Produtores nacionais crescem à boleia da grande distribuição

Das frutas e legumes aos vinhos e queijos, sem esquecer as carnes e os enchidos, a produção portuguesa tem ganho peso na distribuição e, com isso, reforçado as vendas ao exterior. Em 2022, o setor agroalimentar exportou mais 20% do que no ano anterior.
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Longe vão os tempos em que a produção nacional não era valorizada pelos consumidores portugueses, que, ao longo da última década, se reconciliaram com os produtos made in Portugal. A crise de 2011 teve impacto, mas também a criação de programas de promoção da identidade nacional em vários setores, incluindo no agroalimentar. Através da parceria entre o Portugal Fresh e o Lidl, a insígnia alemã ajudou a exportar 27 mil toneladas de frutas e legumes em 2022, um crescimento de 23% face ao ano anterior.

Durante a Feira Nacional de Agricultura (FNA), que se prolonga até domingo em Santarém, a cadeia de supermercados marcou presença para reforçar a proximidade aos produtores portugueses e o compromisso em apoiar a distribuição dos seus produtos. Para isso, a empresa organizou duas conversas sobre "Os desafios e oportunidades dos produtores nacionais" e "O futuro da produção nacional", que contaram com a participação das empresas Tradifana, Queijaria Almerinda, Casa Santos Lima, TriPortugal, Montaraz, Alto do Paiva e com a Associação de Jovens Agricultores de Portugal (AJAP).

Entre os mais de 500 produtores de frutas e legumes, responsáveis pelas 27 mil toneladas exportadas no ano passado, está a TriPortugal, focada na produção de pera rocha do Oeste, maçã de Alcobaça e fruta de caroço do Alentejo. "É com este leque de produtos que conseguimos estar a trabalhar o ano inteiro com o Lidl e a exportar fruta para vários supermercados da marca em toda a Europa", enquadra o administrador Francisco Torres. Para este sucesso, tem contribuído a preocupação de reunir, sob um só chapéu, várias empresas agrícolas que, juntas, conseguem alcançar o mercado internacional. "Ao sermos vários produtores juntos conseguimos ter uma capacidade de resposta que um só produtor não consegue", explica.

Hugo Piteira, diretor de vendas, marketing e exportação da Montaraz, concorda com esta visão de união para fazer a força. Dedicada à produção e transformação de porco preto, a empresa agrega 10 sócios e produtores para garantir o controlo das carnes e charcutaria, desde a origem ao consumidor. "Acompanhamos a criação desde as explorações, a alimentação e a transformação, abrangendo o setor das carnes e charcutaria, e isso permite a estabilização do produto, a uniformização da qualidade e a rastreabilidade da fileira por completo", detalha o responsável.

A preocupação com a qualidade é não apenas uma questão de brio profissional, mas também uma consequência do trabalho com a grande distribuição. Frederico Monteiro, que lidera a exportação da Salsicharia e Fumeiros Tradicionais do Alto do Paiva, não tem dúvidas de que o que é feito em Portugal é hoje "apreciado e bem conotado lá fora", num mercado a que as empresas nacionais conseguem chegar com redes europeias de supermercados. "É interessante ver que produtos como os nossos, que são de regiões muito específicas, conseguem ganhar adeptos lá fora através das vendas com o Lidl", reconhece. Mais do que uma opinião, os números parecem ir ao encontro da afirmação de Frederico Monteiro - em 2022, o setor agroalimentar exportou mais 20% do que no ano anterior, com um valor superior a 8,5 mil milhões de euros.

Porém, vender em mercados externos e exigentes implica um necessário compromisso com a qualidade e, muitas vezes, a certificação de processos e produtos. Este pode ser, com frequência, um caminho difícil de percorrer para empresas pequenas e familiares, mas que se torna mais fácil com a integração na grande distribuição, mesmo quando as vendas acontecem apenas em território nacional. "Acho que, cada vez mais, toda a cadeia tem se profissionalizar e cumprir com todos os critérios de sustentabilidade", exemplifica Bernardo Mota Lopes, administrador da Queijaria Almerinda. "A origem dos produtos e a forma como eles são processados é uma questão inevitável e que as pessoas valorizam muito. O Lidl é um parceiro estratégico porque reconhece essa qualidade e faz esta seleção criteriosa dos produtos", acrescenta.

Este projeto familiar, que se dedica à produção de queijo de cabra de forma tradicional, encontrou na cadeia de supermercados um balão de oxigénio para enfrentar as dificuldades sentidas durante a pandemia. Com a participação no projeto "Da Minha Terra", a queijaria conseguiu contratar cinco trabalhadores, iniciar relações com três novos produtores de leite e investir no aumento da sua capacidade de produção.

A tradição é, também para a Tradifana, um elemento fundamental do sucesso. "Produzimos bolos secos de forma artesanal, mas já um pouco mais industrializado com apoio de máquinas. Tentamos ao máximo preservar sabores, as receitas e fazer com qualidade", explica Tânia Braz, sócia da empresa sediada na Azambuja e que exporta exclusivamente para o mercado da saudade. Luís Almada, administrador da Casa Santos Lima, orgulha-se não apenas do alcance internacional dos vinhos que produz em sete regiões portuguesas, mas também de fazer parte da quinta geração à frente da empresa. "Portugal ainda tem uma quota mundial muito pequena nos vinhos, é preciso mostrar o produto e isso, às vezes, não é fácil. O Lidl tem um papel fundamental porque nos dá oportunidade de expor produtos nacionais lá fora", considera.

Independentemente da área de atividade, as questões ambientais são centrais na estratégia de qualquer um destes empreendedores. A aposta na rastreabilidade dos produtos e a certificação em bem-estar animal é vista, em especial pelos produtores de carnes, enchidos e queijos, como essencial, mas todos reconhecem a importância de investir na transição energética. Em todas estas empresas, maiores ou mais pequenas, há projetos de eficiência na utilização de energia, utilização de fontes renováveis e uma preocupação com o tipo de embalagens que são utilizadas. "O próprio futuro da carne e da proteína animal é uma incógnita, mas são questões sobre as quais temos de começar a pensar e é algo a que estamos atentos", sublinha Frederico Monteiro.

A par da utilização de recursos, como a água, a AJAP vê na valorização da profissão de agricultor e na falta de mão-de-obra no setor dois dos principais desafios para o futuro da produção nacional. "Não temos mão-de-obra para trabalhar na agricultura, temos de acolher bem quem quer trabalhar no nosso país. Somos os agricultores mais envelhecidos da Europa", lamenta o diretor-geral Firmino Cordeiro, que aponta que 52% dos agricultores nacionais têm mais de 60 anos. O rejuvenescimento do setor é, por isso, essencial, mas Firmino Cordeiro acredita que cativar as camadas mais jovens para esta profissão depende, sobretudo, de reduzir a burocracia, da modernização da atividade e dos apoios financeiros. "A agricultura nacional tem de ser mais valorizada por quem nos governa e pela classe política. Só se ouve sobre agricultura nos momentos difíceis", critica.

Para contribuir para uma maior atratividade do setor, a AJAP lançou o Laboratório Vivo da Agricultura 4.0, uma plataforma para "capacitação e formação" que disponibiliza, de forma gratuita, cursos sobre planeamento, inovação, mercados e empreendedorismo. "A atividade não é sexy, mas tem todas as condições para o ser", sublinha.

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