Poupança com juros no empréstimo permitiu a Centeno brilhar

Mecanismo da zona euro diz que dívida pública de Portugal é uma vulnerabilidade importante, mas Regling acha que ajustamento "necessário" não será tão "doloroso" como na crise anterior.
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O excedente orçamental público de 0,1% do produto interno bruto (PIB) alcançado em 2019 e celebrado pelo governo e pelo ministro das Finanças de então, Mário Centeno, foi possível graças à significativa poupança com juros gerada por via das condições muito vantajosas do empréstimo do maior credor de Portugal, o mecanismo de estabilidade da zona euro (ESM, na sigla em inglês).

De acordo com a instituição dirigida por Klaus Regling, Portugal obteve uma poupança nos juros na ordem dos 0,7% do PIB, cerca de 1,5 mil milhões de euros, em 2019. Ou seja, sem esta benesse, Portugal poderia ter registado um défice de 0,6% nesse ano em vez do tal excedente.

Ontem, na apresentação do relatório anual relativo a 2020 do Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM) também ficou a saber que a poupança global com juros desde 2011 (quando começou o programa de resgate da troika e os credores oficiais passaram a financiar a República que entrou em bancarrota e perdeu o acesso aos mercados) ascende a um equivalente de 5,3% do PIB.

De acordo com cálculos do Dinheiro Vivo (DV) com recurso aos valores do PIB nominal apurados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), significa que as regras do empréstimo do ESM, no valor de 26 mil milhões de euros, geraram uma poupança na ordem dos 9,9 a 10 mil milhões de euros nestes nove anos em análise (2011 a 2019).

Segundo o IGCP, a agência que gere a dívida portuguesa, Portugal deve começar a reembolsar o ESM em 2025. Este calendário está, no entanto, ainda sujeito a alterações.

Trata-se de um alívio significativo nos juros e, virtualmente, este seria mais do que suficiente para pagar toda a despesa anual com juros de Portugal. Em 2020, Portugal teve de pagar aos credores da República um total de 7,8 mil milhões de euros em juros e encargos (contabilidade pública).

Até 2019 é possível ao ESM dizer que beneficiou Portugal nos juros pois as idas aos mercados da dívida reverteram-se em taxas de juro mais elevadas.

Mas, segundo apurou o DV, em 2020, já não foi bem assim. As taxas de juro de médio e longo prazo caíram para perto de zero. O custo médio do pacote de empréstimos do ESM ronda os 1,5%, também segundo o IGCP.

A poupança elevada com juros ao longo destes anos foi importante para o Orçamento do Estado e para fazer baixar o défice, mas a dívida continua a ser uma das mais elevadas da zona euro e do mundo desenvolvido. Medida em termos do PIB, o fardo do endividamento está em quase 130%.

Isso mesmo foi ontem apontado por Regling e no novo estudo do ESM. A dívida portuguesa é enorme, maior ficou por causa da pandemia e isso é uma vulnerabilidade para Portugal e as contas públicas. Este problema vai ter de ser endereçado com muita disciplina orçamental depois desta crise pandémica passar, avisou.

O diretor-executivo do mecanismo foi questionado sobre se os países mais endividados vão ter de fazer novos ajustamentos orçamentais e económicos para equilibrar o alto endividamento.

Regling respondeu que, em princípio, não vai ser tão exigente quanto há dez anos (na crise da dívida).

"Considero que é muito importante entender a diferença face à crise atual, que foi desencadeada por um choque externo, em que todos os países do mundo sofrem com a covid-19", começou por referir o economista alemão.

"Claro, os países que têm uma forte indústria do turismo sofrem mais do que outros, mas todos sofrem. Mas há dez anos, vários países da Europa tinham problemas realmente sérios, especialmente com a competitividade." Para Regling, esse cenário não se coloca hoje. Esses problemas foram resolvidos nos programas de ajustamento.

"Havia desequilíbrios macroeconómicos significativos em Portugal, Grécia e outros que precisavam de ser combatidos. E isso foi doloroso porque exigiu algum ajustamento real", recordou o líder do ESM.

No entanto, o representante do maior credor de Portugal considera que "não precisamos de nos preocupar com isso hoje porque não há desequilíbrios macroeconómicos" dessa magnitude que precisem ser corrigidos.

Em todo o caso, a resposta ao choque criado por esta pandemia "é caro". "É por isso que a dívida está a aumentar em todos os países, mas foi a resposta certa. E acho que todos os Estados-Membros são capazes de lidar com esta dívida mais elevada. Mas não se coloca uma necessidade tão dolorosa como há 10, 12 anos de corrigir os desequilíbrios macroeconómicos acumulados".

No relatório anual, o ESM deixa avisos sérios ao País. "O peso da dívida pública de Portugal é elevado e continua a ser uma vulnerabilidade importante".

A dívida portuguesa "atingiu um máximo histórico devido à crise pandémica, mas deverá diminuir gradualmente no médio prazo à medida que a economia recupera, embora um crescimento mais fraco e as possíveis cicatrizes deixadas pela crise possam prejudicar esse ritmo de redução da dívida", remata a instituição à qual Portugal deve quase 26 mil milhões de euros, como referido.

luis.ribeiro@dinheirovivo.pt

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