Primeiras consequências do apoio de Portugal a Guaidó
"Tenho o prazer de informar o povo da Venezuela que esta transação foi suspensa até agora, protegendo os recursos de todos os venezuelanos", informou o deputado venezuelano Carlos Paparoni, na Assembleia Nacional, sobre uma transferência de fundos do Estado venezuelano, no valor de 1,2 mil milhões de dólares (mais de mil milhões de euros) e que tinha como destino duas contas no Uruguai. "Queremos informar que o senhor Lucas Rincón Romero [embaixador da Venezuela em Portugal], e Iván Legado, que hoje ocupa funções tanto no Ministério de Relações Exteriores como na Petróleos da Venezuela SA, tentaram fazer movimentos financeiros de ativos do Estado, que se encontram no Novo Banco, de Portugal", acrescentou o deputado, que preside à comissão de finanças parlamentar.
A comissão, pela voz de Paparoni, tinha pedido na segunda-feira a proteção dos ativos da Venezuela no Novo Banco, tendo apelado à instituição bancária e ao governo português para agirem em conformidade com o "acordo aprovado por unanimidade em 15 de janeiro" na Assembleia Nacional, o "único poder legítimo no país".
A Embaixada da Venezuela nega que Lucas Rincón Romero tenha tentado efetuar movimentos financeiros, considerando que se trata de uma "artimanha". "A Embaixada da República Bolivariana da Venezuela na República Portuguesa expressa a sua mais profunda rejeição pelas declarações emitidas pelo dirigente do partido venezuelano Primero Justicia [Primeiro Justiça] e deputado Carlos Paparoni, que, de uma maneira irresponsável e enganosa, manifestou perante a Assembleia Nacional no dia de hoje que o embaixador Lucas Rincón Romero [embaixador da Venezuela em Portugal] tentou fazer movimentos financeiros depositados no banco português Novo Banco com destino à banca do Uruguai", refere em comunicado enviado à Lusa, considerando que se trata de uma "campanha mediática sem precedente contra os governantes legítimos do país". "É alarmante usar este tipo de artimanha que visa manipular a opinião pública, a fim de mostrar que o Governo legítimo do Presidente Nicolás Maduro está a agir de forma fraudulenta sobre os fundos financeiros do Estado venezuelano", salienta.
Contactado pelo DN/Dinheiro Vivo, o Novo Banco não prestou esclarecimentos.
Portugal foi um dos 11 países europeus que endereçou um ultimato a Nicolás Maduro para este convocar eleições presidenciais livres e justas. Na segunda-feira, depois de o sucessor de Hugo Chávez ter rejeitado esta iniciativa, mais de 20 países europeus reconheceram Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, como líder interino do país.
Outros países, como os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Marrocos, a totalidade da América do Sul à exceção da Bolívia e do Uruguai, já o tinham feito. A todos, Maduro prometera "rever na íntegra" as relações diplomáticas.
Na segunda-feira a revisão das relações com Lisboa ficou à vista. Oito elementos do Grupo de Operações Especiais da PSP, enviados para reforçar a segurança da embaixada e do consulado de Portugal em Caracas, não puderam sair do aeroporto de Caracas. Isto apesar de as autoridades do regime bolivariano estarem ao corrente da ida do grupo, bem como do conteúdo das malas diplomáticas. Os polícias transportavam armas, capacetes, coletes à prova de bala e outros equipamentos. O Falcon 50 voltou para Portugal com a equipa dos GOE.
Quer o Ministério dos Negócios Estrangeiros, quer o Ministério da Administração Interna recusaram tecer qualquer comentário sobre este incidente diplomático.
Precipitou-se o governo português ao reconhecer o autoproclamado presidente Juan Guaidó? É o que pensam dois especialistas em Relações Internacionais. À Lusa, Cátia Miriam Costa e José Pedro Teixeira Fernandes explicam que, perante o cenário complexo na Venezuela, Portugal devia manter a neutralidade para poder atuar como mediador.
Tendo em conta a vizinhança da Venezuela, com países declaradamente em oposição a Maduro, como o Brasil ou a Colômbia; a dependência do petróleo, acentuada com as sanções impostas pelos Estados Unidos; e o perigo dos grupos de narcotráfico, o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais crê que as decisões de apoio a Guaidó são "questionáveis" e a investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE classifica a decisão portuguesa de "simplista".
"Portugal deveria ter-se mantido neutral para agora poder apresentar-se como mediador da crise na Venezuela", disse ainda a professora de Relações Internacionais.
O Papa Francisco disse na terça-feira que a Santa Sé estaria disposta a mediar o conflito na Venezuela se ambas as partes estiverem de acordo e fizerem o pedido, explicou aos jornalistas durante o voo de regresso a Roma, no final da viagem aos Emirados Árabes Unidos.
O pontífice argentino acrescentou que uma mediação formal deve ser vista como o último passo na diplomacia. Disse que alguns passos preliminares têm de ser dados primeiro pelo Vaticano e por outros membros da comunidade internacional, o que inclui esforços para "tentar aproximar um do outro, iniciar um processo de diálogo".
Também confirmou ter recebido uma carta de Nicolás Maduro. "Antes da viagem, soube da chegada de uma carta de Maduro, com o sobrescrito diplomático. Eu não li ainda esta carta que chegou, e vamos ver o que pode ser feito. Mas, para que ocorra uma mediação, é necessária a vontade de ambas as partes, que as duas peçam."
Em outubro de 2016, o governo e a oposição na Venezuela encetaram conversações mediadas pela Igreja Católica. O Conselho Nacional Eleitoral tinha bloqueado a realização de um referendo à continuidade de Maduro na presidência da Venezuela, num momento em que a oposição tinha conquistado a maioria na Assembleia Nacional. Na altura, Francisco enviou como seu representante o arcebispo italiano Claudio Celli, que juntou Maduro e o secretário-geral da Mesa de Unidad Democratica, Jesús Torrealba.
O líder da Igreja Católica junta-se ao secretário-geral das Nações Unidas na disponibilidade para mediar o conflito. Já na segunda-feira António Guterres havia declarado que não iria participar em qualquer iniciativa de outros países ou grupos para poder servir de mediador para a solução política da crise.
Um dos mais fortes aliados de Nicolás Maduro, Moscovo, apelou para o diálogo entre Maduro e Guaidó. O ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, disse que a crise na Venezuela só pode ser resolvida se as autoridades e a oposição conversarem. "Continuamos a acreditar que a única maneira de sair desta crise é sentar o governo e a oposição à mesa das negociações", disse Lavrov, citado pela agência RIA. "Caso contrário, será simplesmente a mesma mudança de regime que o Ocidente fez muitas vezes."
O apoio de Washington a Juan Guaidó, ou as mais recentes sanções à Venezuela têm sido criticados de forma veemente pelo Kremlin.