Lobbistas continuam sem ter de revelar quem representam

PSD, BE e PCP chumbaram medida estruturante do diploma: lobbistas que reunirem com entidades públicas não têm de declarar quem é que estão a representar
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O Parlamento aprovou esta terça-feira na especialidade (votação artigo a artigo) as novas regras para o lobbying - a representação de interesses privados junto de entidades públicas - mas deixando pelo caminho uma das principais regras que constava do anteprojeto de lei. Em causa está a obrigação de as entidades que se dedicam à representação de interesses terem de declarar, no momento da marcação de audiências, quem é que estão a representar. Chumbado pelos votos do PSD, Bloco de Esquerda e PCP, este artigo desapareceu do texto.

Tal como está agora, o documento obriga que as entidades que representam interesses de terceiros tenham de se registar numa espécie de base de dados que será criada futuramente, e terá que ser dada nota pública das reuniões que mantenham com entidades da esfera do Estado. Mas, com o chumbo daquela norma, fica por saber quem é que estão a representar. "Agora é que está mesmo liquidada a transparência", concluiu o deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira, durante a reunião da Comissão Eventual para a Transparência, que iniciou esta terça-feira a votação de três diplomas que visam aumentar a transparência no desempenho de cargos públicos. "Esta norma é indispensável ao bom funcionamento deste regime", afirmou também o deputado socialista Pedro Delgado Alves, anunciando que o PS vai avocar aquele artigo para plenário - o que significa que este ponto em particular será novamente votado, antes de o diploma ser submetido à votação final. O mesmo disse António Carlos Monteiro, do CDS, o primeiro partido a apresentar uma proposta para a regulamentação do lobbying.

Luís Marques Guedes, presidente da comissão, ainda lembrou que as entidades públicas que reunirem com lobistas também ficam obrigadas à divulgação pública das reuniões, da data e do objeto desses encontros, o que permite colmatar a disposição que agora foi chumbada. Mas, no artigo que se aplica às entidades públicas, não fica explícita a obrigação de divulgar qual a entidade que está a ser representada.

Um exemplo do que isto representa: uma agência de comunicação pede uma reunião a um ministro para falar sobre uma lei que está a ser preparada pelo governo, para lhe dar conta da posição de uma associação com interesses na área de tutela daquele governante. Com o texto atual, ficar-se-á a saber da reunião, do tema que foi discutido, mas não obrigatoriamente qual o nome da associação que quis comunicar a sua posição ao executivo.

Desde o início contrários à regulamentação do lobbying, Bloco de Esquerda e PCP votaram contra todos os artigos do anteprojeto, sem exceção. Já o PSD, que é contra a regulamentação da representação de interesses enquanto atividade profissional, absteve-se em boa parte das alíneas, mas votou contra as que se referiam "à atividade profissional de mediação na representação de interesses", como era o caso da referida norma. E este não foi o único ponto do anteprojeto que foi chumbado. Pelo caminho também ficou a obrigação de os lobistas divulgarem publicamente o "nome dos três principais clientes da atividade de representação de interesses legítimos".

O anteprojeto que foi votado esta terça-feira na especialidade resulta de propostas do PS, do CDS e de alguns deputados do PSD, caso da líder da Juventude Social-Democrata, Margarida Balseiro Lopes.

PCP não quer regular atividade que se "pode aproximar" do tráfico de influências

Nas declarações finais, BE e PCP deixaram muito clara a oposição à lei que está em preparação. O deputado comunista António Filipe afirmou mesmo que, não querendo dizer que se está a legalizar o tráfico de influências, porque se trata de uma atividade ilícita, o Parlamento pode estar em "vias de legalizar uma atividade que, em determinados momentos, se pode aproximar disso". "Os ganhos serão muito limitados", defendeu, por sua vez, o bloquista José Manuel Pureza.

Pelo PSD, Álvaro Batista disse que os sociais-democratas são a "favor de mais transparência", mas são "contra a criação de um estatuto de lobista profissional, contra a regulamentação da atividade profissional de representação de interesses".

Em sentido contrário, o socialista Pedro Delgado Alves falou num "trabalho inovador" numa área que não está regulamentada, qualificando as medidas hoje aprovadas como um "avanço muito substancial", ainda que "não tão completo" quanto os socialistas pretendiam. António Carlos Monteiro, do CDS, também defendeu que a regulação da representação legítima de interesses "era fundamental" e que as obrigações de transparência que agora serão instituídas (se o texto final for aprovado) são "um passo no caminho certo".

Já Paulo Trigo Pereira argumentou que há "questões centrais que não estão fechadas" e que o seu voto final dependerá disso mesmo - se se vai regulamentar o lobbying, mas "depois não se sabe que interesses representam, isso não é transparência nenhuma".

Nas votações de hoje ficou aprovado que será criado um "Registo de Transparência da Representação de Interesses da Assembleia da República", de caráter "público e gratuito", que ficará disponível online, e no qual terão de se inscrever as entidades que pretendam exercer a atividade de representação de interesses (seja em nome próprio ou em representação de terceiros) junto do Parlamento.

Estas entidades podem ser representantes de interesses empresariais, representantes institucionais de interesses coletivos, parceiros sociais privados ou representantes profissionais de interesses (o lobbying).

Quando às entidades públicas abrangidas, além de Assembleia da República conta-se o Governo e respetivos gabinetes, os governos regionais, os órgãos da administração direta e indireta do Estado, as entidades administrativas independentes, as entidades reguladoras e os órgãos autárquicos. Os vários organismos podem criar um registo próprio ou inscrever-se no da Assembleia da República.

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