Pregão desaparecido renasce com madrinha que é de todos
Quando, há seis anos, Humberto Jorge entrou pela primeira vez na Marcha dos Mercados a convite de duas primas, nunca desfilara por qualquer bairro lisboeta. Tinha 43 anos. Ontem, foi com simplicidade e um sorriso nos lábios que admitiu que já não consegue parar. "Tenho aqui uma família muito grande. Amigos que nunca teria conhecido", atirou, quase que a convidar à festa que logo se formou, em sua homenagem, no campo de jogos situado no topo do Mercado 31 de Janeiro, nas Picoas.
"Ei! Ei! Ei! Os mercado é que é!", gritava uma das marchantes, durante uma paragem num ensaio que visou sobretudo afinar os últimos pormenores antes do desfile na Avenida da Liberdade. No Meo Arena (antigo Pavilhão Atlântico), avalia Luísa Carvalho, a exibição "correu menos mal", mas a certeza da responsável pela marcha é de que, amanhã à noite, "vai correr melhor". E que, aconteça o que acontecer, nunca irá faltar alegria num momento que, diz a experiência, é sempre especial.
"Então quando entra a madrinha e todos gritam o nome dela", confidenciou, com os olhos a brilhar... mas não tanto como os de Anita Guerreiro. "É algo que não voltarei a ter na vida", justificou a fadista e atriz, depois de ter apregoado as palavras que, este ano, inspiram o conjunto organizado pela Associação dos Comerciantes nos Mercados de Lisboa e ensaiado por Pedro Augusto.
"O tema é "Freguesa, quem me acaba o resto?"", revelou Luísa Carvalho, explicando que se tratava do pregão utilizado pelas vendedoras, "e principalmente pelas peixeiras", quando restava pouco para vender. A época era aquela em que "ainda se podia apregoar nos mercados", que atualmente se juntam na marcha criada em 2005.
"Assim, passo a ser madrinha de todos os bairros, porque há mercados em todos os bairros", sintetizou Anita Guerreiro, que, desde 1954, já defendeu "quase todos" os conjuntos populares. Os últimos sete anos foram passados na Marcha dos Mercados. "Estes ao menos já sabem que não vão ganhar", frisou, sem esconder que, quando perdia, ficava tão triste como os seus "afilhados". Uma condição emocionalmente confortável que, ainda assim, não diminui o empenho dos participantes, alguns deles clientes dos mercados lisboetas.
Padrinhos: Anita Guerreiro e João de Carvalho