PP deixa cair cordão sanitário a Vox. Fazer comparações com Portugal "não é líquido"

Os contextos são diferentes, mas politicamente há semelhanças. Podendo o governo de Espanha "virar" à direita já nas eleições de domingo, António Martins da Cruz, Diogo Noivo e Bruno Costa não veem qualquer impacto nas relações entre os dois países: "Partilham a mesma visão sobre o futuro da Europa em vários setores."
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Neste momento, o desfecho é incerto. As sondagens em Espanha apontam para uma vantagem do PP, liderado por Alberto Núñez Feijóo. Mas, ao que tudo indica, os populares não conseguirão governar sozinhos, sem o apoio de outros partidos, tal como o PSOE (que já governa coligado com o Unidas Podemos). Inicialmente apontadas para o final do ano, as legislativas realizar-se-ão, agora, a 23 de julho, o próximo domingo.

Em Portugal, as últimas sondagens também não garantem maioria para nenhum dos lados. No entanto, "a comparação não é, propriamente, assim tão líquida", diz ao DN António Martins da Cruz, ex-embaixador português em Madrid e ministro dos Negócios Estrangeiros entre abril de 2002 e outubro de 2003. "Há uma particularidade em Espanha: todas as regiões têm governos, e isso é um fator importante", analisa o diplomata, lembrando que a Catalunha e o País Basco têm, até, outra particularidade: os movimentos e partidos independentistas. "Até agora, esses partidos, sobretudo na Catalunha, têm apoiado o governo do PSOE no Parlamento, nas alturas visíveis, de aprovação de leis e orçamentos, por exemplo. Não sabemos que condições vão pedir para continuarem a apoiar se se der o caso de não passar um governo do PP", refere.

Apesar das diferenças, há alguns traços que unem os dois países em termos políticos. No Parlamento Europeu, os dois partidos socialistas "estão no grupo dos Socialistas e Democratas", "o PSD e o PP, no Partido Popular Europeu". Mas os partidos com quem se podem coligar, num caso e noutro, são diferentes, na leitura do diplomata. "Em Espanha, por exemplo, o partido comunista é, praticamente, inexistente. Em Portugal, ainda tem alguma expressão. Por outro lado, o Vox [de extrema-direita, e possível aliado do PP] tem algumas ligeiras diferenças com o Chega, ao nível daquilo que defendem", analisa. Já Diogo Noivo, politólogo, explica que "o PSOE acabou por se coligar com o Unidas Podemos, que é um partido muito mais radical do que Bloco de Esquerda ou PCP, isso rompeu com os princípios fundadores da democracia espanhola".

Já Bruno Costa, politólogo e investigador na Universidade da Beira Interior (UBI), ressalva que "António Costa, com a edificação da geringonça, serviu de modelo para a ação de Sánchez em Espanha, que governa com o apoio de vários partidos de extrema-esquerda. Um novo ciclo político em Espanha, com uma possível coligação entre PP e Vox pode passar a mensagem de normalização destas alianças", que, recorda, já existem no contexto "regional e local" em Espanha, algo que, em Portugal, só se verifica nos Açores.

Mas Diogo Noivo recorda outra dimensão: os cordões sanitários feitos pela direita tradicional aos partidos mais radicais. "O anterior presidente do PP, Pablo Casado, disse, desde o primeiro dia que, "com o Vox, não, nunca, jamais". Isso fez com que ganhassem mais votos. Mas Alberto Núñez Feijóo mostrou-se diferente, dizendo que quer governar sozinho, mas que, se precisar, poderá fazer acordos mínimos", recorda. Isto, no seu entender, "esvaziou o Vox, indo buscar eleitores". Porquê? "No fundo, aquilo que Alberto Núñez Feijóo disse foi que, no final das contas, votar no PP ou no Vox poderia ser o mesmo, tendo em conta que culminaria com o final do governo Sánchez. Esta postura fragilizou o Vox. Se há ilação que se deva retirar do contexto espanhol, é essa. O discurso que têm cá em relação ao Chega devia ser mais nesta linha". Ainda assim, diz o politólogo, "quaisquer outras comparações não devem ser feitas. São contextos muito diferentes, que acabam por ter as suas próprias especificidades", como os já referidos movimentos separatistas.

No governo desde 2018, Pedro Sánchez tem partilhado a sua governação com António Costa, primeiro-ministro português. Antes, o governo espanhol era liderado por Mariano Rajoy, do PP, que estava no cargo desde 2011 (ano em que, cá, o governo era do PSD, encabeçado por Pedro Passos Coelho).

Agora, Espanha vai a eleições antecipadas, após uma derrota do PSOE em toda a linha nas últimas regionais (a 28 de maio). Das nove comunidades autónomas em que eram governo e que foram a votos, os socialistas só conseguiram a maioria absoluta numa. O Partido Popular (PP) saiu como grande vencedor das eleições.

Caso se confirmem agora as projeções, pode chegar ao fim a governação de Pedro Sánchez, um dos principais aliados de António Costa (o primeiro-ministro espanhol até esteve no aniversário do PS, em abril). Contudo, uma eventual mudança no governo espanhol não deverá prejudicar as relações entre os países. Martins da Cruz recorda que "olhando para os últimos 30 ou 40 anos, é possível concluir isso mesmo. Sejam ou não governos com a mesma ideologia, sempre conseguiram conviver e as relações nunca saíram afetadas". Diogo Noivo é da mesma opinião: "Sou muito cético sobre as ilações que devemos tirar de Espanha. Mas não vejo, mesmo, grandes efeitos nas relações entre os países."

Para Bruno Costa, a análise é a mesma: "Não antevejo grandes alterações. Independentemente da cor do governo, há uma relação política, económica e diplomática fundamental entre os dois países, que partilham a mesma visão sobre o futuro da Europa em vários setores."

Olhando para os dois casos, há, também, sinais que confirmam o fim do domínio de dois partidos tradicionais (PS + PSD, cá; PSOE + PP, em Espanha). "Esta é uma Espanha na qual já não existe bipartidarismo. Quer PSOE, quer PP precisarão, ao que tudo indica, de outros atores políticos para conseguirem governar", analisa Diogo Noivo.

Mas, para Bruno Costa, a situação é diferente. "Há uma margem de mimetização de comportamentos e especificações dos sistemas [eleitorais]. Em ambos os casos já tivemos uma bipartidarização mais acentuadas, sendo que agora assistimos, nos dois casos, a uma maior abertura e diversidade partidária. Há quem acredite numa mudança de ciclo político em Espanha, numa continuidade face aos resultados das eleições regionais e autonómicas, sendo que esta mudança pode impulsionar um efeito "bola de neve"", analisa. Com as europeias aí à porta (em 2024), pode isto significar que uma eventual derrota do PS represente eleições antecipadas? Bruno Costa não crê. "Acontecem a meio de um mandato de maioria absoluta, sendo eleições marcadas por uma forte abstenção e uma menor relevância do voto útil, o que criará dificuldades ao PS, mas também ao PSD." No entanto, o investigador destaca outra variável na equação: uma eventual derrota de Pedro Sánchez nas legislativas do próximo domingo "pode abrir portas para que o líder do PSOE tente um cargo europeu. Isso limitaria as hipóteses de António Costa, visto que pertencem à mesma família política europeia", refere.

rui.godinho@dn.pt

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