"Quando respondi ao anúncio nunca pensei vender caridade"

Jovens atraídos por falsos anúncios de emprego levados a pedir dinheiro para associação à qual só chegava 10% do que recebiam
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Reportagem. Atraídos por falsos anúncios de emprego, jovens contam ter sido levados a pedir dinheiro para uma associação de apoio a animais. Recebiam até 40% do que conseguissem; o resto ficava para a empresa, que era suposta entregar 10% à associação. Em abril, a anterior MAI revogou 40 licenças de peditório e falou-se de alterar a lei, devido a uma reportagem da RTP que expos um esquema deste tipo, envolvendo uma empresa. Sete meses depois, o DN encontrou o mesmo modus operandi dirigido pelas mesmas pessoas, que estarão envolvidas neste tipo de atividade pelo menos desde 2015.

Vanessa Sá é "apaixonada por animais". Quando foi abordada por um jovem, à porta da loja onde trabalha, na Avenida de Roma, solicitando-lhe um donativo para a Associação Animais de Rio Maior, a consultora de beleza, de 21 anos, não hesitou. "Dei cinco ou dez euros, já não me lembro. Recebi um porta-chaves e acho que assinei uma folha." Não lhe deram qualquer recibo, nem se lembrou de pedir um. Ficou convicta de que se tratava de um voluntário da associação, até porque, recorda, "estava identificado como tal". Mais tarde, procurou a página da instituição no Facebook e deixou uma mensagem, a 31 de julho: "Parabéns, um exemplo a seguir! Queria agradecer à pessoa que me abordou para ajudar a causa, super profissional! Boa sorte para todos e principalmente para os animais."

Mensagens como a de Vanessa, todas de mulheres, incluindo uma ucraniana que vive em Budapeste, há várias na página. Ângela Pinto, por exemplo, escreveu a 3 de setembro: "Excelente abordagem da pessoa que me pediu uma contribuição, ajudei com muito gosto! Um bem haja para todas as pessoas que gostam verdadeiramente de animais e muito obrigada a quem tão prontamente os ajuda!" A 18 de outubro, foi a vez de Amélia Chorão: "Excelente iniciativa! Fui abordada na rua, doei com o que tinha e podia dar, não comprei!" E a 18 de novembro escreveu Vera Vasquez: "Ontem fui abordada por um rapaz na Costa da Caparica. Inicialmente fiquei com algumas dúvidas mas, com o diálogo que tivemos, acreditei e doei dinheiro para os animais. Sendo enfermeira veterinária e amar os animais de paixão, o meu sincero obrigada a todos os que ajudam os animais." Dúvidas teve também Ana Rita Cunha Afonso. "Eu axo é que tendo em conta ser uma associação de solidariedade social, não deviam impor a compra de material (porta-chaves, canetas) porque a ajuda tem de ser solidária", protestou a 12 de setembro. "Eu ajudei. Mas o porta-chaves não me faz falta. É bom ajudar a pensar em quem precisa e não ajudar por interesse de comprar uma treta qualquer." No mesmo dia, a associação responde-lhe: "Boa tarde Ana Rita. O que recebemos é um donativo da empresa que criou o Projecto Juice, por cujos colaboradores terá sido abordada. O Projecto Juice foi criado por uma empresa que faz parcerias com associações sem fins lucrativos (neste momento a nossa). 10% do valor dos artigos vendidos por essa empresa revertem para a associação. Passam recibo na qual constam estas informações. Se precisar de mais alguma informação, estamos à disposição. Obrigada." E acrescenta, noutro comentário: "Bem haja pelo seu donativo."

"É ilegal todo o esquema"

Não é incomum que, nas lojas ou na rua, se vendam artigos cujo valor reverte no todo ou em parte para causas. A beneficência incluída em atos de consumo há muito é conhecida do público. Mas a terminologia usada pelas mulheres que comentaram na página da associação - "pediu uma contribuição"; "contribuí"; "doei"; "dei" - demonstra que pensaram estar a efetuar uma dádiva, não uma compra (algumas nem quiseram ficar com o objeto), e muito menos que só uma percentagem do que deram chegaria à causa; aliás, uma delas, ao ser disso informada, fica perplexa.

