Quem é o padroeiro de Lisboa: o popular Santo António ou o discreto São Vicente?

São Vicente tornou-se padroeiro de Lisboa no século XII, perdendo importância na Restauração, devido ao facto de ser espanhol. Santo António sempre foi um santo do povo, mas o seu estatuto só foi confirmado nos anos 80.
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Afinal, quem é o padroeiro de Lisboa: o popular e lisboeta Santo António, que dá o mote às festas da cidade que se celebram este mês, ou o discreto São Vicente, espanhol que nunca passou por Portugal durante o seu tempo de vida? A resposta certa é... os dois. "O Santo António é o padroeiro principal da cidade e, por isso, o 13 de Junho é o feriado municipal. São Vicente é o padroeiro do Patriarcado de Lisboa, que tem uma área geográfica quase até às Caldas da Rainha", explica ao DN Pedro Teotónio Pereira, coordenador do Museu de Lisboa-Santo António. "Quando as relíquias de São Vicente vieram para Lisboa no tempo de D. Afonso Henriques ficou o padroeiro, sendo que Santo António foi considerado padroeiro secundário de Portugal no século XX e é feriado municipal desde 1953, sendo padroeiro principal da cidade desde os anos 80", acrescenta.

Reza a lenda que, no século IV, São Vicente foi torturado até à morte pelo imperador Diocleciano por recusar-se a oferecer sacrifícios aos deuses pagãos. Com a invasão muçulmana, os seus restos mortais foram colocados num barco à deriva que acabou por dar à costa em Sagres. Mais tarde, já no século XII, D. Afonso Henriques prometeu trazer para Lisboa as relíquias do santo, caso conquistasse a cidade, o que veio a acontecer em 1147. A promessa do rei foi cumprida em 1173 e conta-se que dois corvos protegeram a nau que trouxe as ossadas de São Vicente de Sagres para Lisboa, tornando-se em seguida padroeiro da cidade, e os corvos e a nau os símbolos do brasão de Lisboa.

"São Vicente nunca foi um santo muito popular. Havia uma grande devoção por parte dos moçárabes, mas sempre foi um santo mais ligado à família real e à igreja. E, por isso, era celebrado com umas cerimónias religiosas. Ainda hoje em Lisboa continua a celebrar-se o São Vicente com umas cerimónias religiosas na Sé, a 22 de janeiro - é uma festa eminentemente religiosa e sempre foi assim. Já o Santo António foi sempre muito popular e bastante celebrado pelo povo na rua, já antes do terramoto havia a procissão do Santo António, que é uma procissão que ainda se realiza", refere Teotónio Pereira. "É interessante que a família real nunca participava na procissão, normalmente vinham na véspera à Igreja de Santo António, mas na procissão de dia 13 só o povo é que participava. Já com o São Vicente havia a tal celebração oficial na qual a família real participava".

Além do 13 de Junho, Santo António também chegou a ser celebrado em Lisboa a 15 de fevereiro, com a chamada festa da língua, uma data que deixou de ser marcada em 1834 com a extinção das ordens religiosas em Portugal. "Era uma celebração por causa da trasladação do corpo do Santo António, em que foi descoberta a sua língua incorrupta. Mas era uma festa religiosa, enquanto que o 13 de Junho tem a ver com as festas populares", ressalva.

De acordo com o coordenador do polo de Santo António do Museu de Lisboa, "São Vicente começa a perder visibilidade em 1640, com a Restauração e o final da união ibérica, pois o santo era espanhol. E aí, o Santo António começa a ter mais importância, porque é um santo de Lisboa, um santo português e, portanto, há esta rivalidade, digamos assim".

E, além de serem ambos padroeiros de Lisboa, podem São Vicente e Santo António ter mais alguma coisa em comum, tendo em conta que viveram em séculos diferentes e que o primeiro nunca esteve em Portugal? A resposta é sim. Um desses pontos em comum é a Sé de Lisboa, onde São Vicente é celebrado todos os anos e onde se encontram as suas relíquias. "Na Sé, existe uma cruz na parede que dizem que foi Santo António, em criança, que a desenhou na pedra, e é lá que está a pia batismal onde foi batizado", explica Pedro Teotónio Pereira, recordando que a, cerca de 300 metros, fica a Igreja de Santo António, local onde seria a casa dos pais do santo lisboeta.

Outro cruzamento entre os dois prende-se com o facto de Santo António ter estudado no Mosteiro de São Vicente de Fora, erguido em homenagem ao outro padroeiro de Lisboa. "Santo António foi menino do coro na Sé de Lisboa e aí iniciou os seus estudos, mas na adolescência passou para São Vicente de Fora e ingressou nos cónegos de Santo Agostinho, que eram quem estava no mosteiro".

Por último, há uma curiosidade em torno de como uma viagem de barco mudou o futuro dos dois. Como já foi referido, o corpo de São Vicente veio parar a Sagres num barco à deriva e foi também num barco que as suas relíquias foram transportadas do Algarve para Lisboa. "Aos 30 anos, Santo António foi para Marrocos em missão de evangelização. Esteve lá um ano, ficou doente, e diz-se que foi enviado para Lisboa, mas que, na viagem, o barco onde seguia foi arrastado por uma tempestade para Itália e foi assim que passou os últimos anos da sua vida em Itália, e também no sul de França, a evangelizar", conta Pedro Teotónio Pereira. Foi em Itália que Santo António acabou por morrer, mais concretamente em Pádua, sendo, por isso, conhecido internacionalmente como Santo António de Pádua, cidade da qual também é padroeiro e onde repousam as suas relíquias.

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