Nasceu em Luanda, em 1971. Foi onde viveu a infância com a família. Depois veio para Portugal, entrou na Faculdade de Direito, mas o que queria mesmo era seguir Filosofia. E conseguiu, anos depois. Era estudante quando começou a frequentar o Bairro Alto, onde começou a cantar o seu fado..Em 1991 grava o primeiro disco. Começa a pisar palcos importantes, nacionais e internacionais. Era o fadista irreverente, embora diga que nunca quis ser diferente, apenas "era eu. Todos nós somos únicos, a unicidade faz parte do nosso ADN"..Nunca correu pela fama, confessa, muito menos pelo dinheiro, mas um dia viu-se sem nada. Sentiu-se magoado com o mundo da música. Partiu em direção a Londres, onde esteve durante alguns meses, viveu nas ruas, foi sem-abrigo e partiu para a Irlanda, onde viveu a mesma situação, mas por lá ficou uma década..Foi na Irlanda que se isolou, que se encontrou e se reergueu. "Gosto daquele país e volto lá a cada três, quatro meses", assume. Esteve sete anos sem vir a Portugal e quando voltou começou a trabalhar num novo disco - Exílio. Ainda continua, diz que já poderia tornar-se "em três discos"..Regressou há 18 meses a Portugal. Foi convidado a fazer um concerto no CCB, a data é especial, mas só depois saberá se foi um acaso feliz. Mas para ele marca um regresso, o dizer ao público que está cá e a trabalhar. E, na sala onde um dia se sentiu acolhido, vai tentar mostrar durante mais de uma hora "a pessoa que sou". Sem distrações..Regressou a Portugal quase há dois anos, já participou em vários espetáculos, mas agora volta ao CCB, no mesmo dia em que pisou aquele palco pela primeira vez há 22 anos. O que sente perante isto? Olhe, foi um acaso. Não sei como aconteceu, porque ninguém da equipa de há 22 anos está lá, e quando me deram a data, há uns 18 meses, ninguém calculava que era o mesmo dia. Só eu suspeitei porque tinha a ideia de que tinha sido por volta dos dias 20 e tais, ao chegar a casa fui procurar nas minhas coisas, no sótão, que já não via há muito tempo, e dei com um flyer intacto, novinho, com a data de 25 de outubro, só falta o ano, mas era 1997. Isso sei, porque não houve outro concerto..É um acaso feliz? Foi um acaso, se é feliz ou não, vamos ver..Para onde é que esta data o transporta depois de ter saído de Portugal "profundamente magoado" com o meio musical, como disse numa entrevista? Enfim, profundamente magoado... não estava..Ou já não está? É uma questão complicada. Esta área não é fácil - aliás, nenhuma é, mas falo pela experiência que tenho. Tentei sempre fazer coisas sem pensar se era bem ou mal, não avalio o que faço, nunca quis ser diferente. Parto do princípio de que as pessoas são diferentes naturalmente. Somos únicos, a unicidade é a nossa chave. O nosso ADN é todo diferente..Mas o que significa? Para já, uma grande coincidência. Se é um presságio bom ou não, não sei, logo se verá. Mas tem um significado especial. Voltar àquela sala exatamente 22 anos depois de tudo o que se passou e o que passei é muito especial, é um grande gosto. A idade, o tempo ao qual não conseguimos fugir, não nos traz mais sabedoria, traz-nos maturidade. É o revisitar tudo..Há Fado no Cais, que é o mote para o espetáculo, representa o regresso de Paulo Bragança aos grandes palcos? Representa. Tenho pensado nisso desde que cheguei da Irlanda como o fim de um ciclo e o início de outro. Cheguei há pouco mais de 18 meses, já andei por vários palcos, fui ao estrangeiro e voltei. Mas este concerto é uma forma de dizer que estou aqui e que estou a trabalhar. Tentei esquecer-me de tudo quando sai de Portugal, mas não pude fugir disto..Quando saiu foi para não voltar mais? Quando saí, não tinha ideia nenhuma do que ia acontecer, mas não queria voltar a nada. Queria