Acresce que têm sido regularmente denunciados "esquemas" relacionados com peditórios, quer por haver pessoas a pedir para instituições ou campanhas inexistentes, ou por se identificarem pessoas a pedir sem estarem para tal autorizadas (ver texto nestas páginas). No primeiro caso, trata-se de crime de burla; no segundo, de uma contraordenação. Existe ainda um terceiro tipo de esquema, como o que foi, em abril, denunciado no programa da RTP Sexta às Nove: o de uma associação existente e até com autorização para peditórios - a Adeptos dos Sonhos - associada a uma empresa intitulada Embrace Future que punha jovens na rua a pedir contribuições para a primeira mediante compra de objetos. Metade do dinheiro assim angariado era para a empresa, 40% para quem andava na rua e 10% para a associação. Um procedimento que levou ao cancelamento, pelo MAI, da autorização de peditório e ao envio do caso para o MP. Segundo a PGR, a investigação está em curso.

Há várias semelhanças entre o caso denunciado pela RTP e a angariação de fundos descrita na página de FB da Associação Amigos dos Animais de Rio Maior: abordagem na rua por jovens que vendem objetos como forma de "ajudar" causa e a percentagem que alegadamente será canalizada para esta. Mas, ao contrário da Adeptos dos Sonhos, esta outra associação não deu entrada, no MAI, de qualquer pedido de autorização para peditórios - tão-pouco o fez a entidade "Juice". Aliás uma pesquisa on line de "Projeto Juice" não encontra qualquer referência. O que surge, porém, é um relato, publicado em 2015 num fórum na net, sobre um "Projeto Sim": "Tenho assistido a vários peditórios em Lisboa em nome de um tal "Projeto Sim". Já fui abordado várias vezes e explicam-me sempre que "é para ajudar os animais". Por norma, estes indivíduos estão devidamente credenciados (embora a credencial seja um simples cartão, sem nada de "oficial")." Quem escreve, que não se identifica pelo nome, diz ter encontrado no OLX um anúncio "à procura de jovens dos 17 aos 22 anos, para um trabalho sob contrato a termo, em nome de uma suposta empresa chamada Projeto Sim - Synergies Lisboa." E copia as especificações da oferta de trabalho: "Não precisas de ter experiência laboral. Desempregado ou estudantes. Não precisas de escolaridade obrigatória. Idade mínima 17 anos. Jovens com atitude e gosto pelos animais. Missão: Ajudar todos os animais abandonados e/ou para adopção, existentes no nosso País, a encontrar um lar". Frisa a menção a "pagamento no primeiro mês no valor de 550euro e um suposto salário de 557 euro (com "adiantamentos semanais")." E termina com uma pergunta: "Alguém sabe alguma coisa sobre este suposto projeto/empresa/whatever? O que fazem? Qual é a missão? É real ou é tudo fake [falso]? O que vos parece?" Não tarda a receber uma resposta: "O esquema é mesmo fraudulento, eu "trabalhei" durante um dia na Synergie e ficam com 45% do dinheiro que as pessoas dão nos peditórios. Estão a vender a ideia como projecto de solidariedade e acabei por ficar com metade do que fiz, enquanto os responsáveis ficam com o restante. Sou menor, mas é necessário denunciar o caso. É ilegal todo o esquema!" Para provar o que diz, o denunciante transcreve o mail que lhe enviaram quando respondeu a um anúncio de trabalho no OLX: "Prezado candidato: Em nome da SYNERGIES PORTUGAL, eu gostaria de agradecer pela sua recente inscrição para o processo de seleção da nossa empresa. É com grande prazer que informo que tem uma entrevista agendada para si no dia 23-06-2015 às 11:30 horas, com Cláudia Almeida, gestora de RH [Recursos Humanos]."

Um ano depois, surge uma outra resposta a este comentário: "OLÁ BOM DIA!! !! O meu nome é juice... (...) É assim, Synergies é um grupo. Representa marketing directo. Em diferentes sectores. O sector que falam, é o sector social. E É LEGAL. Como representantes de marcas, para quem não sabe o mercado de trabalho baseia-se em vendas, sem VENDAS não há rendimentos (...). Por isso, esse grupo apoia uma associação. Fazendo a crescer e ajudando-a a desempenhar as suas tarefas na acção solidária para a sociedade. Esta estratégia empresarial é muito boa, digo-vos!"

A empresa enigma

No Portal da Justiça, onde todas as empresas têm de estar registadas, há várias com a denominação Synergies, mas todas fora da zona de Lisboa e nenhuma intitulada "Synergies Portugal" ou parecendo ter um perfil compatível com a atividade descrita. Já a Associação Amigos dos Animais de Rio Maior é reconhecida por quem trabalha no resgate de animais como um projeto fidedigno. Foi constituída no verão de 2015 e acolhe cães e gatos abandonados. Mas Maria Luísa Romão, a presidente da dita, que numa reportagem de 2015 da TVI é descrita como "chefe de cabine da TAP", reage mal ao pedido de informação do DN. Questionada sobre quais os termos do acordo com quem está a fazer a angariação em seu nome e quanto recebeu até agora a associação por esta via, responde desabrida: "Se quer saber quais as condições a empresa dá-lhe a informação. A empresa é que fala pelo contrato." Quando o DN lhe pergunta porque não quer falar no assunto, alega estar no dentista e desliga abruptamente a chamada, sem sequer identificar a empresa.

