Quem tem medo das mulheres na PJ?

A integração de cada vez mais mulheres nos quadros da PJ está a ser difícil, com os sindicatos a queixarem-se de problemas operacionais causados pelas faltas que dão para apoio à família. Ora aqui há um problema grave de desigualdade... que começa em casa.
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Quem tem medo das mulheres na Polícia Judiciária? Aparentemente, e de acordo com as notícias do DN, serão mais os polícias do que os ladrões - para usar uma linguagem cinematográfica, que, por um lado, toda a gente entende e, por outro, terá muito que ver com o fascínio que este órgão de polícia criminal exerce sobre as mulheres.

As mulheres que chegam agora aos concursos da PJ provavelmente passaram as suas juventudes a ver filmes e séries policiais em que as heroínas eram femininas, dos Anjos de Charlie aos X Files, do NCIS ao Inspetor Max. Acontece que essas eram mulheres fortes e sem amarras - suavizadas pela ficção e pela história as contradições que existem entre ser polícia e ser mulher. Muito diferentes, aliás, da realidade com que devem confrontar-se quando ingressam na corporação.

Pelo menos é isso que conta o texto da jornalista Valentina Marcelino: as dificuldades de integração na Polícia Judiciária e a inquietação que esta tão grande quantidade de mulheres está a provocar na instituição. Lê-se o título - "Aumento do número de mulheres polícias inquieta inspetores da PJ" - e parece uma frase anacrónica, ou imbuída de um espírito que já não se usa. E é. Acontece que a opinião dos vários responsáveis daquela polícia não vem motivada por nenhuma característica intrínseca das mulheres, nem da fragilidade das suas compleições, nem de uma eventual menor perícia, digamos, no uso das armas.

Na verdade, segundo uma inspetora ouvida na reportagem, trata-se de uma questão de "disponibilidade". As mulheres faltam mais e recolhem para postos mais calmos quando são mães - o que complica a investigação criminal e as escalas de serviço. Sendo que as mulheres são a maior parte dos inspetores mais novos (com cinco a nove anos de serviço), isso, aparentemente, agrava ainda mais a situação, levando, então, à tal "inquietação". Que é, repito, sobretudo, operacional.

Justa ou injusta, essa avaliação da prática das coisas está encerrada no quotidiano daquela polícia - e pouco podemos bitaitar nesse sentido, não conhecendo nada do que se passa lá dentro. O que será preciso em termos de horários, rotinas e práticas para acolher uma sociedade mais moderna, onde as mulheres não conhecem barreiras no futuro que pretendem - essa será também decisão da direção da PJ, que nesta reportagem não tece comentários. O que a lei dita no que à igualdade diz respeito todos conhecemos e é bem claro.

Mas o que esta inquietação e as suas causas revelam é bem mais grave. É uma subterrânea vitimização destas mulheres. Uma dupla vitimização, dir-se-ia. Porque a discriminação de que estas mulheres são alvo não começa nos corredores da polícia nem sequer nas rusgas que não podem fazer enquanto estão grávidas, prejudicando, momentaneamente, as operações. É uma desigualdade mais profunda. E que se conta em números. Nestes números: as faltas de assistência à família e de parentalidade, nos homens, são uma média de 1,5 dias, nas mulheres são 13 dias.

A maior discriminação da mulheres da PJ não é na rua nem na instituição. É em casa - nas tarefas que ainda têm de ser elas a fazer, e nas quais não são substituídas. E aí, aparentemente, não há escalas de serviço. E isso é um sintoma de como ainda há tanto por fazer para igualar as mulheres.

Ou, como diz Capicua, por coincidência também nesta edição: "Às mulheres exige-se não só que sejam boas como ótimas profissionais, como ainda que sejam decorativas e não façam grandes alaridos, que sejam excelentes mães, boas donas de casa e ainda tenham tempo para ir ao ginásio e tirar o buço com laser. Portanto, sendo assim, eu vou continuar a falar disto."

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