Presidente da Fundação O Século suspeito de desfalcar instituição
"Não penso que venha a ser constituído arguido", declarava ontem a meio da tarde, em direto para as televisões, Emanuel Martins, presidente do conselho de administração da Fundação O Século, depois de a Polícia Judiciária ter feito buscas à instituição, em S. Pedro do Estoril, de manhã, para levar provas relacionadas com crimes de peculato (apropriação ilegítima de fundos públicos por funcionário) e abuso de poder. Mas estava enganado o ex-vereador socialista da Câmara de Oeiras, então presidida pelo social-democrata Isaltino Morais.
Emanuel Martins e o vice-presidente da Fundação, João Ferreirinho, vão ser constituídos arguidos - "garantidamente", segundo fonte da Judiciária ao DN, na sequência de uma investigação da unidade que combate a corrupção.
Numa nota publicada no site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa lê-se ainda que os alegados factos terão ocorrido entre 2012 e a presente data.
Ao final da tarde, em declarações ao DN, Emanuel Martins mantinha a sua convicção: "Não penso que venha a ser constituído arguido. Não há matéria de facto para isso. Aliás, foi com surpresa que li há pouco no vosso site que iria ser, já que a Polícia Judiciária não me informou disso quando aqui esteve."
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"A moda" de investigar IPSS
Depois do sucedido na Raríssimas - que levou à substituição da presidente Paula Brito da Costa, afastada por suspeita de má gestão - foi a vez de outra IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social) ser notícia por alegadas irregularidades. E as acusações são muito similares. Os dois administradores da Fundação terão usado cartões de crédito da instituição para pagar despesas pessoais, como jantares e viagens, e também são suspeitos de contratação abusiva de familiares para cargos na instituição. Emanuel Martins desmente tudo: "Os cartões de crédito foram sempre usados ao serviço da Fundação. As viagens que fiz ao estrangeiro foram sempre por motivos profissionais. Quanto às contratações de familiares, todas as pessoas que trabalham cá já aqui estavam antes de eu ser presidente da Fundação ou então foram recrutadas depois pelo departamento de recursos humanos." E desabafa: "A moda funciona muito nestas coisas, agora investigam-se as IPSS."
Devido ao estado financeiro precário da instituição, o dirigente chegou a colocar o seu "lugar à disposição". "Foram-nos retirados 2,6 milhões de euros anuais de um orçamento de 4 milhões." "Temos resultados negativos e por isso precisamos da atividade empresarial para fazer o que fazemos", adiantou, justificando alegadas viagens, como uma a Madrid "para achar uma empresa que hoje dá dezenas de milhares de euros à Fundação".
"O homem do Lemo"
Em Oeiras, o Bloco de Esquerda municipal levantou em 2012 uma série de suspeitas sobre supostas irregularidades da gestão de Emanuel Martins à frente da empresa municipal Lemo (Laboratório de Ensaios de Materiais de Obras). As acusações eram de abuso de poder, colocação de familiares em cargos, despesismo e má gestão.
Numa intervenção sobre a Lemo na Assembleia Municipal de Oeiras, a 22 de maio de 2012, Miguel Pinto, deputado municipal do BE, declarou: "O homem do lemo começou a oferecer lugares e cargos ao melhor estilo do despotismo desenfreado. À boa maneira de um mãos largas coloca a filha, coloca os enteados, os amigos da filha, os amigos dos enteados, os amigos políticos, coloca toda a gente que o espaço físico da empresa permite." Mais adiante, Miguel Pinto foi mais direto: "O homem do lemo tem nome. Chama-se Emanuel Martins. É militante do PS. Foi presidente da comissão política concelhia de Oeiras do PS. Foi deputado municipal e, mais tarde, vereador a tempo inteiro, com ordenado de cerca de três mil euros, ajudas de representação, carro à disposição, motorista Tudo isto foi oferecido por Isaltino Morais, dando Emanuel Martins, em troca, os votos do PS para garantir a maioria na Câmara a Isaltino." Emanuel Martins disse ao DN nunca ter sido arguido antes em qualquer processo-crime.
Troca de acusações em Lisboa
Emanuel Martins considera que o caso pode prejudicar a imagem da Fundação, e aproveitou a ocasião para chamar a atenção para outra questão que envolve a Câmara de Lisboa. "Estamos tranquilos, mas vamos tentar que isto seja uma oportunidade, que as pessoas sejam suscitadas para a questão maior, que é o facto de termos sido espoliados em 4,2 milhões pela Câmara de Lisboa, para alem de termos ficado sem Feira Popular. Espero que isso seja motivo de preocupação de toda a sociedade civil", afirmou.
A CML reagiu de imediato "Em 2012, a Câmara Municipal de Lisboa fez um acordo com a Fundação O Século em que rescindiu os protocolos anteriores entre as duas entidades, por mútuo acordo, com contrapartida do pagamento de um milhão de euros por parte da CML e mais a cedência de um direito de superfície de um terreno para exploração de uma bomba de gasolina na Praça José Queirós", argumenta a autarquia.
A câmara liderada por Fernando Medina adianta que "a petrolífera BP pagou 8 milhões de euros à cabeça à Fundação O Século, para a exploração do posto de abastecimento, e esta recebe ainda uma renda anual daquela empresa".