A discussão nunca esteve tão acesa, mostram diretores e sindicalistas: para onde caminha a classe docente? Lançam-se previsões: em menos de uma década, a falta de profissionais nas salas de aula será um problema mais patente do que tem sido, alerta a Federação Nacional de Professores (Fenprof). Com mais de metade da classe acima da faixa etária dos 50 anos, Portugal poderá chegar ao patamar de outros países, como o Reino Unido e a Alemanha, que não planearam a tempo a renovação geracional das escolas. E a discussão começa mesmo com o envelhecimento, "causa de muitos problemas" atuais no setor, garante o Sindicato de Todos os Professores (S.T.O.P), uma das dezenas de organizações que nesta quarta-feira se reúnem com o Ministério da Educação (ME) para debater os desafios da atual legislatura.."Face aos recursos disponíveis [referindo-se ao crescimento económico e ao excedente orçamental], a educação poderia ter avançado como nunca antes e isso infelizmente não aconteceu", lamenta o coordenador nacional do S.T.O.P. André Pestana diz que o Orçamento do Estado para 2020 (OE 2020) é insuficiente e "mais uma grande oportunidade perdida que pagaremos caro no futuro". "Este governo tem beneficiado de uma conjuntura internacional que permitiu algum crescimento económico (como, por exemplo, no turismo) e até já temos excedente orçamental, mas efetivamente aproveitou-se essa oportunidade para investir a sério na educação? Infelizmente, não", frisa..O OE 2020 levanta mais dúvidas do que respostas e é preciso "pôr os pontos nos is", acrescenta a Fenprof. Por isso, os professores prometem levar ao governo "propostas no sentido da determinação de medidas que considera urgentes", nesta quarta-feira, adianta ainda a Federação Nacional de Educação (FNE). Consigo, prometem levar as preocupações da classe docente, mas também dos alunos, tocando em temas como a violência nas escolas e a remoção de amianto nos estabelecimentos de ensino..Quais as soluções para a falta de professores?.No Portal da Queixa, cinco meses depois do arranque do ano letivo, ainda há reclamações sobre turmas que continuam sem professores a determinadas disciplinas. No total, em outubro, seriam mais de duas mil as turmas afetadas, segundo uma contagem da Fenprof, sendo as disciplinas de Inglês, Geografia e Informática as mais afetadas..O problema não é novo, mas "tende a agravar com o decorrer dos anos, caso não sejam implementadas soluções", explicava ao DN o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel António Pereira, em outubro. Face ao cenário atual, na semana passada a Direção-Geral da Administração Escolar enviou uma nota às escolas em que explica que a existência de horários ainda por preencher no início do 2.º período obrigam a "reajustamentos no circuito delineado para a satisfação das necessidades ligadas à docência" de determinadas disciplinas, nomeadamente Português, Inglês, Geografia e Informática. Isto é, há autorização para que os professores de uma determinada área possam lecionar outra, desde que tenham "estágio pedagógico habilitante" ou "adequada formação científica"..Não só há falta de candidatos, em grande parte devido ao próprio envelhecimento da profissão, como aqueles que se mostram dispostos a candidatar-se optam por não o fazer em determinadas zonas do país por falta de meios financeiros para pagar elevadas rendas. Por isso, é exatamente nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve que o défice de professores é maior. Grande parte destes profissionais é obrigada a deslocar-se para outras cidades do país, muitas vezes longe de casa e em zonas onde a especulação imobiliária é um problema da ordem do dia. "Aquilo que ganham nas escolas não compensa para pagar um quarto, alimentação e deslocações", lembrava ainda o representante da ANDE..No Algarve, há até docentes deslocados para quem a única solução é viver em parques de campismo. Em entrevista ao DN, em agosto do ano passado, a presidente do Sindicato Democrático de Professores do Sul (SDP Sul), Josefa Lopes, comentava que este é um problema que "tem vindo a agudizar-se, devido ao volume do turismo na zona", que é também "cada vez menos sazonal". A falta de alternativas de alojamento, escassas ou a preços de turista, leva mesmo professores a desistir da vaga na qual foram colocados e até a desistir da profissão..A solução, escreve a FNE, pode passar por uma reforma do atual sistema concursal, "diminuindo" a dimensão geográfica do mesmo, ou por criar "mecanismos de apoio a colocações em zonas carenciadas e de difícil acesso a arrendamento de habitação". À semelhança do que já acontece em determinadas zonas do país, como em Oeiras, que promete quartos e casas para docentes deslocados até 2023..Mas passa também pelo combate ao envelhecimento do corpo docente, "sendo necessário