Os líderes da Turquia, da Rússia e do Irão prometeram juntar esforços para garantir a "estabilidade" na Síria, mas sem darem qualquer sinal de compromisso quanto às disputas que os confrontam no terreno, ao mesmo tempo que os Estados Unidos anunciam a sua retirada a prazo do conflito..O comunicado final da cimeira que reuniu na quarta-feira em Ancara os presidentes turco, Recep Tayyip Erdogan, russo, Vladimir Putin, e iraniano, Hassan Rouhani, garante que os três países vão "acelerar os seus esforços para garantir a calma" na Síria e cooperar no apoio às populações e na reconstrução da Síria..A Turquia, a Rússia e o Irão comprometem-se a proteger a "integridade territorial" do país e proclamam a sua oposição a "agendas separatistas" na Síria, ao mesmo tempo que empenham forças em lados diferentes do conflito e o exército turco conquista terreno no Noroeste sírio. A Rússia e o Irão têm dado um apoio decisivo ao regime de Damasco, a Turquia apoia grupos rebeldes anti-Assad..É a segunda vez que os três líderes se encontram em cinco meses. Ancara, Moscovo e Teerão têm-se mostrado empenhadas na procura de compromissos que permitam conter o conflito. Em vésperas da cimeira falava-se de possíveis avanços em matéria como as reformas constitucionais na Síria e as "zonas de contenção" do conflito, na sequência de várias rondas de conversações no ano passado em Sotchi e na capital cazaque, Astana..As promessas de cooperação anunciadas na quarta-feira em Ancara não prenunciam ainda assim, e para já, qualquer pacificação nas frentes mais acesas no terreno, num momento particular em que a ofensiva turca está a criar uma situação política e militar complexa no Noroeste da Síria. O avanço turco A situação no terreno é com efeito marcada por duas evoluções recentes - o avanço das forças sírias em Ghouta Oriental, último grande bastião rebelde na área de Damasco, e a campanha militar lançada por Ancara para expulsar os combatentes curdos do YPG do distrito de Afrin, no Noroeste da Síria..As forças sírias, com apoio aéreo russo e das milícias iranianas, controlam já a maior parte do território de Ghouta Oriental. A situação é, porém, ainda algo confusa. Entre notícias e desmentidos sobre um acordo de retirada dos rebeldes, o grupo Jaysh al-Islam parece oferecer ainda alguma resistência na zona de Douma e a aviação síria bombardeou na sexta-feira a área..A captura do subúrbio de Damasco representa um avanço importante nos esforços do presidente Bashar al-Assad de recuperar os territórios perdidos na guerra civil..Ao mesmo tempo, o exército turco e as forças do Exército Livre da Síria (FSA), apoiadas por Ancara, assumiam o controle da região de Afrin, no Noroeste da Síria, desalojando as milícias curdas do YPG (Unidade de Proteção do Povo Curdo), Kurdish People"s Protection Unit), assistidas pelos Estados Unidos..A Turquia considera o Partido da União Democrática (PYD), dos curdos sírios, e o seu braço armado, o YPG, um "grupo terrorista" com ligações ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão)..Em plena cimeira de Ancara, o presidente turco garantiu que o exército turco vai prosseguir a sua ofensiva militar em direção à cidade de Tel Rifaat (a leste de Afrin, a caminho do Eufrates) e depois mais para leste ao longo da fronteira com a Turquia..O avanço turco representa um desafio para Teerão na medida em que ameaça pôr em confronto direto as forças turcas e as milícias pró-iranianas que atuam na região. Lado a lado com Erdogan e Putin, o presidente iraniano, Rouhani, defendeu a "integridade territorial da Síria" e considerou que o controlo das áreas do avanço turco "deviam ser entregues ao exército sírio". Um alto responsável iraniano dizia à Reuters em vésperas da cimeira de Ancara que "os avanços da Turquia na Síria (...) devem ser travados quanto antes". Alianças voláteis Alarmada com a perspetiva da criação de um território curdo no Norte da Síria, a Turquia iniciou em fevereiro a operação Olive Branch, uma ofensiva na região introduzindo novas incógnitas na equação síria..A ofensiva turca provocou reações diferentes entre os aliados de Damasco. Enquanto o Irão manifestava o seu mal-estar perante a intervenção turca, Erdogan entrava em contacto com Putin, a 19 de fevereiro, para discutir a situação. A Rússia retirava entretanto os seus observadores da região e abria o espaço aéreo de Afrin à ofensiva turca..A intervenção turca alimentava entretanto uma série de cenários e contracenários. Um analista libanês, Tewfik Shuman, especulou mesmo em declarações à Al Jazeera com a hipótese de um acordo envolvendo a troca de Ghouta Oriental pela luz verde à entrada da Turquia em Afrin..Falou-se primeiro de um acordo entre o YPG e o regime de Damasco e surgiam notícias da entrada de milícias pró-governamentais em Afrin para apoiar a