Quem é Guaidó o jovem de 35 anos, apoiado pelos EUA, e desafiador de Maduro

O deputado de 35 anos assumiu no início do ano a liderança da Assembleia Nacional da Venezuela e está a desafiar Nicolas Maduro, auto-proclamando-se presidente interino.
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Primeiro chamou "usurpador" ao presidente Nicolás Maduro, cujo novo mandato à frente dos destinos da Venezuela não é reconhecido por parte da comunidade internacional. Depois, disse estar disponível para assumir a presidência até à realização de eleições livres, desde que tenha o apoio dos militares. E por fim acabou por auto-proclamar-se presidente interino no parlamento que, por sua vez, Maduro não reconhece. Contudo, foi o próprio governo que ajudou Juan Guaidó a dar o salto definitivo para a fama: os serviços secretos detiveram-no durante 45 minutos no passado domingo. De jovem deputado quase desconhecido, transformou-se em promessa contra Maduro e esperança para uma oposição dividida.

Guaidó tem 35 anos e é, desde 6 de janeiro, o presidente da Assembleia Nacional. Um órgão que está nas mãos da oposição desde o início de 2016 e que Maduro tem procurado esvaziar de poderes. Membro fundador do Vontade Popular, o deputado assumiu o cargo ao abrigo de um acordo de rotatividade anual que existe na oposição. Isto porque, dentro do seu partido, os nomes mais conhecidos estão presos ou exilados.

"Foi uma roleta, um golpe de sorte, era quem sobrava", contou ao DN a analista política venezuelana Margarita López Maya, confirmando que Guaidó era quase um desconhecido. "É por ser uma cara nova, fresca, nascido das mobilizações estudantis e dos protestos nas ruas. Isso é algo que agrada aos venezuelanos, porque existe um descontentamento com os velhos dirigentes e os líderes do passado", explicou.

Guaidó pode ser desconhecido para muitos, mas não o é para o diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidade Católica Andrés Bello, Benigno Alarcón, que foi seu professor. "Acho que as razões pelas quais está a ter sucesso é porque, sendo um insider, afinal é um deputado que há muitos anos está envolvido com o partido Vontade Popular, tem algumas características de outsider, por ser jovem, de uma geração distinta da maioria das lideranças políticas, e ter um discurso diferente", referiu, ao falar com o DN, na semana passada, antes do "golpe".

"Um discurso que responde às expectativas das pessoas que querem alguém que assuma o desafio de enfrentar Maduro e não reconheça a sua presidência", acrescentou Alarcón. Já López Maya fala de um discurso "ambíguo", capaz de agradar a vários setores da oposição e, dessa forma, voltar a unir setores que defendem estratégias diferentes para lidar com a crise política e económica na Venezuela.

Sobreviver à tragédia

Guaidó nasceu em La Guaira, capital do estado de Vargas, a 28 de julho de 1985. Um de oito filhos de um piloto comercial e de uma professora, cresceu num bairro de classe média e foi um dos milhares obrigados a sair de casa quando, em dezembro de 1999, após três dias de chuvas torrenciais, um enorme deslizamento de terras alterou para sempre a paisagem. O número de mortos nunca foi revelado - as estimativas dizem que terão sido desde sete mil até mais de 30 mil - mas é considerado o pior desastre natural a atingir a Venezuela desde o sismo que destruiu Caracas em 1812.

Tinha 15 anos e, apesar da casa da família ter ficado de pé, vários amigos não tiveram a mesma sorte e a escola também desapareceu sob as lamas. Nos dias seguintes, a incerteza e o desespero originaram pilhagens. "Perder de um dia para o outro a quotidianidade foi um facto que nos obrigou a todos a crescer, a aprender a desapegar-nos do que é material, aproximando-nos mais dos afetos familiares e da espiritualidade", disse, citado pelo jornal venezuelano El Nacional.

Mudou-se para Caracas para estudar Engenharia na Universidade Católica Andrés Bello. Foi na universidade que entrou na política, acreditando que era a forma de se envolver mais com o que se passava no país. Faz parte da Geração de 2007, o movimento estudantil que saiu para as ruas contra as políticas do então presidente Hugo Chávez (que viria a morrer em 2013) e deu um novo alento à oposição. Também fez estudos de pós-graduação em Administração Pública na Universidade George Washington, nos EUA, e no Instituto de Estudos Superiores de Administração, em Caracas.

