Vencedores e vencidos da derrocada socialista em Espanha
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, não perdeu tempo depois do desaire socialista nas eleições municipais e autonómicas e anunciou a antecipação das legislativas para 23 de julho. Com a sua decisão, o líder do PSOE marcou a agenda desviando a atenção da festa do Partido Popular (PP) de Alberto Núñez Feijóo, tenta evitar o desgaste de mais seis meses de governo de coligação com a Unidas-Podemos e coloca a campanha em plena negociação de formação dos governos autonómicos. Desta forma, poderá insistir na ideia de dependência do maior partido da oposição da extrema-direita do Vox, na expectativa de mobilizar o eleitorado progressista e de esquerda.
O PP de Feijóo, que foi o claro vencedor da noite eleitoral, fez das eleições de domingo uma espécie de referendo ao "sanchismo". E o primeiro-ministro assumiu os resultados "na primeira pessoa" antecipando as legislativas - que podiam realizar-se até 10 de dezembro. Numa curta intervenção ainda antes da hora de almoço, Sánchez lamentou que muitos autarcas e presidentes regionais socialistas tenham perdido os cargos. E disse que "o sentido de voto passa uma mensagem que vai mais além" das municipais e autonómicas, sendo por isso preciso "submeter" o seu mandato "à vontade popular".
O líder socialista lembrou que o governo já empreendeu as reformas que tinha previsto e que Espanha se prepara para assumir a presidência rotativa da União Europeia (UE), no segundo semestre deste ano. "Tudo isto aconselha uma clarificação dos espanhóis sobre as forças políticas que devem liderar esta fase e as políticas a aplicar. Só há um método infalível, que é a democracia. O melhor é que os espanhóis tomem a palavra para definir sem demora o rumo político do país", defendeu.
Feijóo, que chegou à liderança do PP há pouco mais de um ano, mostrou-se preparado para ir às urnas mais cedo que o previsto - mas criticou o anúncio destinado a fazer com que os resultados eleitorais "passassem despercebidos". Numa declaração ao princípio da tarde, onde era visível precisamente o novo lema "Uma Espanha preparada", lembrou que "o sanchismo ainda não foi revogado" e pediu uma maioria "clara, contundente e incontestável" para iniciar "um novo rumo" para o país. Defendendo que o modelo da coligação de esquerda está "esgotado" e deve "acabar de vez", Feijóo pediu a confiança dos eleitores para ser o próximo presidente do governo.
A antecipação das eleições permitirá a Sánchez fazer campanha numa altura em que poderão ainda estar a ser negociados os governos autonómicos - em muitas regiões os parlamentos só se reúnem a primeira vez a partir de dia 22 de junho. Isso permitirá chamar a atenção para os pactos que o PP terá que fazer com o Vox - e que provavelmente também terá que fazer a nível nacional se quiser governar nos próximos anos.
Nas autonómicas, o PP conseguiu duas maiorias absolutas - Comunidade de Madrid e La Rioja - e venceu noutras cinco comunidades - Aragão, Cantábria, Ilhas Baleares, Comunidade Valenciana e na Região de Múrcia. Precisará do apoio do Vox nessas regiões, podendo ainda governar na Extremadura (onde teve menos votos, mas os mesmos lugares no Parlamento regional) e nas Canárias (neste caso com a Coligação Canária, apesar de o PSOE ter sido também o mais votado).
O líder do Vox, Santiago Abascal, qualificou a decisão de adiantar as legislativas como "a única notícia positiva que Pedro Sánchez deu em quatro anos", confiante que isso não afetará as negociações com o PP. A Feijóo pediu "patriotismo e responsabilidade" para criar uma alternativa de direita nas regiões em que ganhou, mas sem maioria, deixando totalmente de lado o PSOE. Não deu mais pormenores sobre o que pedirá em troca do apoio do partido, defendendo que não é altura para "ultimatos ou exigências".
Com o adiantar das eleições, Sánchez apanha a esquerda desprevenida. Unidas-Podemos e Sumar (o projeto da vice-primeira-ministra e titular da pasta do Trabalho Yolanda Díaz) têm apenas dez dias para chegar a um acordo em relação a uma aliança tendo em vista as legislativas de 23 de julho. Uma negociação que se tem revelado complicada. Agora, o diálogo decorre com o Podemos numa posição de fragilidade, depois de desaparecer da Comunidade de Madrid, da Comunidade Valenciana e das Canárias, perdendo praticamente todo o seu poder a nível autonómico. O Sumar não foi a votos, mas Yolanda Díaz apoiou vários projetos de esquerda e também não saiu bem na fotografia.
"A mensagem que recebemos foi muito clara: é preciso fazer as coisas de outra maneira. Sem distrações. Desde este momento estamos a trabalhar para ganhar a 23 de julho. Assumo o desafio", escreveu a líder do Sumar no Twitter. "Este país tem muito futuro. São tempos de audácia. Temos um projeto para continuar a dar resposta aos desafios sociais, ecológicos e económicos do nosso país. Frente à Espanha negra de Feijóo, saímos a ganhar. As pessoas estão à nossa espera", acrescentou.
A secretária-geral do Podemos e ministra dos Direitos Sociais, Ione Belarra, disse ontem que as negociações para atingir a "unidade" já começaram. "A nossa formação já trabalha para dar à cidadania progressista a notícia que espera há tanto tempo. Para que este espaço político se apresente unido às eleições e possamos ganhar. Não apenas para revalidar o governo de coligação, mas governar com mais força", indicou.
