Redes sociais estão a substituir a darknet no tráfico de droga
Os mercados de droga na Darknet estão em declínio e a perder terreno para as redes sociais e aplicações de mensagens instantâneas. Ao mesmo tempo, a produção de drogas sintéticas na Europa está a aumentar: há cada vez mais estupefacientes deste tipo disponíveis na União Europeia e o consumo de cocaína, crack, anfetaminas e metanfetaminas aumentou em algumas cidades europeias entre 2020 e 2021.
Estas são algumas das ideias apresentadas no Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e Evoluções, documento que alerta para o facto de, a este cenário cada vez mais complexo relacionado com o consumo, produção e distribuição de droga no continente europeu, ter de se acrescentar a incerteza sobre o impacto que terá a atual guerra na Ucrânia neste "mundo", com destaque para a situação dos ucranianos toxicodependentes que estavam em tratamento ou a necessitar dele.
Nas 60 páginas do Relatório Europeu sobre Drogas 2022: Tendências e Evoluções - divulgado na manhã de ontem pelo Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência (EMCDDA na sigla em inglês) -é feito o retrato de cada droga disponível na Europa (idade dos consumidores, preços máximos e médios de venda no mercado, médias de consumo, mortalidade, tratamentos etc.) e são deixados diversos avisos.
É referida, por exemplo, a estimativa de que 83,5 milhões de pessoas -29% dos adultos (entre os 15 e os 64 anos) - na União Europeia tenham consumido pelo menos uma vez uma droga ilícita, sendo que os homens (50,5 milhões) reconheceram mais esse consumo do que as mulheres (30 milhões).
Quanto ao estupefaciente mais escolhido, esse continua a ser a canábis (22 milhões de adultos disseram ter consumido no último ano), seguindo-se os estimulantes.
Na análise às tendências de consumo do último ano, o documento do EMCDDA destaca o facto de o consumo de drogas ter aumentado à medida que foram sendo flexibilizadas as restrições motivadas pela pandemia de covid-19 em todo o mundo, estando já esse consumo a par do registado no período pré-pandémico.
Uma das questões novas apresentadas no relatório diz respeito à alteração nos mercados de tráfico. De acordo com os dados apresentados, a Darknet estará a perder "poder", o que se poderá explicar pela atuação das autoridades, pela existência de burlas associadas ao tráfico e, até, por questões relacionadas com a entrega da droga.
Certo é que as estimativas efetuadas pelas autoridades apontam para que, no final de 2021, as receitas deste "negócio" tivessem caído de um milhão de euros por dia, em 2020, para 30 mil euros/dia.
Segundo a análise apresentada, quem está a "aproveitar" esse declínio são as redes sociais e as aplicações de mensagens instantâneas, que poderão ser "uma fonte de oferta mais segura e conveniente".
O mercado está a funcionar a um ritmo tal que o Observatório chama a atenção para o facto de, semanalmente, estar a surgir uma Nova Substância Psicoativa (NSP) - atualmente existem 880 monitorizadas por esta agência.
Uma novidade referida no documento é que em 2020 a maioria das cantinonas sintéticas (estimulantes derivados da planta Catha edulis) que foram distribuídas na Europa tiveram origem na Índia. Um local de produção novo e que poderá indicar, segundo o Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência, uma adaptação do mercado aos controlos que os países fazem, o que leva a problemas no abastecimento dos mercados.
No comunicado que acompanha o relatório, Alexis Goosdeel, diretor do EMCDDA, chama a atenção para o facto de que "as drogas tradicionais nunca estiveram tão acessíveis e novas substâncias potentes continuam a surgir". Atualmente, "quase tudo o que tem propriedades psicoativas pode ser uma droga, uma vez que as linhas entre substâncias lícitas e ilícitas são difusas".
No documento é chamada a atenção para o facto de os países não estarem a conseguir cumprir as metas de aumento dos serviços de tratamento e redução de danos na Europa para quem consome drogas injetáveis.
Segundo os dados disponibilizados em 2020, apenas a República Checa, a Espanha, o Luxemburgo e a Noruega garantiram ter atingido os objetivos estipulados pela Organização Mundial de Saúde "de serem fornecidas 200 seringas por ano por cada pessoa que consome drogas e de terem 40% da população de consumidores de opiáceos de alto risco em tratamento com agonistas de opiáceos, um fator de proteção contra a overdose de droga".
Há no documento um olhar mais atento a dois países e à sua situação: Afeganistão e Ucrânia. No primeiro, o Observatório chama a atenção para o facto de, apesar da proibição da produção, venda e tráfico de drogas ilícitas no país em vigor desde este ano, continuarem a existir plantações de papoilas.
Uma circunstância problemática e que pode ter implicações até na situação financeira do país, pois às dificuldades sentidas pode surgir como resposta a tentação de traficar cocaína para a Europa, na procura de uma fonte de rendimento.
Ainda neste país, está a ser detetada uma aposta na produção de metanfetaminas, o que poderá ser uma forma de abastecer o mercado europeu atualmente autossuficiente. O que, aliado a apreensões efetuadas em zonas de rotas tradicionais de tráfico de heroína, está a deixar as autoridades em alerta.
No que respeita à Ucrânia, os alertas vão no sentido da necessidade de apoiar os toxicodependentes do país que procurem refúgio na Europa devido à guerra atualmente instalada, ao mesmo tempo que será necessário dar-lhes apoio ao nível dos cuidados de stress psiológico.
cferro@dn.pt