Portugal poderá voltar a ter 16 mil casos por dia e mais óbitos, mas a situação está estável
O governo prolongou ontem o estado de alerta até 31 de maio, mantendo uma única medida restritiva: o uso de máscara em unidades de saúde, lares e transportes públicos. Todas as outras já foram abolidas, até a gratuitidade nos testes de diagnóstico. Passo a passo e em pouco mais de dois meses, o país tem voltado a ter uma vida o mais normal possível e tentando aliviar-se os custos económicos e sociais.
Só que, desde meio de fevereiro, não consegue baixar a incidência da covid-19 para os níveis esperados, 960 casos por 100 mil habitantes; não consegue baixar a média diária de casos, que tem oscilado sempre entre os 8 mil e os 12 mil, podendo ainda aumentar mais nos próximos 14 dias; nem atingir os 20 óbitos por milhão de habitantes a 14 dias. Na opinião de Carlos Antunes, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que integra a equipa que desde o início da pandemia faz a modelação da evolução da doença, "estas metas são para esquecer", porque tudo aponta para que "este seja o cenário que se irá manter durante o verão".
Para o analista de dados, nestes dois meses e pouco, "o vírus já mostrou que continua a ter capacidade para infetar, que ainda está presente, fazendo com que nos mantenhamos em alerta". Apesar de tudo, diz, Portugal conseguiu atingir um equilíbrio entre o ter mais liberdade, à custa do mesmo número de casos, mas sem mais internamentos, nem óbitos.
No fundo, este "é o preço que temos a pagar pela liberdade", argumenta o professor. A boa notícia - e embora as estimativas para os próximos 14 dias, com base no aumento recente de casos, indiquem que o país poderá voltar aos 15 mil e aos 16 mil casos diários, com uma subida ligeira também a nível de óbitos - "É que nada indica que esta situação vá ter repercussões nos serviços de saúde, levando à necessidade de se voltar às medidas restritivas, como confinamento ou outras".
De acordo com a análise da Faculdade de Ciências, "o país mantém-se numa situação de planalto, com alguns picos, como aconteceu a seguir ao Carnaval e está a acontecer agora com a Páscoa e com o abandono da máscara, mas sem repercussões graves", justifica Carlos Antunes, acrescentando: "Não houve uma evolução positiva, mas também não houve uma evolução negativa, tendo-se conseguido atingir o tal equilíbrio entre o alívio das medidas e a capacidade que o vírus mantém em infetar".
Neste momento, e como refere o professor, estamos quase "numa situação de endemia, o que nos dá um certo conforto e segurança, e, à partida, deverá ser este o cenário que vamos ter no verão". Mas há que assumir que, nesta altura, "não temos o controlo da pandemia como se pretendia".
Por isso, reforça, "as metas do limiar dos 20 óbitos por milhão de habitantes, a taxa de positividade de 4% na testagem ou da incidência nos 960 casos por 100 mil habitantes" já são uma miragem. "Não podemos manter a ilusão de que tal vai ser possível, porque nada está a ser feito para se controlar a doença com medidas restritivas. Pelo contrário, estamos a dar cada vez mais liberdade ao vírus para continuar a infetar. Se já conseguimos atingir um certo equilibro, foi graças à cobertura vacinal e ao aumento da população infetada, que nas faixas etárias mais jovens, entre os 10 e os 29 anos, já representa mais de metade da população (52%)".
O país terminou o ano de 2021 com o fim do "reinado" da variante delta, muito mais agressiva do que aquela que a veio substituir, a ómicron. Mas esta, apesar de ser muito mais contagiosa, trouxe alguma tranquilidade. "Tem demonstrado, de facto, menor gravidade, e já tem cinco sub-linhagens, BA.1, BA.2, BA.3. BA.4 e BA.5." Em Portugal, a BA.1 apareceu em força, foi substituída em fevereiro pela BA.2 e agora começa a fraquejar e a sentir a força da BA.5, que já está a provocar nova onda epidémica na África do Sul, onde foi detetada.
Os últimos dados publicados pela Direção-Geral da Saúde indicam que, nos primeiros três dias da semana, o país voltou a atingir mais casos do que os que tinha registado, precisamente, nos mesmos dias do mês de março. Nos dias 2, 3 e 4 de maio, foram registados 12 328 casos, 14 931 e 13 992, quando a 2, 3 e 4 de março, tinham sido identificados 12 225, 13 807 e 13 696.
O número de óbitos é que é ligeiramente mais baixo. Nesta semana, registaram-se 16, 25 e 15 óbitos, enquanto em março, nos mesmos dias, foram 27, 24 e 18. Carlos Antunes alerta ser necessário continuar atento à evolução da doença nas faixas etárias mais idosas, sobretudo acima dos 80 anos, já que o número de casos continua a aumentar. "Há duas semanas tínhamos conseguido reduzir a média diária de casos para os 570, mas esta semana já subiu para os 604. E é esta faixa que comanda os óbitos", já que mais de 95% destes ocorrem nesta idade.
No entanto, e ao contrário do Carnaval, em que o número de casos aumentou mais nas faixas jovens, agora "está a haver um aumento em todas as faixas etárias, embora umas estejam a subir a um ritmo mais acelerado, o caso das faixas dos 10 aos 19 anos e dos 20 aos 29 anos, e a um ritmo mais lento, como acima dos 80 anos e abaixo dos 10 anos".
A questão é que todas estão a responder ao aumento de casos, sendo expectável, segundo a análise da Faculdade de Ciências, que a média diária possa subir, nos próximos 14 dias, até um máximo de 15 mil a 16 mil. Carlos Antunes justifica estes números com o facto de, neste momento, a taxa de positividade na testagem ser das mais elevadas que já registámos, 25%.
"Sabemos que o ritmo de crescimento de casos é superior ao ritmo da testagem", reconhece. E porquê? "Porque se abandonou a testagem em massa, a testagem gratuita e porque a própria Linha SNS 24 já começou a ter dificuldade em conseguir dar resposta a todas as chamadas. Com tudo isto é previsível que haja um certo absentismo, pessoas que têm sintomas que já não fazem testes de diagnóstico, que já não cumprem isolamento e cujo caso não é registado."
Mas, por agora, "o único sinal de alerta vem da região Norte que está a aumentar o número de casos", não de forma significativa, mas de forma sustentada. Em abril, o Norte tinha uma média diária de dois mil casos, agora está com 3500, em três semanas teve um aumento de 75%, "o que é corroborado também com um aumento nos internamentos em enfermaria". Uma situação que não se verifica em "mais nenhuma outra região" e este aumento está a incidir nos mais idosos, acima dos 80 anos.
"Algo está a acontecer, é preciso perceber o quê, não vá a situação estender-se às outras zonas do país". Na análise, o R(t), índice de transmissibilidade, no Norte está em (1.11). A nível nacional é de 1.12, com tendência a subir, nas outras regiões é de 1.0, sendo a Madeira a única que mantém um R (t) abaixo de 1. Quanto aos óbitos, a média é de 24 por um milhão a 14 dias, na semana passada este valor era de 25.7. No entanto, e como assumiu ontem a ministra da Saúde, durante o briefing do Conselho de Ministros, é natural que com o aumento de casos se venha a assistir a um aumento de óbitos.
O número de internamentos mantém-se estável, desde há muito, entre os 1100 e os 1200 casos, e a oscilar nos doentes críticos, nas unidades de cuidados intensivos, entre os 50 e os 60. Segundo Carlos Antunes, apesar dos números, o governo foi cauteloso no alívio das medidas restritivas.