A decisão de Sánchez de adiantar as eleições faz com que estas caiam em pleno verão pela primeira vez - nunca houve eleições em julho ou agosto. Isso poderá apanhar muitos eleitores de férias. Uma alternativa pode ser pedir o voto por correio - algo que os espanhóis terão que fazer até 13 de julho. Contudo, o voto por correio viu-se nestas eleições municipais e autonómicas envolto em polémica, com casos de compra de votos em Melilla e Mojácar (tendo sido abertas investigações).
A campanha e as eleições vão ainda decorrer numa altura em que Espanha está na presidência rotativa da UE - não é caso único, aconteceu por exemplo com as presidenciais francesas de 2022. Já era suposto as eleições caírem no segundo semestre, mas mais para o fim da presidência, dando tempo ao governo de Sánchez de marcar a agenda que tem vindo a preparar há meses. A esperada cimeira entre a UE e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), por exemplo, será em plena campanha, entre 17 e 18 de julho.
VENCEDORES
Alberto Núñez Feijóo, PP
As eleições eram municipais e autonómicas, mas o líder do PP, que há pouco mais de um ano pegou num partido desunido e em sérias dificuldades, transformou-as numa espécie de referendo contra o "sanchismo". E ganhou a aposta, com o PP a ganhar mais quase dois milhões de votos nas municipais em relação a 2019 e o primeiro-ministro a decidir antecipar as eleições legislativas. Esse será o teste de fogo para o galego.
Isabel Díaz Ayuso, PP
A presidente da Comunidade de Madrid pedia uma maioria absoluta e conseguiu-a, ganhando terreno ao Vox e deixando de precisar do apoio do partido de extrema-direita para governar. Com a sua vitória, ajudou também o presidente da câmara da capital, José Luis Martínez-Almeida, a conseguir também uma maioria absoluta que as sondagens não davam, tendo este somado os votos que eram do Ciudadanos. Isabel Díaz Ayuso, que foi a carrasco de Pablo Casado à frente do PP, elegeu como adversário Pedro Sánchez e isso deu resultado.
Santiago Abascal, Vox
O partido da extrema-direita duplicou os votos em relação às municipais de 2019 (passou de 530 vereadores para 1687) e, com exceção da Galiza que agora não foi a votos, está já em todos os parlamentos autonómicos. A maioria absoluta do PP em Madrid tirou-lhe um trunfo, mas o maior partido da oposição vai precisar de negociar com o Vox para conseguir governar em várias das regiões que ganhou.
Emiliano García-Page, PSOE
É um dos poucos socialistas a poder estar na coluna dos vencedores, tendo conseguido manter a maioria absoluta na região de Castela-Mancha - apesar de ter perdido dois membros no parlamento regional. García-Page é, dentro do PSOE, uma voz crítica em relação a Sánchez e tem procurado manter a distância em relação ao chefe de governo. Uma estratégia que resultou.
VENCIDOS
Pedro Sánchez, PSOE
O primeiro-ministro foi forçado a assumir a responsabilidade da derrota socialista, tendo consciência que o mau resultado eleitoral é também uma resposta à política de governo. A nível nacional, o PSOE só perdeu cerca de 400 mil votos em relação a 2019, mas isso traduziu-se em menos 1500 vereadores a nível municipal. E o PP pode governar em sete das dez maiores cidades do país. E, nas autonómicas, o desaire foi maior, com uma única maioria absoluta, em Castela-Mancha. O PSOE deverá ainda governar nas Astúrias e em Navarra (se conseguir reeditar o pacto de 2019).
Unidas Podemos e Sumar
O espaço à esquerda do PSOE ficou mais pequeno, com a Unidas Podemos a ter maus resultados eleitorais - fica fora do Parlamento da Comunidade Valenciana e das Canárias, assim como da Assembleia de Madrid. Fazia parte de seis governos regionais e poderá ficar só com Navarra e Astúrias (onde Podemos, de Ione Belarra, e Esquerda Unida, de Alberto Garzón, concorreram separadas). O Sumar, de Yolanda Díaz, não foi a votos, mas apoiava vários projetos que não tiveram também bons resultados. A antecipação das eleições obriga esta esquerda a chegar rapidamente a acordo se quiser ir a votos unida - tem só dez dias.
Ciudadanos
O partido de centro consolida o seu mau momento, quase desaparecendo depois de há quatro anos ter sido o terceiro mais votado. Perdeu 1,6 milhões de votos e quase 2400 vereadores a nível municipal, desaparecendo de todos os parlamentos autonómicos que estavam em jogo e da autarquia de Madrid, onde ocupava a vice-presidência. O partido reúne hoje para decidir se vai ou não às legislativas.
Ada Colau, En Comú
A presidente da câmara de Barcelona, um dos rostos da esquerda progressista (que teve o apoio de Yolanda Díaz), não foi além do terceiro lugar. Ficou atrás do ex-autarca Xavier Trias (dos independentistas de direita, Junts per Catalunya) e do socialista Jaume Collboni. Um acordo a três, entre comuns, socialistas e com os independentistas da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), podia fazer de Colboni presidente da câmara. Mas a ERC não parece disponível. Colau, que tinha aspirações a líder do governo catalão, arrisca com esta derrota ver o sonho desfeito.
Vara e Puig, PSOE
O presidente da Extremadura, Guillermo Fernández Vara, perdeu a maioria absoluta que tinha, ficando com os mesmos lugares no Parlamento que o PP e devendo ficar fora do governo se este partido conseguir o apoio do Vox - que fez melhor do que a marca do Podemos na região. Vara deverá abandonar a política. Outro dos barões socialistas que sai derrotado é Ximo Puig, que não conseguiu ganhar na Comunidade Valenciana nem tem os números para reeditar o pacto que o levou ao poder em 2015 - apesar de o PP ter sido então o mais votado.
susana.f.salvador@dn.pt