Reabilitação de príncipe saudita na Europa salpicada por queixa na justiça francesa

A crise energética desencadeada pela guerra na Ucrânia apressou o fim do período de isolamento de Mohammed bin Salman, como se viu na viagem que terminará em Argel, depois de ser recebido em Atenas e Paris.
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Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro saudita conhecido por MBS, completou nova etapa para pôr fim à travessia no deserto, ao ser recebido em Atenas e Paris. A viagem à capital francesa, onde foi convidado por Emmanuel Macron para um "jantar de trabalho" no Palácio do Eliseu, ficou marcada, porém, pela queixa apresentada na justiça francesa por três associações de direitos humanos. Estas acusam o saudita de cumplicidade na tortura e desaparecimento forçado do ativista Jamal Khashoggi, em outubro de 2018.

"As autoridades francesas deveriam abrir de imediato uma investigação criminal contra Bin Salman", sugeriu a diretora executiva da associação Democracy for the Arab World Now (DAWN), Sarah Leah Whitson. "Como parte da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e os Desaparecimentos Forçados, a França é obrigada a investigar um suspeito como Bin Salman se ele estiver presente em território francês", acrescentou a dirigente da associação fundada por Khashoggi. Quer a DAWN quer a Trial International, quer ainda a Open Society lembram que MBS não tem imunidade "porque não é chefe de Estado" .

As associações lembram que a justiça francesa reconhece o princípio da justiça universal, embora este tenha sido posto em causa em novembro, quando em novembro passado o tribunal da relação não reconheceu competência para julgar um sírio por crimes de guerra.

O príncipe Salman, que pernoitou na véspera num castelo seu, construído há uma dezena de anos por um primo de Khashoggi em terrenos que pertenceram ao palácio de Versalhes, é "um parceiro", contrapõe a primeira-ministra Élisabeth Borne. "Temos problemas geopolíticos e penso que é importante ter estes contactos sem renunciar aos nossos valores em matéria de respeito dos direitos humanos", continuou.

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Ou seja, e como comentava o jornalista do Le Figaro Georges Malbrunot aos microfones da Franceinfo, "se a diplomacia for fundada apenas em valores fala-se com três pessoas". Nesse aspeto o presidente Macron manteve-se coerente: justificou as suas iniciativas de diálogo com Vladimir Putin como necessárias, tal como com outros autocratas e ditadores.

O presidente francês já tinha rompido a ostracização ocidental ao homem responsável pela ordem de execução de Khashoggi, segundo as conclusões da CIA: visitara MBS em dezembro, em Jidá, no que foi secundado pelo grego Kyriakos Mitsotakis e pelo britânico Boris Johnson.

Agora, mais do que nunca, com a crise energética, Macron levou para a mesa a questão do preço do petróleo, tentando persuadir o saudita a usar os seus poderes, algo que o norte-americano Joe Biden terá feito sem sucesso. Na paragem em Atenas, MBS discutiu com Mitsotakis a hipótese de uma ligação elétrica da Arábia Saudita para a UE via Grécia, um projeto de hidrogénio, e um cabo submarino no Mediterrâneo, envolvendo Chipre.

Na ementa do jantar de Macron com Salman e respetivos ministros esteve também o Líbano, país mergulhado em crise profunda e que está no topo das prioridades de Paris e Riade. E os direitos humanos? "Falará sobre isso de uma forma geral, mas também aproveitará a oportunidade para abordar casos individuais", anteviu um assessor de Macron, citado pela AFP.

cesar.avo@dn.pt

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