A intervenção do presidente Wilson na redefinição da estrutura política do espaço europeu, abolindo as formas imperiais para adotar o princípio do Estado-nação, e a nova intervenção americana, depois da Segunda Guerra Mundial, orientada para a dissolução do império euromundista, não perturbou o lúcido Raymond Aron quando sublinhou, já em 1973, ocupando-se de Les Etats-Unis dans le Monde (1973), a natureza imperial dos EUA..Com isto não limitava o sentido à "conquista de territórios ou submissão dos povos", forma que não fora excluída no passado, mas valorizava o sentido da expansão da influência que Joseph Chamberlain, em fins do século XIX, defendera como método para limitar a expansão da influência da França e da Alemanha. Antes (1902), J.A. Hobson definira o imperialismo, na sua forma mais evidente, como política de captação e exploração dos mercados. O abade Correia da Serra, um dos fundadores da Academia das Ciências de Lisboa, que o seu amigo Jefferson considerou o mais culto dos homens que conhecera, manifestou a este que previa no futuro os EUA a dominarem o norte do continente e o Brasil o sul..O futuro não se moldou de acordo com a previsão, nem esta foi sequer aflorada no recente encontro dos presidentes de ambos os Estados. Além do facto de os EUA se terem apropriado em exclusivo do nome do continente onde exercem a soberania sobre o mais extenso dos territórios estaduais, também formularam para o sul, em 1823, a doutrina Monroe, segundo a qual se opunha ao regresso ou influência de qualquer soberania europeia ao espaço das suas antigas colónias, princípio a que, já em 1904, o presidente Theodore Roosevelt acrescentou o corolário de os EUA se autorizaram a exercer uma função policial desde o Rio Grande até à Terra do Fogo: um crítico concluiu que a expressão "a América para os americanos" seria reformulada dizendo "as Américas para os Estados Unidos"..Apercebi-me dos efeitos da desconfiança popular contra esta política quando, depois da Segunda Guerra Mundial, no Recife, verifiquei que usavam pejorativamente a palavra "gringos", criada pela cor da farda (green) dos soldados americanos. Agora, a situação anárquica de vários países sul-americanos torna oportuno avaliar em que medida a doutrina Monroe ainda exprime uma parte em vigor do histórico conceito estratégico dos EUA. São vários os motivos: a manutenção da presença em Cuba, com o estabelecimento prisional, que manteve durante a vigência do castrismo, e ali depois continuou com explicações difíceis; a democracia, valor fundamental para os EUA, é vista à deriva no sul do continente, debilitando as esperanças que as estatísticas apoiaram até recentemente, abaladas por um desencanto de estatísticas recentes (2018) que mostram que 79% dos latino-americanos acreditam que os governos defendem os interesses privados dos poderosos. .A crise da Venezuela, o drama das migrações em direção ao território norte-americano, a tomada do poder pelos militares nas Honduras, o Chile enfrentando dias sombrios, a Colômbia a dar sinais do regresso à desordem que tinha ultrapassado, a segurança interna fragilizada, a tendência para a eucracia parecendo acolher o exemplo da revolução bolivariana e da prática de Hugo Chávez - estão longe os dias em que o presidente Óscar Arias, da Costa Rica, recebeu o Prémio Nobel da Paz. Não é de estranhar que a firme tradição americana seja hostil a esta evolução, levantando por isso a questão dos observadores sobre se a doutrina Monroe está morta..Não é fácil prognosticar sobre a resposta futura dos EUA, se alguma, mas é impossível não incluir na circunstância com que se defronta o seu histórico conceito estratégico nacional o facto de, no plano da competição de influência, o seu adversário, cuja política vai sendo fortalecida por resultados, ser a China, que também não desiste de Taiwan, de Hong Kong, do mar territorial, e assume que existe uma competição sino-americana, que pesará na evolução da ordem internacional. .Talvez não seja excessivo ponderar que a competição do domínio pelo uso da "influência" é contrariada pela resistência da política dos chamados "turbilhões" de agrupamentos regionais, e tudo com enfraquecimento da utopia da ONU sobre a responsabilidade primeira pelo modelo da "ONU da paz", o que finalmente tem evidência na crescente exigência de reformular a ordem mundial. O que tem como primeira exigência a adesão generalizada ao multilateralismo curado das várias políticas por onde passam as leviandades numerosas que só por milagre ainda não causaram os desastres com que cada uma ameaça. É trabalhoso, mas urgente.