Qual é, afinal, a luta dos professores?

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Os professores estão em luta. Os professores, aliás, parece que estão sempre em luta. Não é coincidência que o presidente do sindicato mais representativo dos professores seja o sindicalista mais conhecido dos portugueses.

Nada contra, bem entendido. Todas as classes profissionais têm o inalienável direito de protestar, de tentar ter as melhores condições de trabalho possíveis.

Claro que há umas que têm maior capacidade reivindicativa do que outras. Em termos muito simples, quanto mais pessoas forem afetadas pela ação ou omissão de uma certa classe, mais probabilidades existem de se ter o que se quer. E, não há quem não saiba, os professores têm essa vantagem. Têm, aliás, uma bem maior: são os nossos filhos a estar em causa. Não é possível ter forma de pressão melhor.

Não se depreenda disto que o facto de os professores terem uma ação direta, e muitas vezes decisiva, na vida dos nossos filhos seja conscientemente utilizada como arma. Acho que a maioria dos professores acredita que as suas lutas são parte integrante da sua vontade de o ensino ser cada vez melhor.

Seja como for, o facto é que o papel que desempenham na comunidade lhes traz talvez a maior capacidade reivindicativa de todas as classes profissionais. Tem sido utilizando essa força que conseguiram afastar aquela que foi a melhor ministra da Educação da democracia portuguesa, Maria de Lurdes Rodrigues, que conseguiram um sistema de avaliação de desempenho que pouco conta para a progressão na carreira (chamar-lhe avaliação é, por si mesmo, abusivo), que são mais bem remunerados do que os seus congéneres europeus de países com índices de desenvolvimento similares ao nosso e que o decurso do tempo tenha mais relevância do que em relação a qualquer outra carreira da função pública.

Repito que será assim também porque pensam que isso é melhor para os alunos e para o sistema de ensino.

Estão errados, porém. Não é admissível que a avaliação conte tão pouco para a progressão na carreira e que a passagem do tempo seja um fator decisivo. É injusto e de certeza que não contribui para que os professores sejam melhores profissionais e para um melhor ensino. O paradoxo de quem avalia não ser avaliado seria argumento bastante.

E é a questão da forma como os professores progridem na carreira que inquina quase toda a discussão que está a ser feita entre professores e governo. Não se pode ter uma discussão séria quando há uma classe que reclama que alguém pela simples passagem dos anos seja considerado, de facto e com repercussões nas suas condições, melhor do que um outro.

É verdade que isto demonstra a força dos professores, mas mostra também e de forma clara a incapacidade política e mesmo a cobardia de muitos governos, este incluído. Os ministros da Educação e os primeiros-ministros deste e de governos passados deviam ter vergonha do que não fizeram nesta área. Mas os professores não podem fingir que a situação não é, no mínimo, anómala.

A crise impôs sacrifícios a todos, mais a uns do que a outros. E sendo verdade que os funcionários públicos, nomeadamente os professores, tiveram cortes nos salários e viram suspensas progressões na carreira - convém lembrar mais uma vez que a reposição da situação para os outros funcionários públicos não se pode comparar com a dos professores, já que nenhuma outra carreira na função pública está tão pouca sujeita a avaliação e depende tanto da simples passagem do tempo como a dos professores -, aquilo a que foram sujeitos não se pode comparar com o que aconteceu aos trabalhadores de empresas privadas.

Não se pense que se está a cair no infelicíssimo discurso do anterior governo, que de uma forma bastante explícita colocava o setor privado contra o público (tal como o dos velhos contra os novos e por aí adiante). Isso cria artificialmente brechas na comunidade. O que não pode acontecer é cada um dos setores pensar que vive uma realidade distinta, que não são, no fundo, duas pernas do mesmo corpo. Pior, que cada uma das partes é uma ilha.

Quando os professores agora reclamam que devem ser repostos automaticamente os nove anos em que a progressão das carreiras esteve suspensa, que pensarão os que tiveram de sofrer o desemprego? Os que quando retomaram a atividade viram os seus salários baixar muito em relação ao que tinham no passado? Que dirão as centenas de milhares que tiveram de emigrar? A pretensão de recuperar o que se perdeu com a crise é legítima, mas não só é irrealista e irresponsável em termos do equilíbrio das finanças públicas como é profundamente injusta em termos sociais.

Dir-me-ão que quem tem poder utiliza-o. Não é a maneira como deve ser olhada a comunidade. Quem o faz está a defender uma visão de luta constante, uma estranha batalha em que se combate contra quem tem os mesmos interesses e problemas, em que apenas se olha para o umbigo e se esquece toda a realidade envolvente.

O estertor da geringonça

A nova legislação laboral é uma homenagem ao príncipe Falconeri: "Mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma." Não há detalhes que disfarcem que as mudanças na legislação do trabalho deixam, na essência, tudo igual.

Se mais provas fossem precisas, fica mais uma vez claro que as contradições da geringonça são insanáveis. É assim desde que os acordos entre os três partidos se esgotaram, sempre que se abordam questões importantes, temas estruturantes, o BE e o PCP discordam frontalmente do PS. A geringonça já nem isso é, não passa de um cadáver que apenas espera a certidão de óbito para ser enterrado.

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