Dias mais tarde, ante nova tentativa, Maria Luísa Romão mostra-se mais calma, mesmo se manifestamente agastada com o interesse do jornal numa ação que diz ocorrer "há meio ano", por proposta da empresa: "Não percebo o que há aqui de notícia. Se há uma empresa que, ao contrário de outras, faz donativos, íamos recusar?" E prossegue: "Está a falar de peditório, mas não é um peditório. É uma venda de artigos e a firma dá 10% à associação. É suposto darem essa informação na abordagem às pessoas, está nos recibos que passam, não me chegou qualquer notícia de que não o façam." Confrontada com o facto de várias pessoas terem deixado claro no FB da associação crerem estar ante um peditório, diz não ter reparado. Quanto aos proventos que, informa, a empresa lhe entrega todos os meses, recusa esclarecer a quanto montam ou qual a quantia que recebeu da dita empresa até agora. Escusa-se igualmente a dizer quanto gasta a associação mensalmente, em média, com os 40 cães que, informa, tem a cargo. Termina certificando que a empresa com a qual fez o acordo não se chama Juice mas Thunderenigma: "Tem vários projetos para ajudar associações sem fins lucrativos, e o Projeto Juice é um deles. Quer fazer uma notícia e não sabe isso?"

Não é que, como se vê, seja fácil saber. No Portal da Justiça, existe de facto uma empresa denominada Thunderenigma, criada a 4 de agosto deste ano - ou seja, a crer no testemunho de uma das pessoas que "doou" para a associação - Vanessa Sá - depois de se ter iniciado o peditório/venda em causa. Nos diretórios de empresas na net, a Thunderenigma surge com a descrição "Comércio a retalho por correspondência ou via Internet" e morada numa zona residencial da Amadora, sem qualquer outro contacto. Nessa morada, não existe, na caixa do correio correspondente, qualquer nome ou menção de empresa. E um vizinho certifica ao DN que se trata da habitação de um casal.

Mas Guilherme Pires, 18 anos, que contou ao DN ter sido chamado em outubro pelo "Projeto Juice" depois de responder a anúncios de "primeiro emprego" on line e acabou por andar três dias a pedir dinheiro na rua em nome da Animais de Rio Maior, nunca ouviu falar da Thunderenigma ou de qualquer nome de empresa. Ligando para um dos números de telemóvel que foram facultados, por mail, a Guilherme como sendo das pessoas a quem se devia dirigir para a "entrevista", atende alguém que se identifica como "Tiago". Este pergunta "se é por causa do anúncio de emprego" e, à questão sobre o tipo de trabalho e nome da empresa, diz que se trata de "marketing direto" e do "Grupo Start Com" ou Startcom (no Portal da Justiça não figura qualquer das versões), que tem "dois escritórios na Reboleira" e "funciona em Portugal e Espanha". Sobre o tipo exato de trabalho é vago: "O melhor é vir cá à entrevista que fica a saber tudo", acrescenta, prometendo enviar as moradas por SMS "mal feche o escritório".

As moradas nunca chegam, mas Guilherme Pires conhece bem um desses "escritórios". Foi lá que se dirigiu para a "entrevista" proposta nas respostas idênticas que recebeu às suas candidaturas a vários anúncios que pareciam de coisas diferentes - algo que achou logo "estranho": "Pensei que era uma agência. Disseram para lá estar no dia seguinte ao meio-dia. Quando cheguei encontrei bastante gente a preencher uma ficha. Também preenchi e falaram comigo numa salinha. Não me esclareceram sobre qual o tipo de trabalho, disseram para estar lá no dia seguinte às 10 para me explicarem em que consistia e fazer formação. Lá fui e apresentaram-me a um miúdo mais novo que eu, que seria o meu suposto formador. Ele disse para ir com ele. No grupo estavam também uma rapariga de 20 anos e um rapaz de 16. Saímos do escritório, fomos andando e às tantas meteu-nos no comboio para Sintra. Fiquei atónito e perguntei se pagavam as viagens e ele disse "talvez" e que quando chegássemos lá bebíamos um café e explicava o que íamos fazer." Lá chegados, o rapaz "mostrou uma série de coisas - "um cubo de Rubik pequeno, ímans para o frigorífico, porta-chaves e canetas" -- que trazia num saco. E, continua Guilherme, "disse que era para vendermos aquilo para ajudar cães e gatos que estavam numa instituição em Rio Maior. Disse que havia um "pitch" - não sei se era para ser "speech" (discurso) - e era "olá sou o Guilherme e estamos a vender estes objectos a valor simbólico - era suposto custarem entre três e cinco euros - para ajudar uma instituição em Rio Maior que tira cães e gatos da rua". Não devíamos dizer que não éramos voluntários e se houvesse polícia nos arredores não devíamos abordar ninguém - não porque fosse ilegal, disse ele, mas porque eles iam chatear-nos e queimar muito tempo."

