No dia 1 de outubro, o regime do Egito anunciou a reintegração de 1,8 milhões de pessoas nos programas de subsídios alimentares, os quais permitem acesso, por exemplo, a arroz a preços mais baratos, a massas e a outros produtos. Algumas pessoas têm estado a perder os subsídios desde fevereiro por se ter considerado que tinham um nível de vida elevado para ter aquele benefício social. Uns foram retirados dos programas por terem um carro novo, relatou a Reuters, outros por estarem a pagar propinas para os filhos frequentarem escolas, outros por terem faturas de bens caros..O Estado egípcio fornece subsídios alimentares a mais de 60 milhões de pessoas numa população de cerca de cem milhões, sendo as alterações nesta área uma matéria muito sensível por causa dos confrontos mortíferos de 1977 após o corte nos subsídios do pão. O governo está agora a introduzir alterações, que não afetam os subsídios ao pão, no sentido de satisfazer credores como o FMI. O Egito e esta instituição tinham acordado um programa financeiro em 2016, que acaba em novembro, estando novas ajudas condicionadas a cortes nos subsídios alimentares..A reintegração daqueles 1,8 milhões de pessoas aconteceu numa altura em que o presidente Abdel Fattah al-Sisi manifestou a sua preocupação em relação ao assunto no Twitter. "Garanto que estou a acompanhar eu próprio estas medidas e a garantir que o governo está totalmente comprometido em tomar as medidas necessárias para preservar os direitos dos cidadãos naquilo que é o interesse dos cidadãos e do Estado", escreveu o chefe do Estado egípcio, a 29 de setembro, depois de uma série de protestos ter tomado conta do país..Mas os protestos não estiveram relacionados apenas com os cortes nos subsídios ou com a pobreza no país, um dos que viram os seus ditadores cair na Primavera Árabe, em 2011, neste caso Hosni Mubarak. Segundo dados oficiais de julho e citados pela BBC, 32,% dos egípcios vivem abaixo do limiar da pobreza, em 2015 eram 27,8%. Os protestos foram sobretudo espoletados por vídeos críticos de al-Sisi e dos militares postos a circular nas redes sociais por Mohamed Ali..Trata-se do antigo proprietário da empresa de construção Amlaak, com uma breve carreira como ator, que fez vários projetos e trabalhos para os militares no Egito. Isto antes de vender tudo e partir para um autoexílio em Espanha. É alegadamente lá que grava os vídeos que põe a circular na internet e que, apesar de algumas interrupções por denúncias no Facebook, têm sido amplamente partilhados por egípcios furiosos com o atual regime do país..Filho de Ali Abdul Khalek, um antigo campeão de levantamento de pesos, herdou a empresa de construção do pai. Numa entrevista televisiva ao apresentador Ahmed Moussa, citada pela BBC, Khalek disse que as acusações feitas pelo filho ao regime não têm fundamento e que a família deve a sua fortuna às Forças Armadas do Egito..Mas afinal que acusações dirigiu Mohamed Ali, de 45 anos, a al-Sisi e aos militares egípcios? O homem que muitos apelidaram de denunciante - tradução do inglês whistleblower - acusou o atual presidente do Egito de desviar fundos estatais para construir os seus palácios e mansões e de atribuir projetos de construção como favores a generais do seu círculo próximo. Foi a ponto de exigir ao ministro da Defesa, Mohamed Zaki, que prenda o presidente. E garantiu ter recebido muitas mensagens de alguns ex-militares e de agentes da polícia..Mohamed Ali chegou mesmo a indicar nomes e números nas denúncias que fez. Acusou, por exemplo, al-Sisi de dar consentimento à construção de um hotel de sete estrelas numa zona não turística, no valor de 120 milhões de dólares, como forma de fazer um favor ao general Sherif Salah, que vivia perto e que ficaria, ele próprio, encarregado de gerir o hotel. Todos os contratos relacionados com militares, acusou, foram atribuídos por ajuste direto, sem concurso. Nalguns projetos, os trabalhos eram iniciados sem a construção ter recebido aval, recorda Ali, sublinhando que, numa ocasião, recebeu ordem para começar a escavar as fundações de um hotel sem sequer ter visto a planta..Apesar disto, nota a revista Vice americana, Mohamed Ali não apresentou provas e documentos destas acusações, admitindo que, na origem das suas denúncias, está uma dívida de 13,3 milhões de dólares à sua empresa pela construção de um hotel na Nova Cairo, o qual foi inaugurado, há meses, pela mulher de al-Sisi. Alguns dos apoiantes do presidente agarraram-se a isto para criticar o denunciante e dizer que é apenas um ex-empregado à procura de vingança do patrão. al-Sisi, ele próprio, reagiu aos vídeos de Ali, classificando-os de "mentiras e calúnias", reportou a BBC.."As pessoas agora sabem, de certeza, até pela televisão pró-governamental, que uma grande parte do que o Ali disse é verdade, que ele trabalhou para o Exército durante 15 anos, supervisionou projetos para o Exército. A forma como estão a tentar refutar as histórias dele tem o efeito contrário, ou seja, as pessoas agora acreditam mais no que ele está a dizer. Este é um assunto que toca nas vidas e no futuro de milhões de egípcios que sofrem com a pobreza, a má qualidade da educação e do sistema de saúde e que, além de tudo isto, não têm controlo sobre as despesas do governo. O que há no Egito não é uma verdadeira democracia. Todos os direitos básicos são esmagados pelo governo de al-Sisi. Por isso, quando um denunciante aparece com este tipo de informações, isso vai atrair a atenção", disse Amr Magdi, um investigador da Human Rights Watch citado pelo site da Vice.."Aquilo que Mohamed Ali conseguiu fazer até agora foi destruir a imagem que Al-Sisi tem tentado construir ao longo dos últimos seis anos. Ele conseguiu, até entre os apoiantes [de Sisi], abalar essa imagem", declarou, à mesma revista, a jornalista Liliana Daoud, que foi deportada do Egito em 2016. E acrescenta: "O que ele está a denunciar não é nada de novo. Tudo o que ele está a dizer é bem sabido, mas esta é a primeira vez que as pessoas o ouvem da boca de alguém que esteve ligado e esteve dentro do regime.".Indignados, os egípcios saíram às ruas, como já tinham feito noutras ocasiões, na mítica Praça Tahrir. No dia 28 de setembro foi noticiado que mais de mil pessoas estavam em prisão preventiva por participarem nos protestos contra al-Sisi. Nesse mesmo dia o governo egípcio considerou inaceitável a preocupação expressa pela ONU com as detenções nas manifestações. Na véspera, a alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, apelara a uma alteração "radical" da abordagem em face das manifestações e da "libertação imediata" dos detidos..As primeiras manifestações, a 20 de setembro, surpreenderam um país onde todas as ações de oposição ao regime foram severamente reprimidas após o afastamento, em 2013, do presidente islamita Mohamed Morsi, derrubado num golpe militar promovido por Abdel Fattah al-Sisi, então o chefe das Forças Armadas. Morsi foi preso pelo regime do novo presidente - entretanto reconhecido e tolerado tanto pelos EUA como pelos países da UE - e submetido a julgamento. Morreu no dia 17 de junho deste ano, vítima de ataque cardíaco, depois de desmaiar durante a audiência de julgamento.