Quando amor ao kendo une portugueses e o embaixador japonês

Extremamente popular hoje no Japão, o kendo inspira-se nos antigos samurais e tem também cada vez mais adeptos em Portugal. No Clube de Kendo de Lisboa, os treinos contam desde o início deste ano com o diplomata Makoto Ota, que se mantém em forma enquanto promove a cultura do seu país.
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Equipados a preceito, totalmente de negro, os kendocas já treinam no Complexo Desportivo Municipal do Casal Vistoso, em Lisboa. Há toda uma estética nesta arte marcial japonesa que fascina quem assiste. Provavelmente porque o kendo se inspira nos antigos samurais, e se as katanas de metal foram substituídas pelas de bambu , o exigente código ético dos antigos guerreiros japoneses passou no essencial para os praticantes de hoje.

Ora, entre os praticantes que agilmente se movem no pavilhão há um muito especial, Makoto Ota, embaixador do Japão em Portugal, que desde que apresentou credenciais ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em janeiro, procurou kendocas portugueses com os quais pudesse treinar nas horas deixadas vagas pelo trabalho diplomático, se bem que na verdade continue aqui a fazer diplomacia.

"Pôs-nos completamente à vontade desde o primeiro momento. Disse que aqui não era um embaixador, era um de nós", conta Luísa Lourenço, secretária-geral do Clube de Kendo Lisboa e instrutora. Miguel Godinho, Team Leader e também instrutor, elogia igualmente o entusiasmo do diplomata por poder treinar com portugueses. E André Lúcio, que pratica há nove anos esta arte marcial, confessa que nunca pensou ter o privilégio de treinar com um kendoca japonês de alto nível numa base regular como agora acontece.

Luísa Lourenço e Miguel Godinho já foram ao Japão, um sonho para ambos, que cedo se sentiram atraídos pela cultura nipónica. Ela, engenheira informática de 37 anos, viajou este ano, e para uma formação de kendo. "Claro, que tirei uns dias também para fazer turismo e absorver o máximo da cultura japonesa", conta. Já Miguel Godinho, técnico desportivo de 50 anos, a viagem ao Japão foi em 2015 e logo para um campeonato do mundo, com a seleção portuguesa. Também ele adorou o contacto direto com o Japão e o seu povo. André Lúcio, de 23 anos e formado em engenharia civil, diz que a viagem está nos seus planos, exatamente porque para praticar kendo "é importante perceber o que é a mentalidade dos japoneses, a cultura e história". Miguel Godinho acena com a cabeça a concordar, e lembra que se há país na Europa que tem contacto antigo com o Japão é Portugal, "este ano até celebramos os 480 anos de relações", com a chegada em 1543 dos primeiros mercadores portugueses à ilha de Tanegashima.

Miguel Godinho começou por ver os filmes de Bruce Lee, Luísa Lourenço recorda-se de Karaté Kid mas também de Samurai X, série japonesa que passava na TVI e que também cativou André Lúcio. E Samurai X não era só sobre artes marciais, era sobre kendo, que Miguel Godinho sublinha ser a arte marcial mais praticada no Japão.

Hora de se equiparem, incluindo proteção do rosto, que o aquecimento vai começar e o embaixador já está a preceito, e à espera. Aproveito para saber quando iniciou a sua prática. "Comecei quando tinha cerca de oito anos, quando os meus pais me incentivaram a praticar kendo. Compromissos académicos e profissionais afastaram-me do kendo durante muito tempo, mas nos últimos anos redescobri o seu encanto e retomei a prática", responde o diplomata. Mas não estamos só a falar de um desporto, e sim de um certo espírito, que Makoto Ota garante que se pode resumir numa palavra, "o Bushido, ou seja, o desenvolvimento do indivíduo como um samurai. O objetivo final do kendo não é ganhar, mas aperfeiçoar o carácter de uma pessoa, começando e terminando com a cortesia, por exemplo. Acho que tem algo em comum com o espírito dos cavaleiros europeus".

Finalmente todos equipados. Portugueses e japoneses, no plural, pois há, além do chefe de missão, um outro elemento da embaixada que vem treinar. Ao fim de vários meses de treinos conjuntos, Makoto Ota não esconde a satisfação por esta interação com os portugueses: "Acima de tudo, sinto o seu entusiasmo pelo kendo. Admiro a atitude deles em relação à aprendizagem do kendo, não apenas como desporto, mas como disciplina espiritual". O diplomata nipónico nota ainda que o factor idade, ou ser homem ou mulher, neste desporto " é quase irrelevante. A experiência faz a diferença, mas o kendo não é uma competição de força. Independentemente da idade ou do género, pode se vencer o adversário, se se tiver a força mental e a habilidade necessárias".

Conta-me Miguel Godinho que o Team feminino português de kendo conseguiu chegar a uns quartos-de-final num Campeonato da Europa, e que é dele o melhor resultado masculino, também uns quartos-de-final num Europeu. O selecionador nacional é atualmente Taro Ariga, de origem japonesa, criado no Brasil, e que vive nos Estados Unidos, mas duas vezes por ano vem a Portugal para treinos. E uma vez por ano também os atletas portugueses vão ter com ele aos Estados Unidos para um estágio.

Seja pelos filmes ou séries de TV sobre artes marciais, artigos em revistas da especialidade, também ações de divulgação em eventos como a Festa do Japão em Lisboa e o Iberanime no Porto, o kendo tem conquistado praticantes nos últimos anos, e por todo o país. Afirma Miguel Godinho que, porém, "pode vir a haver um antes e um depois do embaixador Makoto Ota, um amante do kendo, que tem o kendo no coração, e que com grande humildade entrou em contacto com o Clube de Kendo de Lisboa e criou uma excelente relação como os portugueses. Tem ajudado à nossa expansão. Muito".

Para o diplomata japonês, o kendo, como outras artes marciais como o judo e o karaté, são uma forma de a cultura japonesa se dar a conhecer ao mundo. "Na língua japonesa, "artes marciais" traduzem-se por bu-do, em que bu significa "marciais" e do significa "caminho". Uma das características da cultura japonesa é colocar o objetivo no auto-aperfeiçoamento contínuo, como se fosse um caminho sem fim. Espero que muitas pessoas em todo o mundo possam compreender a cultura japonesa através do bu-do", diz Makoto Ota.

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