garantir o rejuvenescimento da classe docente através de políticas consistentes que reconheçam o elevado desgaste que muitos anos de serviço implicam e permitindo que os profissionais em fim de carreira atinjam a aposentação com dignidade", acrescenta a FNE, em comunicado. Para isso, é preciso "promover a atratividade da profissão, quer do ponto de vista das remunerações, principalmente nas situações de início de carreira, quer no desenvolvimento da carreira"..Um processo que deverá passar pela eliminação de "estrangulamentos administrativos que amarram milhares de docentes com muitos anos de serviço a escalões de início de carreira" e pela garantia da "contabilização integral do tempo de serviço prestado para efeitos de posicionamento em carreira" ou "para aposentação"..Numa nota explicativa publicada na passada quinta-feira na página do Parlamento referente ao OE 2020, um dia antes da audição da equipa liderada por Tiago Brandão Rodrigues em sede de especialidade na Assembleia da República, a tutela admitia planos para os professores com mais de 60 anos que não passam necessariamente por dar aulas, "garantindo o pleno aproveitamento das suas capacidades profissionais..Mas é preciso ir mais longe, alerta Vítor Godinho da Fenprof, porque "as condições profissionais estão a piorar". Esta "é uma profissão cada vez menos apetecível". Algo que já se faz sentir no início da reta a caminho da docência: neste ano letivo, o número de colocados em cursos superiores de educação sofreu um ligeiro aumento, mas entre os 38 cursos a nível nacional ficaram sem uma única vaga preenchida, ainda havia dois da área. Numa classe cada vez mais envelhecida, em que só cerca de mil estão abaixo da faixa etária dos 30, "isto é uma preocupação", acrescenta o membro da Fenprof..Violência e amianto "serão temas mais debatidos", diz S.T.O.P.São vários os casos de violência nas escolas tornados públicos desde o início do ano letivo. Contudo, o Ministério da Educação diz tratarem-se de "casos pontuais" e as estatísticas confirmam: o número de ocorrências registadas pela PSP diminuiu em quase mil (954) entre o ano letivo 2013-2014 (período com os dados mais antigos disponibilizados pela PSP) e o ano 2018-2019, passando de 3888 para 2934..Os diretores das escolas não têm dúvidas de que se trata de um reflexo direto das ações lançadas pela PSP, ao abrigo do Programa Escola Segura, iniciado ainda antes do início do milénio. "As escolas estão mais atentas às situações de criminalidade e têm, no terreno, programas de prevenção, como é exemplo os aplicados pela Escola Segura [programa criado em 1992]", diz Filinto Lima, dirigente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). Mas há tipologias de crime que estão a aumentar..Ainda assim, o Sindicato de Todos os Professores (S.T.O.P.) mostra-se preocupado com o ambiente que se vive nas escolas. Em outubro, convocou inclusive duas semanas de greve contra a violência, motivado pelos mais recentes casos de agressões. Certo é que continua a existir mais de mil casos por ofensas corporais em cada ano letivo - ainda que o número esteja a diminuir desde 2013-2014. E promete voltar a levar o tema a Parlamento. André Pestana, coordenador nacional deste sindicato, acredita que este será mesmo um dos temas "mais debatidos" desta legislatura, juntamente com a questão da remoção do amianto nas escolas..A FNE pretende mesmo, nestas conversações, "garantir que até 31 de julho de 2021 cessem todas as situações de amianto em instalações escolares"..Nas propostas e temas a debater, haverá ainda espaço para discutir a insuficiência de assistentes operacionais, municipalização para a qual várias escolas já se preparam e a educação inclusiva..A FNE, a Fenprof e o S.T.O.P. criticam a tutela por falta de resposta aos problemas colocados pelos sindicatos desde o início oficial da legislatura e pelo tempo que a reunião desta quarta-feira demorou a ser marcada. "Ao não responder a estas propostas nossas de reuniões (com propostas de ordem de trabalho), o que permitia aprofundar melhor os diversos temas e apenas nos convocar para esta reunião isolada (que ainda nem sequer conhecemos a proposta de ordem de trabalhos), o ME condiciona a produtividade desta reunião", escreve o coordenador do sindicato..No entender da FNE, "este primeiro encontro já se deveria ter realizado, de forma a permitir à FNE a participação com os seus contributos para que a proposta do Orçamento do Estado contivesse a concretização de sinais claros relativos a políticas de valorização dos trabalhadores da educação portugueses e de soluções de desenvolvimento das suas carreiras"..Ainda assim, a Fenprof considera que este encontro poderá ser "útil" para a discussão de "propostas a ter em conta no OE", bem como para "calendarizar processos de negociação coletiva".