Putin "satisfeito" após nova ronda telefónica com Biden 

Três semanas depois de uma cimeira virtual, uma segunda conversa entre o presidente russo e o homólogo norte-americano. Kremlin regozija-se com o teor do diálogo.
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A segunda conversa telefónica entre Vladimir Putin e Joe Biden no espaço de um mês foi precedida na quarta-feira por um bom augúrio, assim russos e norte-americanos acreditem nas capacidades divinatórias. Xamãs peruanos previram que Rússia e Estados Unidos solucionarão os seus conflitos e, pelo menos, o Kremlin mostrou-se "satisfeito" com o diálogo entre os presidentes.

No topo de uma colina sagrada de Lima, vestidos com trajes tradicionais, indígenas andinos sob o efeito de ayahuasca (alucinogénio) rezaram ao Tayta Inti (Pai Sol) e à Pachamama (Mãe Terra) com imagens do presidente dos Estados Unidos, da Rússia, Vladimir Putin, e da Ucrânia (Volodimir Zelensky). Resultado, segundo o xamã Walter Alarcón: "Vimos que a invasão da Rússia na Ucrânia não vai acontecer porque haverá um diálogo com os Estados Unidos que dará bons resultados", disse à AFP.

Não é de crer que algum dos protagonistas estivesse sob o efeito de drogas, mas do diálogo desta quinta-feira, que durou 50 minutos (72 minutos mais curto do que o travado há três semanas), o conselheiro de política externa de Putin, Yury Ushakov, afirmou que o Kremlin estava "satisfeito" em geral com as conversações. Disse que Putin avisou Biden de que precisava de um "resultado" concreto das próximas conversações de segurança e advertiu contra a introdução de grandes sanções. "Isto será um erro colossal. Esperamos que não aconteça", disse Ushakov aos jornalistas.

Já do lado norte-americano, Joe Biden repetiu a mensagem de que a Rússia teria de contar com uma "resposta robusta" dos EUA a qualquer invasão russa da Ucrânia, e disse que era necessária uma "desescalada" para que uma solução diplomática ganhe forma, disse a Casa Branca, através de uma declaração da porta-voz Jen Psaki.

No dia 10 de janeiro o diálogo será retomado em Genebra por diplomatas de ambos os países.

A chamada, a pedido de Putin, insere-se numa campanha de pressão da Rússia, com o amontoar de dezenas de milhares de soldados não muito longe da fronteira com a Ucrânia, com repetidas declarações do líder a advertir os Estados Unidos e o Ocidente contra a presença no mar Negro e na região, e com uma salva de lançamentos de mísseis hipersónicos, a mais recente proeza tecnológica russa.

Para Vladimir Putin, que anexou a Crimeia e é acusado de apoiar os combatentes pró-russos no leste da Ucrânia, a responsabilidade das crescentes tensões recaem na "agressão ocidental". Nas últimas semanas, Putin criticou a expansão da NATO na Europa de Leste após a queda da União Soviética e afirmou que parte do território da Ucrânia pertence historicamente à Rússia e disse que não iria aceitar uma adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica.

Ou seja, segundo a sua visão, a Ucrânia não tem soberania nem independência para decidir sobre política externa e defesa, em especial se essa não for ao encontro das pretensões do Kremlin. A forma como olha para os ucranianos está explicitada num texto publicado no verão, no qual afirmou que a Ucrânia só pode ser soberana em parceria com a Rússia, uma contradição em termos.

Os Estados Unidos assinaram um novo acordo de parceria estratégica com a Ucrânia em novembro, reafirmando um acordo que já passava pelo treino de militares, de ajuda militar avaliada em centenas de milhões de dólares e até pela modernizando dos portos do país para se adaptarem aos navios de guerra dos EUA.

Uma avaliação dos serviços secretos norte-americanos revelada no início do mês pelo Washington Post informava que a Rússia se preparava para deslocar até 175 mil soldados para uma invasão. A Casa Branca acredita que Putin ainda não tomou uma decisão, mas caso se decida pela ofensiva, analistas militares dos EUA apontam no calendário para finais de janeiro ou em fevereiro.

A estas notícias, sucedeu-se, quatro dias depois, uma cimeira virtual na qual Biden advertiu Putin de "fortes medidas económicas e outras no caso de uma escalada militar" na Ucrânia enquanto Putin pediu garantias de que a NATO não iria expandir-se. Dez dias depois, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo apelou para o fim da expansão da NATO para leste e para a limitação da atividade militar da aliança na Europa de Leste, o que inclui a cooperação com a Ucrânia e a Geórgia, enquanto pedia conversações bilaterais com os Estados Unidos, sublinhando não querer que se juntassem ucranianos nem restantes europeus.

Por fim, na semana passada, o ex-agente do KGB ameaçou responder com "medidas técnico-militares" se as suas exigências de segurança não fossem satisfeitas, sem indicar quais seriam as medidas.

Para o ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA William Courtney, a proposta russa "não é séria" e "pode ter sido concebida de forma a ser rejeitada para que o Kremlin pudesse ter mais um casus belli para invadir a Ucrânia", comentou à Radio Free Europe.

Enquanto Putin endureceu o tom na política externa, o mesmo se passou na política interna, com a perseguição a todo e qualquer adversário político que não faça parte do folclore local. No mesmo ano, o regime fechou as portas a organizações defesa de direitos humanos como a OVD-Info e a Memorial International, à organização política de Alexei Navalny Fundação Anticorrupção, bem como a detenção e condenação das mais variadas pessoas, do referido Navalny ao historiador dos crimes do estalinismo Yuri Dmitriev. Para o político Grigory Yavlinsky, do partido Yabloko, as mais recentes perseguições marcam "a transição de um regime autoritário para um regime totalitário".

cesar.avo@dn.pt

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