as tropas russas de disparar de forma indiscriminada.

O secretário-geral da ONU deu o exemplo daquela cidade para dizer que é tempo para "parar com esta guerra absurda", que é "impossível de vencer". "Durante mais de duas semanas, Mariupol foi cercada pelo exército russo e incessantemente bombardeada e atacada. Para quê? Mesmo que Mariupol caia, a Ucrânia não pode ser conquistada cidade por cidade, rua por rua, casa por casa".

A pressão militar russa - que a procuradora-geral ucraniana qualifica de "genocídio" - não está a ser acompanhada no resto do país. As forças ucranianas retomaram Makariv e Bucha, nos arredores da capital. Os militares ucranianos também lançaram um contra-ataque em Izium, a sudeste de Kharkiv. "[Os ucranianos] estão a perseguir os russos e a expulsá-los de lugares onde têm estado", disse o porta-voz do Pentágono John Kirby. Acrescente-se que, segundo os militares ucranianos, as forças russas dispõem apenas de três dias de comida, munições e combustível.

cesar.avo@dn.pt

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