Professores impuseram bloqueio a mexidas no estatuto

Carreiras. Acordo refere estatuto atual e sindicatos dizem haver compromisso de não mexer na estrutura para compensar reposição
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A declaração de compromisso assinada na madrugada deste sábado no Ministério da Educação protege os professores de eventuais alterações ao Estatuto da Carreira Docente (ECD) durante a reposição do tempo congelado.. Uma ressalva imposta à mesa negocial pelos sindicatos depois de, na semana passada, ter sido noticiado que o governo pretendia tratar a discussão da contagem do tempo de serviço congelado no âmbito de uma revisão das carreiras destes profissionais.

O ponto V do compromisso - assinado pela Fenprof, FNE, nove pequenos sindicatos e as secretárias de Estado Adjunta e da Educação e da Administração e Emprego Público, Alexandra Leitão e Fátima Fonseca - estipula como questão a negociar a "recomposição da carreira que se desenvolve nos termos do Estatuto da Carreira Docente na sua versão atual", tendo em vista a "mitigação dos efeitos dos períodos de congelamento".

E, ao DN, João Dias da Silva , da FNE (UGT), confirmou que a referência à carreira atual foi uma imposição dos sindicatos, para evitar que o governo tentasse fazer depender a atribuição do tempo reclamado de mexidas no estatuto que pudessem, por exemplo, introduzir mais travões às progressões ou aumentar o tempo de permanência em cada escalão.

"Isso foi abordado por nossa iniciativa, quer em intervenções do Mário Nogueira [Fenprof] quer minhas, para clarificar que não pode haver qualquer intenção, escondida ou clara, de mexer na estrutura e maturação da carreira", disse ao DN, acrescentando que as duas secretárias de Estado presentes na reunião "concordaram que não há mexidas".

"Estávamos a falar da estrutura da carreira, dos 10 escalões, etc. para o bem e o para o mal. Também podíamos dizer que queríamos dizer que queremos rever para acabar com as vagas para o quinto e o sétimo escalões [que têm um limite de, respetivamente, 50% e 33% dos professores elegíveis]", confirmou Mário Nogueira. "os que estavam na reunião, estavam de boa fé", acrescentou. "É um compromisso do governo e tem lá a assinatura da representante do Ministério da Educação e da representante das Finanças".

Outro exemplo de escolha criteriosa das palavras que marcou a discussão é a inclusão do artigo definido "o" na frase "recuperar o tempo de serviço". A primeira versão da proposta do governo referia apenas "tempo de serviço" o que, para o sindicalista, "poderia significar qualquer coisa".

A contabilização do tempo de serviço congelado foi um dos temas mais complexos das negociações que decorreram ao longo de três dias (e boa parte das noites) entre terça e sexta-feira. Até porque o ponto de partida, da perspetiva do governo, era que devolver esse tempo aos docentes não tinha cabimento legal nem orçamental.

Atualmente, recorde-se, os sindicatos reivindicam a contagem de nove anos, quatro meses e dois dias, enquanto o governo não vai além dos sete anos, embora nem esse número tenha para já constado de qualquer proposta formal.

Também a palavra "recomposição" - que para Nogueira significa"voltar a compor como era" - é um exemplo da discussão, termo a termo, do princípio de entendimento que será aprofundado a partir de 15 de dezembro. O sindicalista recorda que "a primeira referência do governo, feita pelo primeiro-ministro, era a "reconstrução", uma palavra assassina". Mas, ao que o DN apurou, de outro ponto de vista, a palavra "recomposição" também poderá significar que e a recuperação do tempo congelado se faz com saltos temporais diferentes dos previstos para a progressão normal.

O governo tem acentuado que esta é uma nova discussão, diferente do processo de descongelamento das carreiras que será iniciado a 1 de janeiro do próximo ano. Outro dos argumentos que tem sido referido pelo Executivo de António Costa é que esta nova discussão envolve a recuperação de algo que não estava salvaguardado nos Orçamentos do Estado que impuseram o congelamento das progressões nas carreiras da administração pública e que tem de ser feita num contexto de sustentabilidade e de equilíbrio orçamental.

Impacto financeiro pesado

Em termos orçamentais, a recuperação do tempo de serviço entre 2011 e 2017- o período de referência considerado pelo governo - implica um aumento de despesa da ordem dos 650 milhões a 700 milhões de euros anuais, a partir do momento em que esteja concluído o processo - que será faseado - de reposição salarial dos docentes.

Este valor seria acrescido de valores que poderiam ascender a cerca de 400 milhões de euros num cenário de recuperação da contagem do tempo das outras carreiras em que este é também relevante para se progredir. Estão neste caso os militares, forças de segurança magistraturas ou oficiais de justiça.

O compromisso assinado entre governo e sindicatos de docentes está a ser seguido com atenção pelos representantes dos trabalhadores destas carreiras. A possível pressão para terem tratamento idêntico não passa despercebida ao governo, ainda que apenas depois de concluídas as negociações com os professores e as implicações em termos de recomposição da carreira, haja condições para tirar conclusões e fazer comparações.

O compromisso alcançado não trará mudanças imediatas para cerca de 46 mil docentes que vão progredir ao longo de 2018 na sequência do modelo de descongelamento previsto no Orçamento do Estado do próximo ano para a generalidade da função pública. Além deste grupo, o OE contempla a progressão imediata já em janeiro dos cerca de 7 mil docentes do 1º escalão que vincularam durante o período do congelamento. Neste último caso, a recuperação do acréscimo remuneratório é feita integralmente e não por fases.

O descongelamento das carreiras nos moldes previstos no OE de 2018 implicará um custo total de 600 milhões de euros. O impacto será faseado ao longo destes três próximos anos, porque a recuperação do acréscimo remuneratório devido aos funcionários públicos será feita em várias tranches de 25% cada. Do valor previsto para 2018 (cerca de 200 milhões de euros), 90 milhões serão destinados aos 46 mil docentes que cumprem requisitos para progredir em 2018. Seguem-se, em 2019, mais 13 mil professores e 15 mil em 2020.

A maioria dos funcionários públicos progride na carreira em função da nota que obtém nas avaliações de desempenho. As notas são anuais e podem dar-lhes 3, 2 ou 1 créditos o que significa que, no limite, poderão esperar 10 anos para progredir. Nas carreiras em que o tempo de serviço é relevante, como o dos professores, a progressão ocorre quase sempre a cada quatro anos, obtida avaliação positiva e outros requisitos, como formação.

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