"Não me sentia bem a enganar"

Se fizessem até 30 euros num dia, explicou o "formador", recebiam 10%, até 50 recebiam 25% e acima de 60 recebiam 40%. "E deu-nos uns cartõezinhos ridículos numa fita para pôr ao pescoço, a dizer "Projeto Juice - Juntos Iremos Criar Esperança". Os objetos que cada um recebia para "vender" seriam o suficiente, calcula Guilherme, para "fazerem" 120 euros. E lá foram interpelar pessoas. Guilherme, que era suposto estar só a observar por ser o seu primeiro dia, fartou-se de não fazer nada e decidiu ajudar. Em três horas, fez 15 euros. Apesar de achar tudo muito suspeito, voltou no dia seguinte. "Mandaram-nos para Cascais e puseram-me logo a "coordenar" um rapaz. Fui muito franco com ele, disse o que pensava daquilo. Em cinco horas, fiz 60 euros sem grande esforço. Muitas das pessoas nem queriam o brinde - davam três, cinco, 10, ate 20 euros. E ninguém pedia recibo. Aliás acho que só me deram um recibo para passar às pessoas, se pedissem não ia ter." Em três dias - no terceiro foi para o Cais do Sodré com um grupo diferente - Guilherme fez 140 euros. "Deve haver imensa gente que vai um dia e não volta. Já tinha decidido que não voltava, mas precisava do dinheiro para uma festa, pelo que perguntei quando pagavam. Disseram que era só ao fim de uma semana e disse-lhes que com as viagens de comboio mais valia tirar o passe e me dava jeito o dinheiro para isso. Deram-me 50 euros, sem pedirem qualquer recibo ou para assinar qualquer papel, e nunca mais apareci." Dias depois, o rapaz do primeiro dia, o que era suposto "coordená-lo", ligou-lhe a perguntar o que se passava. "Pediu para beber um café comigo. Aceitei e disse-lhe que não me sentia bem a enganar as pessoas, que nos diziam que tinham muito respeito por aquilo que estávamos a fazer. Se eu inventasse uma coisa para ir para a rua pedir dinheiro era igual."

Pedro, 19 anos, teve uma experiência idêntica. "Queria rentabilizar o meu tempo, estou a terminar uma disciplina para entrar na faculdade e respondi a anúncios que diziam "reposições de stock", "vendas ao cliente", "150 euros semanais". Responderam marcando uma entrevista, fui e disseram para voltar no dia seguinte para formação. Quando cheguei apresentaram-me um jovem que conhecia do liceu, o João, que iria dar-me formação. Fomos para Cascais." Tudo correu como com Guilherme. No fim do dia, Pedro decidiu que não voltava. "Não conseguia lidar com aquilo, as pessoas, sobretudo turistas e jovens, que davam dinheiro e nem queriam os brindes e elogiavam o que estávamos a fazer. Quando respondi ao anúncio nunca pensei que ia vender caridade." Ainda assim quis saber como eram feitos os pagamentos. "Ele - o rapaz que foi connosco - disse que era por recibo verde ou "debaixo da mesa"." Como viu outra "equipa" de três pessoas a fazer o mesmo que asua, pelo menos sete pessoas estiveram a pedir nas ruas para a Associação Animais de Rio Maior naquele dia. "E essa é uma das "frentes" daquilo", comenta. "Outra é inquéritos para empresas de energia e outra ainda é reposição de stocks - seja lá isso o que for."