esquecer o meu nome, mas nunca esqueci. Por onde andei nunca disse a ninguém o que tinha o feito, mas um belo dia, e no único trabalho que tive das nove às cinco, como se diz na Irlanda, há alguém com quem trabalho que me convida para fazer um filme. Disse para mim, queria fugir deste mundo, mas isto vem ter comigo. Não fiz nada para voltar, não fui a lado nenhum, não fiz castings, mas a partir daqui a minha vida começou a mudar..Foram 12 anos fora, viveu em Londres, na Irlanda, na Roménia e contou que foi sem-abrigo, portanto este regresso é mesmo o fim de um ciclo... É, e o começo de outro. Até agora, estes 18 meses foram para as pessoas saberem que estou cá. O concerto encerra este ciclo, depois é acabar o disco que já iniciei há seis anos, com o Carlos Maria Trindade como produtor e eu como coprodutor. Esta será a segunda parte desta minha segunda volta, se assim se pode dizer..Vamos então falar do espetáculo. Como é que vai ser? Vai ser bastante austero. Não vai haver distrações. Será muito a música pela música. Só eu, a sintonia entre mim e os músicos e o público. A minha grande vitória será conseguir pôr as pessoas todas na mesma vibração. Isso é a minha grande vitória. Não é a fama, não é a exposição, muito menos o dinheiro. Não é por isso que corro..E o que vai levar no reportório? Vai ser um reportório revisitado, tudo o que fiz, mas obviamente com novidades. Não será propriamente um concerto como a que hoje estamos habituados, em que há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Não. Lembro-me de concertos que vi, poderia falar de Edith Piaf, de Jacques Brell, de Areta Franklin, de Nina Simone, que se sentava ao piano e cantava, ou de Amália, que tinha dois ou três guitarristas e corria mundo. É dessa pobreza franciscana, digamos assim, ou dessa austeridade, que parto para o meu concerto. Não vai haver distrações de maior, quero estar o mais possível conectado com o público, porque hoje vivemos muito uma época em que as pessoas estão não estando. O tempo do mundo é uma coisa e o tempo do homem é outro. Esta é uma questão que nos afasta cada vez mais, em vez de nos juntar..Isso são preocupações suas em relação à vida em geral? É isso que vai traduzir neste concerto? Sim. O concerto, de alguma forma, traduz o mundo líquido, sem forma, sem valores, em que não sabemos o que está certo ou errado, que se vive hoje. Esta é a ideia de que parte o concerto..É Paulo Bragança à procura da essência? É exatamente isso. Não quero nada que possa conspurcar aquele momento, não encontro outra palavra mais adequada. Estou farto de coisas sujas, parecem limpas mas não estão. Temos demasiada informação e nunca tivemos tão pouco, porque se perdeu a essência das coisas..O espetáculo é um regresso às origens? É um regresso às origens, um regresso ao pecado original, se assim se pode dizer. O regresso ao princípio do princípio. É preciso que as pessoas deixem de ver concertos no telemóvel e nos tablets, porque assim não estão ali. Não consigo ir a um concerto ou a uma peça de teatro e tirar uma foto sequer, porque acho que os que o fazem são ladrões de alma. Anda tudo a roubar almas por aí....Que pessoas vai ter no palco? Vou estar eu, cinco músicos, a guitarra portuguesa, a clássica, a viola de fado, o contrabaixo e a guitarra elétrica. Haverá também nove adufeiras, que participam num tema céltico que gravei inspirado na Irlanda, daquele tema fiz outro, fazendo a ponte com Portugal, que também é uma nação celta, pelo menos na parte norte..Disse numa entrevista que nunca pensou entrar num palco de fato e gravata, como é que vai entrar na sexta-feira? Não sei. Acredite que não sei. Há várias hipóteses. Levo sempre várias coisas. Tudo o que tenho acaba por ir e depois faço misturas