Primeira volta no Peru. A luta pelo voto contra Keiko Fujimori
Há dez candidatos presidenciais no Peru, mas tudo gira em volta de um: a favorita Keiko Fujimori. E da luta para saber quem terá a oportunidade, na segunda volta, de enfrentar a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que está preso por corrupção e violação dos direitos humanos. Dezasseis anos depois de o antigo chefe de Estado ter aproveitado uma viagem à Ásia para apresentar a demissão por fax e refugiar-se no Japão, evitando a extradição por causa da dupla nacionalidade, o país ainda se parte entre fujimoristas e antifujimoristas. E, se na primeira volta estes surgem divididos, na segunda se saberá se têm força para impedir Keiko de vencer.
Se por um lado Fujimori é sinónimo de recuperação económica, após anos de hiperinflação, e de pacificação do país com a derrota da guerrilha do Sendero Luminoso, por outro significa autogolpe (que lhe garantiu o controlo dos três poderes, executivo, judicial e legislativo), o recurso aos grupos paramilitares, assim como o fim da liberdade de imprensa e corrupção.
É nos aspetos positivos da política do pai que se centra Keiko, que tem de lutar contra os fantasmas do fujimorismo se quer conquistar a maioria dos 23 milhões de eleitores e regressar ao palácio presidencial - ela que desempenhou o papel de primeira-dama quando os pais se divorciaram. "Sei como olhar para a história do meu país. Sei que capítulos devem ser repetidos e tenho muito claro quais não devem ser", disse Keiko no debate entre os dez candidatos, assinando um compromisso de não embarcar pelo autoritarismo. Há cinco anos não convenceu e perdeu para Ollanta Humala.
[citacao: Sei como olhar para a história do meu país. Sei que capítulos devem ser repetidos e tenho muito claro quais não devem ser]
O assinar do compromisso não impediu que a 5 de abril, no 24.º aniversário do autogolpe do pai em 1992, cerca de 30 mil peruanos tenham marchado em protesto contra a candidatura de Keiko. "Fujimori nunca más!", gritaram. "Estamos indignados diante da possibilidade de a filha de um corrupto ser presidente", disse uma das manifestantes à AFP. Por causa dos "anticorpos" que gera o nome Fujimori, há 51% dos eleitores que dizem que nunca votariam em Keiko, segundo uma sondagem da Ipsos de sexta-feira.
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De acordo com essa mesma sondagem, a filha de Fujimori tem 37,7% das intenções de voto. Os dois candidatos mais bem colocados para passar à segunda volta, marcada para 5 de junho, são Pedro Pablo Kuczynski, ex-ministro da Economia e Finanças e favorito dos empresários e investidores, e Verónika Mendoza, congressista de esquerda que teve uma ascensão meteórica nas últimas semanas.
Kuczynski tem 20,3% das intenções de voto na sondagem, contra 20,1% de Mendoza. Ambos estão tecnicamente empatados (a margem de erro é de 2,3 pontos percentuais), mas a candidata de esquerda tem vindo a subir nas últimas semanas, podendo surpreender o ex-ministro quando todos os votos forem contados. Num cenário de segunda volta, a candidata da Força Ampla perderia para Keiko por um ponto, enquanto o da Aliança para a Grande Mudança poderia bater a favorita da Força Popular por sete pontos.
Numa eleição marcada pela dicotomia fujimorismo/antifujimorismo, não houve espaço para discutir as preocupações dos peruanos: insegurança (30% dizem já ter sido vítimas de um crime), corrupção e economia. Longe do crescimento de 6% ou 7% de há uns anos, o PIB peruano cresceu apenas 2,7% no ano passado, com o setor mineiro e petrolífero a representar 74% das exportações do país (quarto maior produtor mundial de cobre).
Keiko defende a continuação do modelo económico atual, apostando num fundo de sete mil milhões de dólares como almofada financeira se o preço do cobre continuar a descer. Kuczynski, favorito dos investidores, quer cortar na burocracia e procurar parceiros privados para os projetos de infraestruturas. Já Mendoza, que assusta mais os economistas, quer "renegociar os contratos com as petrolíferas" e "rever as concessões mineiras".
Candidatos excluídos
A campanha ficou marcada pelas denúncias e processos de exclusão que afetaram dois candidatos que, a determinada altura, foram os favoritos para atrair o voto antifujimorista. Julio Guzmán, que tinha subido nas sondagens entre novembro (0,5%) e finais de janeiro (10,4%) graças a um bom uso das redes sociais, foi afastado da corrida por problemas no registo do partido (mudou de símbolo e nome recentemente). Já César Acuña, que tinha estado bem colocado nas sondagens até vir a público o escândalo sobre o alegado plágio da sua tese, foi afastado por entrega de dinheiro a eleitores.
Keiko Fujimori foi denunciada por esse mesmo motivo, mas o Júri Nacional de Eleições decidiu a seu favor. O mesmo aconteceu a Kuczynski, que os opositores acusaram de ter comprado cerveja e outras bebidas para uma aldeia andina. A continuação de ambas as candidaturas levou muitos a criticar a isenção deste organismo e das eleições.
Os dois candidatos viram-se entretanto também envolvidos nos Papéis do Panamá, após a revelação de que os nomes de financiadores ou amigos surgem como donos de empresas offshore ligadas à sociedade de advogados Mossack Fonseca. Nesta primeira volta, o escândalo pode prejudicar mais Kuczynski - que escreveu uma carta de recomendação para um amigo poder criar uma offshore. O candidato nega qualquer evasão fiscal.
Ainda antes de serem conhecidos os resultados, já é claro que há dois perdedores: os ex-presidentes Alan García e Alejandro Toledo. Nesta primeira volta, o objetivo era ver quem conseguiria ficar como candidato do antifujimorismo, frente à clara favorita Keiko Fujimori. Mas nem Alan García, que teve um primeiro governo desastroso entre 1985 e 1990 e sobreviveu politicamente à perseguição por parte do regime fujimorista da década seguinte, voltando ao poder em 2006, nem Toledo, o homem que liderou as marchas contra Fujimori e foi presidente entre 2001 e 2006, conseguiram recuperar a mística que os converteu em referências na luta contra o regime dos anos 1990.
PRINCIPAIS CANDIDATOS
Keiko Fujimori
› Candidata da Força Popular (direita)
› Nasceu há 40 anos em Lima
› Tirou um MBA na Columbia Business School
› É casada e tem duas filhas
› A filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), detido por violação dos direitos humanos e corrupção, é a favorita nas sondagens. Em 2011 perdeu para Ollanta Humala.
Pedro Pablo Kuczynski
› Aliança para a Grande Mudança (centro-direita)
› Nasceu há 77 anos em Lima
› Estudou Economia em Oxford e em Princeton
› É casado e tem três filhos
› Passou pelo setor económico, antes de ser ministro da Energia nos anos 1980 e da Economia e Finanças de 2004 a 2005, quando se tornou primeiro-ministro. Foi 3º em 2011.
Verónika Mendoza
› Candidata da Frente Ampla (esquerda)
› Nasceu há 35 anos em Cuzco
› Estudou Psicologia em Paris e em Madrid
› É casada com o músico Jorge Millones
› Tem dupla nacionalidade, peruana e francesa, por a sua mãe ter nascido em França. É deputada desde 2011. Em outubro venceu as eleições internas e foi nomeada candidata.