Quem são os antimáscaras? Em Portugal, são poucos

Quem é que se manifesta nas ruas contra o uso da máscara? Pessoas com as mais variadas convicções, lideradas por conspiracionistas, antivacinas e de extrema-direita. Na Europa, as ruas de várias capitais europeias agitaram-se neste fim de semana. Em Portugal, também houve convocatórias, mas poucos se manifestaram.
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"É uma mistura curiosa. Acabei de ver desde alguns Hare Krishnas a tentarem vender os seus livros a gente que erguia a bandeira do Reich alemão. Acho que é uma junção muito interessante", comentou às televisões Peter Kowelke, um turista que observava a manifestação em Berlim, neste sábado, contra o uso das máscaras e as medidas sanitárias para combater a covid-19.

"Interessante" poderá ser um adjetivo apropriado, uma vez que mesmo os estudiosos têm dificuldade em perceber se este é um grupo homogéneo ou se encerra vários perfis, tanto do ponto vista sociológico como psicológico.

Os protestos em Berlim juntaram 18 mil pessoas, segundo as estimativas oficiais, e terão sido os de maior expressão. Mas houve também manifestações em outras cidades da Alemanha e no Reino Unido, França, Suíça e Espanha, EUA e Canadá. Alguns destes países obrigam ao uso da máscara em espaços abertos e quem convoca as ações de protesto ergue a bandeira da liberdade.

Os protestos em Berlim foram batizados de "Festa da liberdade e da paz", traduzida em balões e cartazes onde se podia ler "Reset Democracy, Friedlich" (reiniciar a democracia, pacífico). Em Paris, centenas acenaram com as máscaras e alguém destacava a frase: "J'écris ton nom: Liberté!" (escrevo o teu nome: liberdade). Entre alguns milhares em Londres, um manifestante pedia: "Save our rights" (salvem os nossos direitos). Muitos deles classificando as restrições derivadas do combate à epidemia como "ditadura sanitária".

Mas também há quem revele ser defensor das teorias da conspiração - "A covid mente", "As máscaras reduzem a imunidade", "O sistema controla através do medo, "Parem de nos fazer acreditar que as pessoas positivas são doentes" - e contra as vacinas - "Não à vacinação obrigatória". Há motivações económicas - "Não bloqueiam as nossas crianças", assinado pelo Fórum Mundial Económico" - e politicas, com os partidos extremistas, particularmente da ala direita (AD, Alternativa Democrática, na Alemanha), a associarem-se claramente aos protestos.

Em Portugal, o grupo do Facebook Verdade Inconveniente convocou duas manifestações para o último sábado, uma em Lisboa (Rossio) e outra no Porto (Aliados), com o lema: "Vamos Desmascarar Portugal, pela Liberdade, pela Verdade." Compareceram poucos, facto que foi criticado posteriormente no grupo. Um vídeo mostra o número reduzido de participantes em Lisboa e não há registos dos protestos no Porto.

Também a nível nacional, ambos os movimentos estão a ser associados à extrema-direita. Entre os comentários no Facebook, há quem lamente: "Estive, mas receio dar voz a quem elogia a ditadura nacional anterior à conquista das eleições", seguindo-se a resposta do administrador da página : "Não foi boa ideia abrir o microfone a qualquer um."

Nas redes sociais dos coletivos de esquerda, as mensagens sobre esta questão são de adesão às restrições impostas pela pandemia.

Um artigo da BBC, da correspondente em Paris Daniela Fernandes, titulava: "Grupos antimáscaras provocam agressões na Europa e unem extremas esquerda e direita."

Cita Rudy Reichstadt, fundador do Observatório da Conspiração, em França, que refere que "o movimento antimáscara nasceu na esteira do movimento anticonfinamento e é obra de quem desconfia das autoridades em geral".

Protestos sem rosto

Entre os que estão contra o uso da máscara em França, contam-se os defensores do infeciologista francês Didier Raoult, apoiante das teorias da conspiração. Num dos seus estudos, defende que a hidroxicloroquina é eficaz no tratamento da covid-19. O uso da máscara é obrigatório nas ruas do país e, a partir de terça-feira, também no trabalho e nas escolas.

"Uma investigação do Instituto Jean-Jaurès sobre o perfil dos 'fãs' de Raoult revelou que 20% votaram, na última eleição presidencial, em 2017, em François Fillon, candidato mais radical da direita tradicional [partido que governou o país diversas vezes], 18% votara em Jean-Luc Mélénchon, da França Insubmissa, o mais votado da extrema-esquerda, e 17% optaram por Marine Le Pen, da extrema-direita", escreve a jornalista.

O psicólogo clínico Joshua Klapow, em declarações ao Today, tem uma explicação para o que está acontecer, embora se mostre surpreendido com as reações violentas de quem se recusa a usar uma máscara.

É professor associado de saúde pública na Universidade do Alabama, em Birmingham (EUA), e compara a recusa a uma relação pai-filho. "Imediatamente, temos a sensação de que a nossa autonomia ou a nossa liberdade estão a ser retiradas."

Acreditar que os outros possam decidir por nós é visto como um claro sinal de desvalorização e desrespeito. E, "quando se trata de uma regra que é diferente de um lugar para o outro - como é o caso do uso de máscaras -, isso cria outra fonte de frustração, observa Klapow.

Outra constatação é que os protestos contra as restrições dos governos e das autoridades de saúde de combate ao SARS-Cov-2 não têm, em geral, um rosto. Desconhecem-se os administradores das redes sociais que promovem tais manifestações, com exceções.

Em França, um rosto do movimento coletes amarelos, Maxime Nicolle, é bastante ativo nas redes sociais contra a utilização de equipamento de proteção e contra o confinamento. Sob o pseudónimo FlyRider, diz que tudo isso é uma farsa.

Os números da doença indicam mais de 280 mil pessoas infetadas e de 29 mil mortos em França, numa proporção de 469 mortes por um milhão de habitantes, o que situa o país entre os dez piores a nível da letalidade.

Em Espanha, o cantor Miguel Bosé deu a cara na manifestação do dia 16 de agosto, em Madrid, onde terão estado 2500 pessoas. Isso e as suas declarações sobre o novo coronavírus provocaram muitas críticas dos fãs, o que fez que o cantor se retratasse nas redes sociais, desmentido que tenha dito que o vírus não existia.

A Espanha regista mais de 455 mil infetados desde o início da doença, e mais de 29 mil mortes, 620 por um milhão de habitantes., proporção que apenas é suplantada pelo Peru (866 por milhão) e pela Bélgica (853 por milhão).

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