Portugueses têm de trabalhar 11 anos sem gastar para comprar casa

Cálculos são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos. Famílias portuguesas são as mais endividadas de toda a OCDE no recurso ao crédito à habitação.
Publicado a
Atualizado a

Uma família portuguesa precisaria de 11,4 anos de rendimento disponível para conseguir comprar uma casa de 100 metros quadrados, sem recurso a empréstimos. As contas são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) e constam do relatório Brick by Brick: Building Better Housing Policies ("Tijolo a tijolo: Construir melhores políticas de habitação"), divulgado ontem.

O rendimento disponível respeita ao montante que as famílias retêm depois dos impostos e descontos para a Segurança Social, por exemplo. Este exercício serve para ilustrar a subida dos preços das casas na maior parte dos países-membros nos últimos anos.

Analisando a última década, os portugueses precisam de trabalhar um pouco mais para conseguirem comprar uma casa de uma dimensão semelhante, que corresponderá a um T3 - três quartos, uma sala e uma cozinha. Em 2010, utilizando a mesma métrica, seriam necessários 9,5 anos para acumular um valor suficiente. Ou seja, registou-se um aumento de 1,9 anos. E tem vindo sempre a subir, mesmo em tempo de pandemia, assinala a organização sedeada em Paris.

Portugal surge no grupo de países onde o rácio preço/rendimento (que permite perceber a capacidade de aquisição das famílias) durante o ano de covid-19 manteve um "aumento constante", surgindo ao lado de Estados-membros como a Áustria, o Chile, a Finlândia, a Alemanha, o Luxemburgo ou a Suíça.

O mesmo acontece com o preço das casas. "Analisando a evolução dos preços reais das casas entre 2019 e 2020 para estimar o impacto da pandemia de covid-19, registou-se uma subida em todos os países, à exceção de dois", assinala a OCDE. Mais uma vez, Portugal surge no grupo onde esse acréscimo foi mais expressivo. "Em vários países, o crescimento dos preços das casas entre 2019 e 2020 foi significativo: 13% no Luxemburgo, 9% na Turquia e 7% na Estónia, Alemanha, Polónia, Portugal e Eslováquia", sendo que apenas "o Japão e a Irlanda registaram uma estabilidade dos preços reais entre 2019 e 2020." Ou seja, a crise pandémica não abrandou o ritmo do aumento dos preços em Portugal.

No relatório, a OCDE faz ainda uma projeção para os próximos 30 anos - até 2050 - no mercado de habitação nos países-membros. E desta vez, Portugal surge no grupo dos que vão sentir um alívio na pressão dos preços.

Neste exercício, a organização utiliza dados sobre os preços das casas, o investimento residencial e o parque habitacional, assumindo que as políticas atuais se mantêm no horizonte de projeção. Assim, prevê-se que o "rácio preço/rendimento aumente substancialmente no Luxemburgo e na Suécia e, em menor medida, na Austrália, na Nova Zelândia, na Dinamarca, nos Países Baixos e no Reino Unido", assume a OCDE. "Em sentido inverso, prevê-se que as pressões sobre os preços diminuam em vários países, incluindo a Letónia, Portugal, Polónia, Japão ou Itália, principalmente devido à diminuição das populações", conclui.

As famílias portuguesas são as que sentem mais o peso do empréstimo à habitação tendo em conta os seus rendimentos quando comparando com os países da OCDE. E a fragilidade é ainda maior nos agregados com rendimentos baixos.

"O rácio [dívida/rendimento] está bem acima de 100% na maioria dos países da OCDE e ultrapassa os 200% em alguns deles, como Portugal, Espanha e Holanda", refere o relatório.

Os dados mostram ainda outra realidade, quando analisada pela distribuição do rendimento no conjunto da população. As estatísticas recolhidas pela organização sediada em Paris expõem diferenças pronunciadas. Nas famílias do primeiro quintil de rendimento (ou seja, os 20% da população com os rendimentos mais baixos) o rácio dívida/rendimento é de quase 700%. E mesmo no escalão superior de rendimento, o valor é o mais alto dos países da OCDE para os quais existem dados.

"As famílias na parte inferior da distribuição de rendimento são particularmente vulneráveis, quando o valor excede o limite convencional de risco de 300%" (ou um rácio de 3), indicam os técnicos da organização, que alertam para as quebras salariais registadas durante a pandemia. "Na atual conjuntura, a crise da covid-19 cria vulnerabilidades financeiras relacionadas com as hipotecas das famílias, em particular devido à queda de rendimentos como resultado da perda de emprego ou da redução de salário", avisa a OCDE. São "restrições de liquidez que impedem as famílias de, pelo menos temporariamente, pagarem as suas dívidas."

Tendo em conta a pandemia, a organização sugere que os países encontrem "soluções inovadoras" para tornarem as casas mais acessíveis, dando o exemplo de Portugal que lançou incentivos para que os proprietários de alojamentos locais "coloquem no mercado casas disponíveis para a oferta de habitação a preços acessíveis a mais longo prazo".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt