Quantos leitores de poesia existem em Portugal? Ninguém quer avançar um número para os portugueses que são leitores habituais de poesia, mas, como perguntar não é crime, lá se conseguiu um número aproximado para noticiar hoje, Dia Mundial da Poesia: são mil os que leem fielmente poesia em Portugal. Um número que é pequeno se comparado com o de outros períodos da vida cultural portuguesa, mas grande se tivermos em conta a maioria dos países europeus..O editor da Relógio D'Água, Francisco Vale, uma das editoras independentes que fazem questão de manter uma publicação constante deste género literário, concorda com o número, mas considera que os mil leitores até podem ser muitas vezes em quantidade superior: "Se falarmos dos poetas que mais vendem em Portugal, esse número é muitas vezes ultrapassado." Dá exemplos: Fernando Pessoa e Sophia de Mello Breyner Andresen. Ou: "Ruy Belo também tem tiragens interessantes." E não deixa de referir Herberto Helder: "Que de cada livro vende milhares de exemplares.".Alguns destes poetas são da "concorrência", a editora Assírio & Alvim, do grupo Porto Editora, cuja responsabilidade é do editor Manuel Alberto Valente. Que diz sobre as vendas de livros de poesia deste autor: "[Herberto Helder] é uma exceção, mas não vendia 50 mil! É um caso muito especial e não deixava fazer grandes edições.".Para sintetizar o mercado de fazedores e leitores de poesia, Valente recorda um poema de Alexandre O'Neill que diz tudo: "Quem nos lê a nós? São vocês (e nós...) / Quem vos lê a vocês, somos nós (e vocês...)." Versos que resumem também o pensamento do editor sobre o género em Portugal: "A poesia é consumida por um nicho. Foi sempre assim." Acrescenta: "A poesia é lida primeiro pelos poetas, que são grandes consumidores e leem-se uns aos outros, todos; mais um público que gosta de poesia, e os críticos." Em conclusão afirma: "Em Portugal, como em qualquer país do mundo, não me consta que a poesia atinja tiragens extraordinárias. Vende-se o que esse nicho suporta e, é sabido, que não aguenta muito.".Segunda pergunta: em Portugal vende-se mais poesia do que nos outros países? Francisco Vale responde: "Em termos absolutos não creio, mas relativos talvez." Compara as tiragens da poesia com as da prosa e ficção: "Creio que a diferença é menor em Portugal do que em França." Mas não deixa de alertar para uma diferença com os poetas portugueses: "Onde aconteceu uma diminuição da importância dos livros de poesia foi na Alemanha e na Itália, sendo que o primeiro chegou a ter uma edição de poesia ampla e interessante. Atualmente, permanecem a Espanha, França, Portugal e a Roménia com muitos leitores do género.".Terceira pergunta: o que é vender muita poesia? Manuel Alberto Valente confessa que não sabe responder: "Apesar de tudo, acho que a poesia é uma literatura para um nicho, mas posso dizer que se publica muita poesia. Isso é verdade." E dá números de tiragens: "As pequenas editoras tiram 250 ou 300 exemplares." Quanto à Assírio & Alvim, a conversa é outra: "Funciona de outra forma porque tem, sem dúvida, o catálogo mais forte da poesia portuguesa consagrada: Eugénio de Andrade, Sophia, O'Neill, Cesariny... nomes que estão sempre a vender. Mesmo no campo dos novos poetas que vão surgindo, a história que o catálogo tem leva a que as pessoas confiem nas novas vozes que lhes são propostas, o que permite fazer tiragens maiores." Mesmo que avise: "Que são muito pequenas se comparadas com as de um best-seller, mas normal para a poesia em qualquer parte do mundo." Em poucas palavras: "Acho que o público de poesia é escasso mas muito fiel, pois os leitores da poesia compram praticamente todos os títulos que são publicados.".Quando se pergunta ao editor da Relógio D'Água se o segmento da poesia é interessante/rentável para uma editora, a resposta é: "Interessante sim; se não fosse rentável, não teríamos uma coleção com mais de 150 títulos, que não é desastrosa." Francisco Vale explica que "haverá muitos poetas com público reduzido, mas outros têm um muito amplo: Holderlin, Rimbaud, Neruda, os Nobel, e os portugueses Pessoa, Camilo Pessanha e Mário de Sá-Carneiro". Quanto à nova geração de poetas: "As vendas não ultrapassam as centenas de exemplares, mas suficientes para tornar a edição viável." Outros autores que o editor da Relógio D'Água reconhece como importantes para as vendas são os poetas brasileiros: "Cecília Meireles é muito popular; Manoel de Barros, Manuel Bandeira ou Carlos Drummond de Andrade têm um público muito grande.".Filipa Leal: "A poesia está fora de mercado".Entre os novos poetas portugueses está Filipa Leal, que já publicou dez livros de poesia, oito em editoras independentes e que, recentemente, foi convidada a integrar o catálogo da Assírio & Alvim. Pergunta-se a quem escreve poesia se há mercado e a resposta é direta: "Para mim, a poesia está fora de mercado. O que defendo em público é que a poesia não é um negócio lucrativo." E não o é "nem para as editoras nem para os autores" pois "o máximo que uma edição de poesia pode pagar é a renda de casa de um mês". Acrescenta: "A poesia acaba por ser o lugar da liberdade total no campo da literatura e como não é uma questão de moda não desaparece.".Quanto ao número de leitores de poesia em Portugal, Filipa Leal também não hesita muito: "500 pessoas talvez leiam poesia no país, mil no máximo. Eu faço parte deles, portanto, além de mim, existem 999 leitores, que não se vão zangar com a poesia e são muito fiéis." Leem-se uns aos outros e comentam os trabalhos, pergunta-se: "Eu tendo a fugir de amigos poetas, prefiro rodear-me de amigos engenheiros, floristas, médicos, cabeleireiros, e evitar a escolha de amizades como uma cumplicidade mimética.".Quanto ao eco da poesia em Portugal, Filipa Leal aponta como o melhor "as leituras em público em vários lugares, pois é daí que vem o maior feedback ao trabalho dos poetas e onde se tem conhecimento de que a nossa poesia é lida com frequência e de uma forma não programada, porque cada um levanta-se e lê o que quiser". O facto de estar no catálogo da Assírio & Alvim não alterou a sua poesia: "Continuo a existir como antes, não me levo a sério na vida real mesmo que leve o meu trabalho muito a sério. Sou a mesma, mas descobri que alguma atenção crítica despertou para a minha existência a partir daí.".Manuel Alegre: "A crítica não favorece a criação de novos leitores".A questão da receção da poesia atualmente é uma das preocupações do poeta Manuel Alegre, um dos autores de maior sucesso junto dos leitores: "Houve momentos em que a poesia foi quase uma necessidade porque, através dos seus códigos próprios, passava as mensagens proibidas." Alegre refere-se ao tempo do anterior regime: "No tempo da ditadura, por mais absurdo que pareça, lia-se muita poesia. Havia muitos recitais e compravam-se livros.".O que mudou? Para Manuel Alegre a explicação está na revolução informática e numa regressão cultural: "Há poetas que continuam a ser lidos e outros muito menos, situação que também tem que ver com a escrita da poesia." Cita João Cabral de Melo Neto: "Ele dizia que há alguns poetas modernos que estão mais preocupados com a sua própria expressão do que com a comunicação; que falam de si, fora da rua e fora dos homens, ou seja, criam pequenos clãs e escrevem uns para os outros em vez de serem lidos por mais pessoas." Alegre considera que "a busca incessante da expressão e o esquecimento da comunicação é um impedimento, porque as duas coisas são compatíveis. Foi o que fizeram todos os grandes poetas, desde Camões a Eugénio de Andrade ou Sophia"..Quanto ao número atual de leitores de poesia em Portugal, Manuel alegre não quer fazer prognósticos. Mas recorda o sucesso de um dos seus livros de poesia: "O A Senhora das Tempestades (1998) saiu com dez mil exemplares, que esgotaram em menos de duas semanas. Na altura esteve cá o apresentador francês de um dos mais importantes programas sobre livros, Bernard Pivot, e quando lhe disseram esse número, ele ficou muito espantado. As tiragens em França não ultrapassavam os três mil exemplares e era necessário serem poetas muitos lidos, foi o que ele disse.".Sobre o estado da poesia portuguesa, Alegre aponta os "bons poetas". Entre eles: "O Gastão Cruz é um grande poeta, tal como a Maria Teresa Horta e o Nuno Júdice"; ou os mais novos: "António Carlos Cortez, os dois últimos livros de Fernando Pinto do Amaral, a Ana Luísa Amaral." O mesmo sentimento não tem em relação à crítica de poesia e de literatura: "Não favorece a criação de novos leitores porque é muito sectária e de grande compadrio."