Privilégios da Católica em risco. PS e BE admitem rever isenções

A Universidade Católica beneficia de isenções de taxas e impostos desde 1971, privilégio que foi mantido em 1990. Desde 2012 que o fisco quer cobrar IRC, mas o caso seguiu para tribunal. PS e BE querem revisitar o assunto.
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O PS e o BE admitem rever o regime que isenta a Universidade Católica de pagar impostos. Os bloquistas dizem-se "completamente disponíveis" para "resolver este assunto", como explica ao DN a deputada Mariana Mortágua. Mais cautelosos, os socialistas respondem que "é importante revisitar o assunto e verificar se as condições são as mesmas que presidiram" à "excecionalidade" dada à Universidade Católica.

O CDS prefere dirimir a questão em sede da Comissão Paritária da Concordata. PSD e PCP não responderam às perguntas do DN até à hora de publicação deste texto.

Para já, o Bloco de Esquerda vai entregar um requerimento para saber junto do governo em que ponto está a disputa em tribunal entre a Autoridade Tributária (AT) e a Universidade Católica, para evitar que uma iniciativa legislativa extemporânea retire força à ação da AT.

"O Bloco está completamente disponível e nós queremos resolver este assunto, mas antes de o resolvermos temos de perceber como está o assunto em tribunal porque, querendo nós resolver o assunto, não queremos dificultar a recuperação de impostos passados", diz ao DN Mariana Mortágua.

fonte da direção da bancada do PS nota que esta "não é uma questão urgente" para os socialistas, "mas é importante revisitar o assunto e verificar se as condições são as mesmas que presidiram a essa excecionalidade". Neste momento, adianta a fonte, "o PS não tem nenhuma iniciativa sobre o assunto".

A excecionalidade de que fala o PS é definida pelo Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho de 1971, do governo de Marcelo Caetano, que estabelece que a Universidade Católica está isenta de pagar "impostos, contribuições ou taxas" e de custas judiciais. Em 2016, revelou agora a TVI, o fisco decidiu cobrar IRC à instituição de ensino, à semelhança do que pagam todas as outras universidades privadas.

Apesar de não necessitar do aval político, a AT pediu ainda em 2012 o conforto da tutela. O parecer chegou às mãos do então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o centrista Paulo Núncio, mas ficou na gaveta à espera de um despacho até 2015, apurou o DN.

Com a queda do governo de Passos Coelho, o que estava por despachar voltou para a AT, que reencaminhou o parecer para o novo governante, o socialista Fernando Rocha Andrade, que assinou na primavera de 2016 o documento, como avançou a TVI a 14 de fevereiro.

A Universidade Católica recusou pagar os impostos, com retroativos a 2012, previstos na lei, e avançou para tribunal.

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O CDS invoca a Concordata, na sua nova versão de 2004, para sustentar a sua posição. A deputada centrista Vânia Dias da Silva defendeu ao DN que "o estatuto da Universidade Católica é, como tantos outros, específico no quadro jurídico português".

Notando que "a mudança de entendimento da AT conflitua com a prática e a relação anterior - desde 2004 - com a Universidade Católica", Vânia Dias da Silva entende que, "por isso mesmo, e para lá da via jurisdicional que foi já acionada, as dúvidas que existam sobre a aplicação da Concordata assinada entre dois Estados, em 2004, devem ser submetidas à Comissão Paritária, que, nos termos do artigo 29.º daquela, deve não só procurar uma solução de comum acordo como ainda sugerir quaisquer outras medidas tendentes à sua boa execução".

O texto concordatário é claro sobre a recusa de isenções neste campo. "As pessoas jurídicas canónicas", diz o documento de 2004, "quando também desenvolvam atividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade."

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Em 1990, o executivo de Cavaco Silva revogou o estatuto da instituição de ensino superior, mas manteve um único artigo do texto de 1971, o da isenção, como se lê no artigo 9.º desse Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de abril: "É revogado o Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de julho, com exceção do seu artigo 10.º."

Confrontado pela TVI com o facto de ter mantido essa exceção num quadro totalmente diferente de 1971 - já com várias universidades privadas a concorrer com a Católica, que tinha passado a ter cursos de Economia e Direito, por exemplo -, Cavaco Silva respondeu que não se recorda do que esteve na origem de manter a isenção, mas deixou a garantia de que "os fundamentos legais foram totalmente respeitados". Este decreto de 1990 foi assinado por si, como primeiro-ministro, e pelos ministros da Educação, Roberto Carneiro, e das Finanças, Miguel Beleza, todos eles com ligações à Universidade Católica.

Os bloquistas notam que "há uma ação em tribunal em que a AT reclama que aquela lei não é válida, que aquela excrescência que ficou do decreto-lei de 1971 acaba por ser contraditória com alterações legislativas e constitucionais subsequentes - nomeadamente a Concordata - e que, portanto, perdeu validade". Por isso, argumenta Mortágua, "ao revogar essa lei, nós estamos a validar a sua existência", pelo que importa aguardar a decisão judicial.

"Se se provar que a lei não estava em vigor, e isto é uma questão jurídica que tem de ser resolvida, a Universidade Católica tem de reembolsar impostos passados e se for revogada entende-se que é uma questão daqui para a frente", explicou ao DN, adiantando que a bancada do BE quer "perguntar ao governo qual é a sua interpretação, qual é o ponto da situação, para a partir daí saber como é que o legislador se organiza".

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