A festa da seleção nacional de andebol, na sequência da vitória com a França (29-28) que valeu o inédito apuramento para os Jogos Olímpicos de Tóquio, durou até altas horas da madrugada no hotel de Montpellier onde o grupo estava hospedado. Sempre com o malogrado Alfredo Quintana no pensamento. A revelação foi feita ao DN por Miguel Laranjeiro, presidente da Federação de Andebol de Portugal, que, final da manhã de ontem, admitiu que ainda não tinha conseguido recuperar totalmente das fortes emoções. "Não se recupera facilmente de um acontecimento ímpar como este [risos]. É um momento histórico para o andebol e para o desporto português. O que este grupo de atletas conseguiu foi algo impressionante, atendendo ao contexto", começa por referir.."Só um grupo muito profissional e focado conseguiria ultrapassar a morte de um colega tão querido como o Alfredo Quintana. Isto para não falar dos tempos terríveis de pandemia que temos vivido e do que nos aconteceu no jogo com a Croácia. Todos os indicadores pareciam sugerir que esta qualificação para os Jogos Olímpicos não seria uma realidade, mas os atletas superaram-se e deram uma grande alegria aos portugueses", acrescenta. Portugal queixou-se fortemente da arbitragem do jogo de sábado frente à Croácia e que terminou com derrota portuguesa por 24-25, depois de ter estado a vencer por seis golos..Miguel Laranjeiro descreve um pouco o ambiente que se seguiu à épica vitória com a França, que significou a primeira qualificação de uma modalidade coletiva de pavilhão para os Jogos Olímpicos. "Claro que a festa começou no exato segundo em que ecoou a buzina a dar conta do final do jogo. Seguiu-se uma celebração efusiva no autocarro, que se prolongou até altas horas da madrugada no hotel. E não poderia deixar de ser um ambiente muito festivo, pois estamos a falar de atletas cujo grande objetivo de carreira era um dia chegar ao maior acontecimento desportivo mundial. Houve muita alegria e abraços em parar", conta..Este responsável garante que não se assustou quando a França ainda introduziu a bola na baliza portuguesa, o que poderia ter significado o 25-25 final, logo a seguir a Rui Silva ter dado vantagem aos portugueses, a dois segundos do fim. "Houve logo uma reação de festa de todos os nossos jogadores, pois foi percetível que a buzina já tinha ecoado quando a bola entrou", diz. Nesses primeiros momentos de grande alegria, o pensamento de todos dirigiu-se Quintana. "Ele não estava fisicamente naquele pavilhão, mas na verdade esteve sempre connosco. Não sei dizer se houve uma força transcendental que ajudou a nossa equipa, mas sei que só com muita força mental e foco é que era possível alcançar uma vitória destas, na sequência daquele momento tão dramático ocorrido há algumas semanas. Esta vitória é para ele", diz..Miguel Laranjeiro aproveitou para recordar a convivência que teve com o antigo guarda-redes, que faleceu a 26 de fevereiro, ao não conseguir recuperar da paragem cardiorrespiratória sofrida durante um treino do FC Porto. "Era uma pessoa muito alegre e transmitia essa alegria a todas as pessoas. Tinha uma grande amizade pelos colegas, sentimento que era recíproco. Mas o grande amor da sua vida era a sua filha bebé", sublinha. O presidente da Federação de Andebol de Portugal recorda ainda Quintana como "um profissional a 200%, para além de um grande guarda-redes, reconhecido por todos"..O torneio de andebol dos Jogos de Tóquio realizam-se entre 24 de julho e 8 de agosto no Yoyogi National Stadium, arena com capacidade para 13 mil espectadores. Ainda haverá um sorteio para encontrar os dois grupos de seis equipas, mas já se sabe que a nossa seleção partilha o pote 3 com a Alemanha. Ou seja, os alemães não vão estar no caminho de Portugal na fase de grupos..A campeã olímpica e mundial Dinamarca e a Noruega fazem parte do pote 1 e no pote 2 estão França e a Suécia. No pote 4 figuram Brasil e Japão, no 5 a Espanha e o Egito e no 6 Argentina e Bahrein. A fase de grupos termina a 1 de agosto, seguindo-se a fase a eliminar a até à final..Miguel Laranjeiro assume que a seleção nacional não ficará feliz apenas por participar e vai querer deixar a sua marca. "Este grupo de jogadores tem uma grande ambição e alto grau de exigência, sempre com grande respeito pelos adversários. Em Tóquio, o céu será o limite", confessa..Entretanto, ontem à tarde, à chegada a Portugal, Rui Silva, autor do golo da vitória, dedicou o apuramento para os Jogos Olímpicos ao seu antigo colega na seleção e no FC Porto. "De certeza que o Quintana viu o golo, celebrou e dançou, como gostava de fazer. Ele vai estar sempre connosco até ao fim das nossas vidas", realçou. O capitão da seleção assume grande ambição para Tóquio: "Temos feito história e vamos lá à procura de mais um sonho, quem sabe as medalhas.".Miguel Laranjeiro é presidente da federação desde 2016 e em junho de 2020 foi reeleito para novo mandato de quatro anos. Na altura, foi divulgado um documento com os grandes objetivos até 2028. "As grandes metas eram a presença nas fases finais dos Mundiais, dos Europeus e até dos Jogos Olímpicos. Curiosamente, só tínhamos previsto a qualificação para os Jogos Olímpicos de 2024, mas felizmente conseguimo-lo mais cedo. Temos cumprido os objetivos de estar presentes nas fases finais das grandes competições, afinal estivemos no Campeonato da Europa de 2020, no Campeonato do Mundo de 2021 e estamos praticamente apurados para o Europeu de 2022.".O principal responsável federativo deseja estender o sucesso ao setor feminino e mostra grande preocupação com o estado atual da formação. "Queremos que também no setor feminino comece a haver uma regular presença nas fases finais das grandes provas. Outro grande desejo que temos para este mandato que termina em 2024 é alargar a base de recrutamento, permitindo o acesso à modalidade a cada vez mais jovens. Mas, obviamente, a pandemia tem sido um enorme adversário", sublinha. Por isso, refere que a federação "tem trabalhado em conjunto com as associações regionais e os clubes, de modo a estudar formas para combater este difícil contexto" da paragem dos escalões de formação.."Tem sido um ano terrível para o desporto, e se as coisas já estavam mal, pois somos dos países da Europa com menos atividade desportiva, pior ficaram com a pandemia", defende Miguel Laranjeiro, que sublinha "a necessidade de uma nova cultura desportiva, ou melhor, o surgimento de uma cultura desportiva"..dnot@dn.pt