resistência curda ao avanço turco..Dias depois, corriam rumores invocando a perspetiva de um acordo que entregaria ao governo de Damasco o controlo da área. Um arranjo tático que poderia acabar por servir mais ou menos a todas as partes. A Turquia aceitaria, nessa perspetiva, travar o avanço das suas forças, em troca de garantias de retirada das milícias curdas de Afrin e Manbij para uma área a leste do Eufrates..O cenário de um acordo não tardaria a desmoronar-se. No início de março, pouco depois de as forças turcas terem sofrido 13 mortos em combates na área, um ataque aéreo turco provocou pesadas baixas entre as milícia pró--governamentais em Afrin. Ancara anunciava logo depois o prosseguimento da ofensiva em direção ao Eufrates, ao mesmo tempo que anunciava o início de uma operação militar na região iraquiana de Sinjar..O governo turco ameaçava mesmo atacar a cidade de Manbij, tomada pelos curdos sírios às forças do Estado Islâmico em 2016 com apoio dos EUA, e onde se encontram atualmente tropas americanas. Ancara chegou mesmo a lançar um ultimato exigindo a retirada imediata das milícias curdas. Seguiram-se notícias de um acordo entre as duas partes sobre a presença das forças americanas em Manbij, mas que seria entretanto negado pelo Pentágono..Ancara nunca escondeu o mal--estar perante o apoio americano aos curdos, e só a influência crescente do Irão aproxima os interesses turcos e americanos na Síria. O YPG, integrado nas chamadas Forças Democráticas da Síria (SDF), uma coligação de milícias curdas e árabes, teve um papel importante na luta contra o Estado Islâmico (EI) e chegou a controlar extensas parcelas de território no Norte da Síria durante a guerra civil, contando com um forte apoio americano. A questão ameaça transformar-se num teste às já delicadas relações entre Washington e Ancara no momento em que se assistia a uma notória aproximação entre a Turquia e a Rússia. Agendas divergentes A perspetiva de uma retirada americana, a prazo e em condições ainda por esclarecer, vem introduzir dados novos no imbróglio sírio. No início da semana, uma nota emitida pela Casa Branca garantia que os EUA continuam empenhados em combater o EI na Síria. Um aparente recuo em relação à insistência de Donald Trump, uma semana antes, numa declaração de surpresa no Ohio, de que os militares americanos na Síria deviam regressar "muito, muito em breve" a casa e "deixar que outros tomem conta do problema".Os principais conselheiros de segurança de Trump, entre eles o próprio secretário da Defesa, James Mattis, teriam convencido numa reunião na terça-feira o presidente americano a manter as tropas na Síria de forma a prevenir um eventual ressurgimento do Estado Islâmico..Um alto responsável da Casa Branca citado pelo The Washington Post disse no dia seguinte que o presidente Trump tinha dado instruções aos responsáveis militares para prepararem a retirada das tropas americanas da Síria. O presidente não estabeleceu um calendário, mas sublinhou que as tropas americanas poderiam continuar a treinar as forças locais que estão a proteger áreas libertadas do Estado islâmico. Os Estados Unidos têm cerca de 2000 homens no Norte da Síria..Em janeiro, o então secretário de Estado Rex Tillerson falava já de uma presença americana em aberto para garantir a derrota do EI mas também para conter a influência iraniana na área..A Administração Trump parece assim decidida a abdicar de um papel direto no futuro da Síria, deixando terreno livre à Turquia, ao Irão e à Rússia..Para já, e apesar dos propósitos de cooperação reiterados em Ancara, os principais intervenientes no conflito da Síria prosseguem agendas dificilmente conciliáveis..Turcos, russos e iranianos continuam divididos quanto à própria figura de Bashar al-Assad. O Irão continua determinado em manter no poder Assad, garante da sua influência na síria. As milícias apoiadas pelo Irão ajudaram o exército sírio a conter o avanço dos rebeldes antes da intervenção russa em 2015. As relações entre Assad e a Rússia parecem mais complicadas. Moscovo insiste numa solução política que permita rapidamente pôr termo ao conflito, e que obrigaria Assad a compromissos a que o líder sírio continua a resistir. A Turquia diz que Assad perdeu a legitimidade, mas já não exige a sua partida imediata..A situação no Noroeste da Síria mantém-se imprevisível. As forças de Assad, com o auxílio das milícias apoiadas pelo Irão e da aviação russa, estão a intensificar a pressão sobre Idlib, uma área em que a Turquia tem forte influência, e para onde parece estar a convergir parte das forças rebeldes desalojadas pelas ofensivas do exército sírio em Ghouta Oriental, Aleppo e noutros pontos do país. Um choque direto na área entre as forças apoiadas pela Turquia e o exército sírio poderia rapidamente assumir outras proporções.