Putin e Timor-Leste
O título deste editorial é a tradução fiel do de um editorial ontem publicado pelo Jakarta Post, grande jornal indonésio em língua inglesa. E alerta a Rússia, nomeadamente o seu presidente Vladimir Putin, para as lições que pode tirar daquilo que se passou com a Indonésia após invadir e anexar a antiga colónia portuguesa de Timor-Leste. O jornal não se esquece de advertir que há diferenças óbvias entre o que se passou em Timor-Leste, em 1975, e agora nos territórios ucranianos anexados pela Rússia, mas o essencial da mensagem, sublinha, é que Moscovo, tal como aconteceu com Jacarta, deve preparar-se para uma recusa da ONU em aceitar a mudança de fronteiras pela força e um desgaste da imagem internacional, pois a maior parte do mundo verá os russos como via os indonésios: violadores do Direito Internacional e desrespeitadores dos Direitos Humanos. O editorial não se esquece de dar uma forte alfinetada aos Estados Unidos, também pelas intervenções que fizeram fora do quadro da ONU, como aconteceu no Iraque em 2003.
Este editorial indonésio, que mostra como a democracia e a liberdade de expressão se impuseram depois do fim da era Suharto e também a capacidade de Jacarta para se reconciliar com Díli, diz muito sobre aquilo que quer ser o mais populoso país muçulmano do mundo, hoje presidido por Joko Widodo. Mas diz também muito sobre como a comunidade internacional, e não meramente o Ocidente, está desconfortável com o conflito na Ucrânia, que afeta, sobretudo, quem vive os combates lá, mas também o modo de vida, da segurança energética à alimentar, de muitos milhões de pessoas bem longe.
Quarto país mais povoado do mundo, gigante islâmico como já foi dito, também país proeminente da Associação das Nações do Sudeste Asiático, a Indonésia tem uma voz que é ouvida em muitas latitudes. E especialmente este ano, em que acolhe a Cimeira do G20, a sua influência cresce, pois provavelmente em novembro, na Ilha de Bali, poderá ocorrer o encontro entre líderes como o americano Joe Biden, o chinês Xi Jinping e o russo Putin, todos convidados por Widodo, mas sem certeza de que estarão presentes dada a situação geopolítica. Os organizadores indonésios convidaram também o presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia a participar por vídeo.
Com a partilha com a Rússia desta "experiência amarga" chamada Timor-Leste em nome da Indonésia pelo Jakarta Post, fica claro como os argumentos de Putin para a guerra vão perdendo força, ainda por cima com referendos unilaterais organizados por entre combates. Foi, lembremo-nos, através de um referendo tutelado pela ONU que finalmente a Indonésia teve de aceitar que Timor-Leste não lhe pertencia, vindo a tornar-se independente em 2002. Tardou muito a que a imagem internacional da Indonésia se refizesse.
Diretor adjunto do Diário de Notícias