Recessão alemã vai doer mais a norte de Portugal e no setor automóvel

Alemanha compra por ano dez mil milhões de euros em bens e serviços produzidos em Portugal e é um dos investidores de referência. A história recente mostra que Portugal dificilmente se livra de um embate direto e indireto de uma recessão naquele país.
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A economia portuguesa está altamente sincronizada com a alemã. Sempre que há uma recessão na Alemanha, cenário que agora é cada vez mais provável, as ondas de impacto acabam por se sentir diretamente, mais tarde ou mais cedo, por causa dos grandes investimentos que os alemães têm na economia nacional e por via das exportações.

A Alemanha é o terceiro maior cliente dos bens e serviços vendidos por Portugal ao exterior. O mercado germânico representa uma faturação de quase dez mil milhões de euros anuais.

De acordo com dados da AICEP, na lista das dez maiores exportadoras para a Alemanha estão quatro importantes fábricas localizadas na região norte (Bosch, Continental, Gabor e Preh). Seis dessas dez empresas espalhadas pelo país são do setor automóvel ou atuam como fornecedores de componentes para automóveis, incluindo pneus (ver ficha com as dez maiores exportadoras).

Na semana passada, o Eurostat e o gabinete de estatísticas da Alemanha (Destatis) vieram confirmar o que há muito já se temia. A Alemanha, a maior economia da zona euro, está a meio caminho de uma recessão e efetivamente estagnada.

Ontem, o banco central alemão (Bundesbank) foi mais longe. É altamente provável que a recessão se concretize (dois trimestres consecutivos de contração trimestral do produto interno bruto - PIB) já no terceiro trimestre deste ano.

Jens Weidmann, o presidente do Bundesbank, explicou que "até agora, as fraquezas da economia estiveram concentradas na indústria e nas exportações". "As disputas comerciais internacionais e o Brexit são razões importantes" para explicar este novo cenário: a Alemanha está a confrontar-se com "um declínio acentuado" das suas exportações e os empresários devem estar já a retrair-se no investimento (novas máquinas e equipamentos), observaram os economistas do banco central.

Com tudo isto em cima da mesa, o Bundesbank considera que o perigo de recessão é cada vez mais real e, em conformidade, cortou a previsão de crescimento deste ano para 0,3% (em julho, a Comissão tinha estimado 0,5%).

O governo de Angela Merkel já começou a falar num eventual plano de estímulos de grandes dimensões para evitar o afundanço de uma das maiores potências do mundo. Citado pela Bloomberg, o seu ministro das Finanças, Olaf Scholz, recordou que "a última crise custou-nos 50 mil milhões de euros, segundo as minhas estimativas".

Recorde-se que a Alemanha, cujas contas públicas estão mais do que equilibradas (saldo orçamental excedentário de 1% e um rácio de dívida de apenas 58% do PIB, abaixo do limite do Pacto de Estabilidade e Crescimento), é um dos países do euro com maior margem de atuação orçamental para fazer frente a uma crise. Os mercados reagiram com alguma satisfação. As taxas de juros subiram, as bolsas europeias também. Até o petróleo valorizou.

Simona Gambarini, da Capital Economics, põe água na fervura. A economista acredita que possa haver algum impulso público para deter uma eventual crise, mas nada como 50 mil milhões. "Duvido que haja muito apetite entre os decisores políticos alemães para enveredar por um grande impulso orçamental." Para mais, lembra a analista, o BCE continua ativo e com vontade de continuar a ajudar a economia com juros muito baixos, perto de zero ou mesmo negativos, pelo que a dívida vai continuar a ser muito barata.

Portugal muito exposto

Com ou sem grandes planos de combate à recessão na Alemanha, o certo é que a história recente mostra que Portugal dificilmente se livra de um embate direto e indireto de uma estagnação ou recessão naquele país. A zona euro muito menos.

Dados da AICEP compilados a partir de informação do Banco de Portugal mostram que a Alemanha continua a ser o terceiro maior cliente das vendas portuguesas (a seguir a Espanha e França), absorvendo 11% das exportações lusas.

É também um investidor direto de alto perfil, com uma forte presença em tecnologias avançadas, sobretudo no cluster automóvel.

Mas não só. No ano passado, mais de 21% das compras alemãs a Portugal (quase 1400 milhões de euros) foram em automóveis e outros veículos de transporte. E o aumento foi impressionante, quase 18% face a 2017. É o segundo maior mercado português na Alemanha. A liderar estão os quase dois mil milhões de euros vendidos em máquinas e equipamentos (30% do total de mercadorias exportadas).

E nos serviços? Aqui o principal impacto pode acontecer no turismo e nas viagens. Em 2018, Portugal faturou 1900 milhões de euros com o mercado alemão. O aumento foi de 10%.

Uma crise ou um impasse prolongado na maior economia da moeda única vai ter um impacto negativo nestes valores, como sempre teve no passado.

Nos fluxos de investimento também. Sempre que a Alemanha entra em dificuldades, há uma forte retração no saldo líquido do investimento direto estrangeiro alemão em Portugal. Quando a situação desanuvia, esse saldo melhora, mostram dados oficiais (Banco de Portugal) dos últimos 11 anos.

As dez maiores empresas exportadoras de Portugal para a Alemanha

Bosch Car Multimedia
A fábrica da Bosch em Braga é das maiores exportadoras da marca alemã para a Alemanha. Produz sensores e multimédia para carros. Exporta 95% do total. O grupo tem 4800 trabalhadores em Portugal.

Continental Mabor
Fábrica de pneus em Lousado, Famalicão. Emprega 2100 pessoas e anunciou recentemente uma expansão de 100 milhões de euros.

Gabor Portugal
Marca alemã de calçado, opera em Barcelos e emprega 1400 pessoas.

Preh Portugal
Localizada na Trofa, esta empresa também de origem alemã, fabrica equipamentos eletrónicos para automóveis, como painéis de bordo. Emprega 600 pessoas.

Grohe Portugal
Sediada em Albergaria-a-Velha, é mais uma marca alemã que vende muito para a Alemanha. Fabrica torneiras, chuveiros e cerâmicas de casa-de-banho. Tem 900 trabalhadores.

Repsol Polímeros
Opera no complexo petroquímico de Sines e fabrica plásticos. Dá emprego direto a 450 pessoas e indireto a mais de 500.

Schaeffler Portugal
De origem alemã, este grupo tem uma fábrica de rolamentos e engrenagens para carros nas Caldas da Rainha e emprega 500 trabalhadores.

Navigator Company
Sedeada em Setúbal, o grupo fabrica e comercializa papel. Tem 2278 trabalhadores.

VW Autoeuropa
É das maiores exportadoras do país e tem na Alemanha um dos seus maiores mercados. A fábrica da Volkswagen está em Palmela e empresa 3000 pessoas.

Fonte: AICEP

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