Em 2009, esteve ao lado de Leopoldo López (seu mentor, preso desde 2014) na fundação do partido Vontade Popular. Seis anos depois, foi eleito deputado pelo estado de Vargas, ajudando a oposição reunida na Mesa de Unidade Democrática a conquistar a maioria que tem na Assembleia Nacional.

"Estou muito focado no que está para vir", dizia Guaidó ao El Universal depois de o seu nome ter sido apontado para a presidência da Assembleia, no final do ano passado. "A minha intenção é cumprir com a tarefa que me pediram, mas sobretudo trabalhar com muita responsabilidade e com os pés em cima da terra", acrescentou, dizendo não sentir pressão. "Sinto uma grande responsabilidade porque sei que estamos a passar mal com falta de água, medicamentos, transporte, comida, entre outros", referiu. "Este novo ano é uma oportunidade de fazer as coisas bem."

Tomada de posse e detenção

A chegada de Guaidó à presidência da Assembleia Nacional coincidiu com a tomada de posse de Maduro para um novo mandato, mais de sete meses após a vitória nas eleições que não foram consideradas livres pela União Europeia, pelos EUA e pelo chamado Grupo de Lima (do qual fazem parte a maioria dos países da região à exceção dos tradicionais aliados da Venezuela como Bolívia, Nicarágua ou Cuba).

"O facto de a comunidade internacional dar atenção é porque estamos num ponto de inflexão. Maduro declarou-se presidente e não é reconhecido por muitos países democráticos, que em contrapartida reconhecem a legitimidade da Assembleia Nacional. E no momento em que toma posse, surge esta figura jovem, nova, que o desafia," indicou Alarcón. "A comunidade internacional também encontrava um vazio na Venezuela. Tentava ajudar, mas não encontrava um interlocutor válido. Guaidó é esse interlocutor, capaz de gerar mobilização interna e, dessa forma, ajudar na pressão externa." O protesto convocado para hoje, era considerado a "grande prova de fogo". Acabou por ser.

Guaidó ganhou projeção nacional quando fez um discurso confuso, após a posse de Maduro, no qual dizia não reconhecer a legitimidade do presidente e parecia assumir interinamente o cargo - mais tarde explicou que só disse estar disponível para o fazer. "Seria muito pouco útil alguém declarar-se presidente e não poder presidir, porque seria preso ou teria de correr para o exílio", disse Alarcón. "Seria um erro político porque daria armas a Maduro para dizer que estão a fazer um golpe de Estado. Tem de ser muito inteligente, tem de ser cuidadoso, para não seguir a via da violência", diz López Maya. No entanto, foi isso mesmo que acabou por acontecer hoje.

Já uma maior projeção internacional surgiu após ter sido detido no domingo.

O vídeo foi de imediato partilhado nas redes sociais, com o governo venezuelano a quebrar o silêncio e a deter 12 membros dos serviços secretos, acusando-os de terem atuado sem receber ordens. "Quero enviar uma mensagem para [o palácio presidencial] Miraflores. O jogo mudou, o povo está na rua", disse Guaidó após ser libertado.

Venezuelanos nas ruas nos 61 anos da queda do ditador

O partido do governo e a oposição convocaram para esta quarta-feira as manifestações de apoio e contra Nicolás Maduro. O dia tem um significado especial para o país: há precisamente 61 anos, um movimento cívico-militar derrubou o governo do ditador militar Marcos Pérez Jiménez, que esteve à frente dos destinos da Venezuela entre 1952 e 1958.

Foi Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, que lançou o primeiro apelo aos protestos desta quarta-feira, pedindo que "todo o povo" saísse para a rua "em todos os cantos da Venezuela" para mostrar a rejeição a um novo mandato de Maduro. O Partido Socialista Unido da Venezuela, através do seu vice-presidente Diosdado Cabello, respondeu com um apelo a três grandes marchas no mesmo dia, "para demonstrar ao mundo que não voltarão a trair o nosso povo".

*Texto originalmente publicado no sábado, dia 19 de janeiro e atualizado a 23 de janeiro

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