Reforma do comando superior das Forças Armadas bloqueada no Ministério

O decreto-regulamentar a definir a nova organização, estruturas, cargos e competências devia ter sido publicado em junho. "Tudo isto é inaceitável e é mais um fator de desvalorização das Forças Armadas a somar a muitos outros praticados pelo Ministério da Defesa, com os resultados nefastos que se conhecem", critica o PSD.
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"A importante reforma legislativa, aprovada no verão [de 2021] por uma ampla maioria parlamentar, consagra o imperativo de reforçar as estruturas de comando conjunto das Forças Armadas e a sua capacidade de resposta operacional. Ultrapassada uma fase de debate e de elaboração conceptual, a reforma agora aprovada tem de simplesmente ser implementada com a energia, a determinação e a flexibilidade que são a imagem de marca das Forças Armadas portuguesas".

As palavras, com determinação implícita, são do primeiro-ministro António Costa, em setembro de 2021, na cerimónia dos 47 anos do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), cerca de três meses depois da aprovação, em junho desse ano, das leis que tinham sido propostas pelo Governo e que visam concentrar mais poder na figura do Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA).

Só que a "energia" pedida por Costa para a execução da lei não foi cumprida. A nova lei orgânica do EMGFA foi publicada em janeiro e previa que "as atribuições, competências e organização da estrutura interna do EMGFA, da Marinha, do Exército e da Força Aérea" fossem "estabelecidas por decreto regulamentar, a aprovar no prazo de 180 dias", até julho, portanto.

O DN sabe que o EMGFA enviou os seus projetos a tempo, mas ainda não saíram do Ministério da Defesa Nacional (MDN).

O PSD que, debaixo de fogo de uma onda de contestação de Ex-Chefes Generais contra a lei, foi o único partido a votar ao lado do PS, diz que é "inaceitável".

Questionado o gabinete da Ministra Helena Carreiras, responde que os referidos decretos regulamentares "já foram submetidos a processo legislativo pelo MDN, aguardando-se a conclusão dessa fase para se proceder à respetiva publicação. Enquanto não forem publicados os diplomas regulamentares mantêm-se em vigor as normas que presentemente disciplinam as correspondentes matérias, tal como previsto na norma transitória incluída no próprio Decreto-Lei já referido".

Este impasse tem consequências práticas e estará a incomodar altos dirigentes no EMGFA e nos Ramos.

"Tudo isto tem um enorme impacto. Formalmente há oficiais a exercer funções de forma irregular, pois a as novas estruturas não estão ainda legalmente aprovadas. Sem o decreto não podem ser implementadas as novas estruturas, cargos e respetivas competências. Ou seja, está tudo como dantes mesmo com a nova lei aprovada. Foram criadas algumas novas estruturas mas sem os titulares terem formalmente as novas competências. No caso do EMGFA, por exemplo, foi criado o Centro de Comunicação Informação, Ciberespaço e Espaço. Já lá está o Oficial General que chefia mas não tem competências legais atribuídas. E há vários outros exemplos. Mesmo que as novas estruturas tenham sido ativadas os seus chefes não tem competências legais atribuídas", explica ao DN uma fonte da Defesa.

O PSD lamenta este bloqueio à conclusão de uma reforma que tanta controvérsia gerou. Recorde-se, por exemplo, o profundo desacordo de todos os 28 ex-chefes dos ramos e CEMGFA (à exceção de Valença Pinto), expresso numa carta pública, com o Presidente Ramalho Eanes à cabeça.

"Pese embora não tenham sido tão ambiciosas como aquelas que gostaríamos, as leis aprovadas vão no sentido defendido pelo PSD, daí ter merecido o seu apoio, obviamente no pressuposto de que a reforma fosse materializada, o que objetivamente não está a acontecer. Este atraso lamentavelmente representa um obstáculo para que a reforma seja materializada, pelo que só pode merecer a nossa censura", sublinha o coordenador para a Defesa do Grupo Parlamentar do social-democrata, Jorge Paulo Oliveira.

"Infelizmente este é um Governo incapaz de cumprir prazos, programas e calendários. Está no seu ADN. A senhora Ministra da Defesa não é exceção, esta é também a sua marca de água e, tal como os demais membros do governo, acredita que a maioria absoluta do PS lhe dará o respaldo e a proteção necessária para tudo justificar e tudo ultrapassar, mesmo que os seus atrasos, como é o caso, represente um atropelo ao Estado de Direito", critica o deputado.

Jorge Paulo Oliveira reconhece que "houve eleições legislativas em janeiro do corrente ano e que essa circunstância causou constrangimentos, mas o Governo é o mesmo, a matéria em apreço não constitui novidade para ninguém no Ministério da Defesa e já decorreram mais de três meses sobre o prazo limite para a publicação dos decretos regulamentares".

"Tudo isto é inaceitável e é mais um fator de desvalorização das Forças Armadas a somar a muitos outros praticados pelo Ministério da Defesa, com os resultados nefastos que se conhecem. Esperamos e exigimos que a Senhora Ministra se reencontre com a legalidade e faça aquilo que já devia estar feito. As Forças Armadas merecem uma outra atenção e um outro cuidado", conclui.

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