"Não é peditório, é venda direta"

Luís, que não quer sequer que o DN use o seu nome verdadeiro, confirma. No verão de 2016 trabalhou para as pessoas que agora dirigem o "Projeto Juice", que identifica pelos nomes Rui Branco e Nuno Alexandre (o primeiro nome também é referido por Guilherme e Pedro, e foi indicado ao DN pela presidente da Animais de Rio Maior como sendo o da pessoa responsável pelo seu "contrato" com a Thunderenigma). Nessa altura, conta, "tinham escritório em Alvalade". Luís fazia porta a porta para convencer as pessoas a mudar de fornecedor de eletricidade, mas também andou a pedir na rua para uma associação de defesa de animais, que identifica como "Animal Alive" (não haverá nenhuma com esse nome, mas existe a Animalife, cujo presidente, Rodrigo Livreiro, garante ao DN nunca ter tido qualquer acordo para angariação de fundos).

Do nome da empresa Luís diz não se lembrar, mas acha que tem "alguma coisa a ver com Espanha". O esquema de pagamento era o mesmo descrito por Guilherme e Pedro: recebia à percentagem. E não se queixa: "As pessoas dão para os animais, e muito." Havia na altura, calcula, "30 e tal pessoas" a trabalhar dessa forma. Quando perguntado sobre que tipo de contrato estabeleceu, ri. "Recibos verdes", diz, pouco convincente.

Na morada onde Guilherme e Pedro tiveram as "entrevistas", na Reboleira, num primeiro andar sem qualquer identificação cujos vizinhos asseguram que a "empresa" só está ali há uns três meses, os tele fones detetam um wifi "Juice". A porta é aberta por uma mulher que recusa dizer o nome da empresa ou o seu, alegando não trabalhar ali e não estar mais ninguém. Passado algum tempo entra no prédio uma outra mulher que quer saber o que os repórteres do DN fazem ali. Acaba por se identificar como Cláudia e de admitir que é ela que por vezes recebe os candidatos, além de "ajudar na contabilidade"- Guilherme confirma que era a uma pessoa que corresponde à descrição de Cláudia que entregavam o dinheiro no fim do dia. Por coincidência, também no "Projeto Sim" do "Grupo Synergies", que segundo a denúncia na net citada no início desta reportagem funcionaria em 2015 nos exatos termos descritos por Pedro e Guilherme para o "Projeto Juice", havia uma "Cláudia Almeida" a receber os candidatos. Trata-se, descobrirá depois o DN, da mesma pessoa, que não está recetiva a mais perguntas - remete para um Nuno Alexandre, que informa ser "sócio de Rui Branco".

Nuno Alexandre, de apelido Nunes e com 37 anos, aceita falar com o DN. Numa longa conversa de mais de hora e meia, que exige gravar e diz ter aceitado para "acabar com o mito e deixar as coisas mais transparentes", repete que não há peditórios efetuados pelas pessoas que trabalham para a empresa de que se apresenta como gerente - apesar de ter recusado trazer para a entrevista documentação que o prove - mas sim "venda direta por conta própria". E que qualquer confusão com peditório é responsabilidade individual dos colaboradores, que diz serem "independentes": "Posso admitir que haja colaboradores que estão a fazer peditório ou angariação de fundos mas estão a agir por conta própria. Não posso controlar o que as pessoas que andam na rua dizem." Garante até que são obrigados a assinar um "código de conduta" e estão proibidos de "aceitar dinheiro sem venda do item", devendo sempre passar recibo. E, assegura, "nunca aconteceu o dinheiro entregue ser mais que os artigos vendidos."

O DN pediu para ver o código de conduta mas tal, apesar de ter sido prometido, acabou por não suceder; Guilherme Pires certifica que nunca ouviu falar de tal coisa.

O entrevistado, que recusou dizer qual o valor "doado" à Associação Animais de Rio Maior, também frisa que as ditas vendas nunca se realizam na rua, mas em zonas privadas, "como lojas, cafés, centros comerciais" (para efetuar vendas na via pública, recorde-se, é necessária autorização). Mas assume ter estado envolvido no "grupo Synergies" - portanto em 2015 - e informa também ter trabalhado na Embrace Future, a empresa que estará sob investigação do MP no caso reportado pela RTP. Aliás, queixa-se, a Embrace Future "foi toda rebentada" por causa do escândalo. Por esse motivo ele e Rui Branco teriam sido obrigados a "recomeçar por baixo, num escritório pequenino na Reboleira".

Há, diz, "uma perseguição constante; primeiro a RTP, agora o DN."E anuncia que, por esse motivo, "vão acabar os protocolos para doar parte das vendas a instituições. O Projeto Juice acabou. Quisemos ajudar mas a partir de agora quando quisermos contribuir fazemos uma doação e declaramos para a dedução nos impostos."

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