com a pessoa que está comigo no guarda-roupa e na make up. Tenho uma ideia, um esboço, mas não sei mesmo o que vai ser. Uma coisa lhe digo, não vou de fato e gravata, nada tenho contra este dress code, mas no palco permito-me fazer aquilo que sinto, não o que me apetece. O apetecer é um capricho e isto não é nenhum capricho. É algo que sinto..E o cantar descalço... Nunca pensei que o cantar descalço desse tanto que falar. Foi uma coisa pura, de que me lembrei, tentei e senti-me bem, mas não sabia porquê, e massacravam-me. Queriam saber se era um golpe de marketing, se era para chamar a atenção. Não, não era. O que faço é muito natural, tento sempre ser instantâneo..O que passou nestes 12 anos, que diz ter sido uma viagem, influenciou a sua forma de cantar, de compor, de escrever? Mudou..É um outro Paulo Bragança? A essência é a mesma, mas mais nua, mais crua... até a saudade levei ao ponto do masoquismo. Estar fora, saber o que se está a sentir e ainda sentir mais saudade... é masoquismo. A saudade nunca se basta. É uma cabra masoquista, quanto mais se tem, mais queremos ter. É uma coisa estranhíssima, mas que dá mesmo vontade de ter, de abraçar e de venerar. Foi o que fiz..De certa forma isso é uma provocação, é o que transpõe para a sua música? Sim. É também uma provocação filosófica. Ponha um gato e uma criança e atire um novelo de lã. O gato age por instinto - vê o novelo a rebolar e para. A criança não, vê, mexe, mas vai querer saber de onde veio e vai questionar-se. O que estou a dizer é que não podemos ser tão indiferentes às coisas. A minha ideia é de que há uma democratização da imbecilidade. Tudo acha, tudo acha que sim ou que não. As pessoas partem do princípio de que o que dizem é certo. É eu, eu, eu, e isso reflete-se na política e em tudo à nossa volta..O que está a dizer é que o concerto é um alerta para essas preocupações? De alguma forma traduz tudo isto. É o que me preocupa. Faço parte do mundo e da sociedade, não quero ser um bicho, estar sem falar com ninguém, mas, acredite, às vezes prefiro mesmo não falar com ninguém, não me adianta... Os meus próprios fãs dizem que não ligo às redes sociais, pois não. Ligo q.b. Se tenho alguma coisa para dizer ou para anunciar obviamente que uso as redes sociais, mas não contem comigo para dizer onde estou e o que faço a todo o momento. Hoje, parece que estar triste não é possível, quando a tristeza faz parte integrante do homem, parece que andamos sempre em busca de uma felicidade que não existe. Há algumas coisas que tenho escritas sobre tudo isto, já me disseram que poderia editar, mas tenho algum receio..Porquê? Talvez sejam demasiado fortes e não sei se valerá a pena..Depois do concerto no CBB que projetos tem para o futuro? Vai editar? Sim. Como disse, estou a trabalhar num disco que já tem nome, Exílio. Comecei a trabalhar nele quando voltei a primeira vez a Portugal. Depois de sair, estive uns sete anos sem vir cá e desde aí tem vindo a maturar. Algumas coisas estão quase acabadas, outras a caminho de estar acabadas e outras ainda vão ser iniciadas. É um disco que poderia tornar-se em três, mas começo a pensar até que ponto vale a pena gravar discos..Porquê essa questão agora? Já ninguém compra discos ou CD. Toda a gente vai aqui e ali buscar o que quer. Vale muito mais fazer uma canção e viver dessa canção a vida inteira. Tive esta conversa com David Byrne quando fui a casa dele, nos anos de 1990. Ele já antevia esta situação... será que vale a pena editar?.Quando fala em discos pensa em vinil? Sim. É claro que tudo isto são conjeturas, não depende só de mim, mas estou a pensar em vinil, fazer uma edição extremamente limitada, quiçá com apenas 200 a 300 cópias. Uma edição limitadíssima, ponto parágrafo...