Às curvas apertadas, lombas e estradas estreitas e molhadas da Bretanha juntaram-se os nervos na primeira semana de Tour de França. Resultado? As quedas multiplicaram-se nos primeiros dias, levando a meia dúzia de desistências logo na primeira etapa e a dezenas de feridos entre o pelotão..Em sinal de protesto pela falta de segurança, os ciclistas atrasaram a partida da quarta etapa da Volta a França. Terça-feira o pelotão parou ao quilómetro um e andou em ritmo passeio até ao quilómetro 20 - depois a Alpecin aumentou o ritmo e os ataques na frente da corrida começaram..Marco Chagas desdramatiza os acidentes, iliba a organização e lembra que as quedas fazem parte do ciclismo. "É azar de grande competição... Desde que me lembro que a primeira semana é prolifera em quedas. Os primeiros dias são a loucura total porque todos recebem indicações para estar e andar na frente. As quedas são consequência disso, todos querem ganhar posições para a segunda semana. E são mais de 180 corredores a tentar o mesmo. Só após seis ou sete dias é que há posicionamentos próprios", explicou ao DN o antigo ciclista, que teve "o privilégio" de fazer duas provas como corredor e dezenas como comentador.."Na minha primeira participação mandei dois trambolhões no mesmo dia e fiquei todo partido. Deu para acabar a volta, mas eu é que sei o que sofri", recordou o atual comentador do Tour na RTP2..A Associação dos Ciclistas Profissionais (ACP) tinha alertado para o perigo do percurso e tentou estender o limite de segurança aos últimos cinco quilómetros em vez dos habituais três, mas a organização não atendeu ao pedido. Daí o protesto na quarta etapa. "Não acho que seja nada extraordinário. Os acidentes sempre fizeram parte da história da modalidade e já houve algumas mortes a lamentar. A maior figura do ciclismo português é um deles. O Joaquim Agostinho morreu por causa de uma queda há 38 anos na Volta ao Algarve", recordou Marco Chagas, admitindo que as aproximações à meta têm sido "muito complicadas" e que "basta um ciclista tocar na roda da bicicleta do outro para criar um efeito tipo dominó"..O facto é que as quedas se têm repetido. Marc Soler, da Movistar, foi um dos que foram obrigados a abandonar na primeira etapa com três fraturas nos braços, resultado da violenta queda coletiva provocada por uma espectadora. A 46 quilómetros da chegada, numa estrada estreita e repleta de público, uma espetadora invadiu a estrada para mostrar um cartaz, derrubando Tony Martin, que caiu desamparado no chão e foi atropelado por vários ciclistas e causando o tal efeito dominó que atingiu quase todo o pelotão..O antigo ciclista português não vê que isso seja resultado de alguma falha da organização, nem dos corredores ou da segurança da prova: "As quedas acontecem e vão continuar a acontecer enquanto houver corridas. Os ciclistas não são robots e ninguém podia antecipar que aquela senhora estúpida se metesse à frente de um ciclista para mostrar um cartaz. Isso sim era evitável.".Ao terceiro dia a prova voltou a ser notícia por uma queda que "rasgou" um dos favoritos, o esloveno Primoz Roglic, da Jumbo-Visma, que ficou muito maltratado e apresentou-se na quarta etapa todo ligado, com ferimentos na perna, rabo, anca, costas, braço e ombro. "A situação está longe de ser boa, mas tenho de sorrir perante o vosso apoio. A múmia estará hoje à partida. Vamos ver como se comporta", escreveu Roglic nas redes sociais mostrando os curativos. Terminou a tirada em 61.º..Marc Madiot, manager da Groupama, provocou alguma polémica no pelotão quando pediu mudanças: "Temos de mudar. Os organizadores devem repensar as rotas, caso contrário, haverá mortes." Marco Chagas desvaloriza estas declarações que considera "alarmistas e feitas a quente de alguém que é muito expansivo". "O corredor dele era para estar na discussão do sprint e não esteve. Caso contrário, ele nem abria o bico. E se tivesse ganho então achava que era maravilhoso. Temos de fazer a leitura de ambos os lados", sublinha..Até agora já desistiram Robert Gesink, Jack Haig, Caleb Ewan, Marc Soler, enquanto Primoz Roglic, Miguel Ángel López, Enric Mas, Wilco Kelderman, Nairo Quintana, Jakob Fuglsang, Vincenzo Nibali, Tadej Pogacar, Geraint Thomas, Rigoberto Urán e David Gaudu perderam tempo..Com apenas quatro dias de prova ainda não dá para ver quem irá vencer, mas a vitória do holândês Mathieu van der Poel, neto de Raymond Poulidor - o eterno segundo - é um dos momentos marcantes deste Tour..O ciclista britânico Mark Cavendish (Deceuninck-QuickStep) venceu a quarta etapa ao sprint, somando a sua 31.ª vitória na prova... cinco anos depois da última vez. Passaram 1839 dias desde a última vitória do homem da Ilha de Man na Volta à França, que dominou os sprints na Grande Boucle durante quase uma década (2008-2016), antes de descer aos infernos, com uma depressão..Convocado à última hora pela Deceuninck-QuickStep para a 108.ª edição do Tour, para substituir um lesionado Sam Bennett, o corredor emocionou-se na hora de subir ao pódio: "Não sei o que dizer. Estar aqui já era suficientemente especial. Não pensava que iria alguma vez regressar a esta corrida.".No final dos 150,4 quilómetros entre Redon e Fougères, que arrancaram com uma paragem do pelotão em sinal de protesto para com as condições de segurança (ver texto), Cavendish foi o mais forte, com o tempo de 03:20.17 horas, batendo Nacer Bouhanni (Arkéa-Samsic) e Jasper Philipsen (Alpecin-Fenix), e aproximando-se do recorde de 34 triunfos de Eddy Merckx..O holandês Mathieu van der Poel (Alpecin-Fenix) mantém-se com camisola amarela, com oito segundos de vantagem sobre Julian Alaphilippe (Deceuninck-Quickstep) e 31 de avanço em relação ao equatoriano Richard Carapaz (INEOS)..Entre os portugueses, Rúben Guerreiro (EF Education-Nippo) foi 73.º e Rui Costa (UAE Emirates) 141.º..Hoje há contrarrelógio de 27,2 quilómetros entre Changé e Laval.isaura.almeida@dn.pt