O ministro dos Negócios Estrangeiros português disse esta terça-feira à Lusa que a Austrália "furou compromissos" com a França, numa decisão "bastante discutível", acrescentando que Portugal já transmitiu solidariedade ao país europeu..Augusto Santos Silva disse, em declarações à Lusa, no final de uma reunião informal de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE, em Nova Iorque, que o bloco europeu assumiu uma posição comum de solidariedade com a França, após a aliança trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, AUKUS (iniciais em inglês dos três países anglo-saxónicos), ter desfeito um acordo prévio entre Austrália e França sobre compra de submarinos.."Na generalidade, nós próprios exprimimos a nossa solidariedade com a França, que de facto não foi tratada com o respeito devido neste processo", disse o ministro português, acrescentando que "manifestamente, a forma não foi aquela que devia ser ter sido seguida"..AUKUS, o acordo que irrita Bruxelas, Paris e Pequim."Em relação ao conteúdo, também, a Austrália tomou uma decisão bastante discutível", acrescentou o chefe da diplomacia portuguesa, que na segunda-feira de manhã teve um encontro bilateral com a homóloga australiana, Marise Payne, em Nova Iorque, durante a semana de alto nível da Organização das Nações Unidas (ONU).."É muito importante que os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia estejam o mais possível alinhados nas suas estratégias para o Indo-Pacífico. E por isso devemos todos evitar gestos que perturbem essa unidade", declarou o ministro português.."A preocupação portuguesa é que estes últimos acontecimentos não perturbem o alinhamento entre Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia, que me parece tão necessário para que o equilíbrio geopolítico na região do Indo-Pacífico seja reforçado", detalhou ainda Augusto Santos Silva..Segundo o chefe da diplomacia portuguesa, as consequências da aliança trilateral AUKUS "estão à vista", a nível diplomático e político, com "elementos de confiança que se perderam ou saíram enfraquecidos destes acontecimentos"..Relativamente à reunião bilateral entre Portugal e Austrália, o ministro português fez uma "troca de pontos de vista" sobre esta situação com a homóloga australiana e analisou as relações bilaterais, que considerou serem "excelentes"..Os ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27 países, reunidos em Nova Iorque à margem da Assembleia Geral anual da ONU, "manifestaram claramente a sua solidariedade para com a França", "um apoio claro", afirmou Josep Borrell, à imprensa..O responsável disse ainda que os europeus sentiram que a disputa franco-americana sobre o anúncio de uma aliança indo-pacífico entre os EUA, Reino Unido e Austrália não era "uma questão bilateral" mas sim que "afetava" toda a UE..O Governo francês disse na segunda-feira esperar do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, "explicações" sobre a "rutura brutal, inesperada e inexplicada" de um contrato de compra de submarinos franceses por parte da Austrália..Numa conferência de imprensa na segunda-feira, em Nova Iorque, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves Le Drian, falou da polémica sobre os submarinos, dos últimos dias, que levou mesmo Paris a chamar os seus embaixadores em Nova Iorque e Camberra..Segundo o ministro, a questão será o assunto de uma conversa telefónica (sem data) que terá Joe Biden com o seu homólogo francês, Emmanuel Macron, depois de a Austrália ter anunciado na semana passada a assinatura de um contrato de compra de submarinos norte-americanos, e o subsequente cancelamento do contrato de 12 submarinos franceses, avaliado em 56 mil milhões de euros..O cancelamento foi seguido de uma chamada para consultas dos embaixadores franceses em Washington e Camberra.."O que está aqui em causa é a quebra de confiança entre aliados: uma aliança significa transparência, previsibilidade e explicações, mas tudo isto não foi dado aqui (...) Porque se esconderam, porque o fizeram às escondidas?" lamentou o ministro..E acrescentou: A atitude dos Estados Unidos "é uma deceção: pensávamos que tinham virado a página do unilateralismo, da brutalidade nos anúncios, do desrespeito pelos aliados"..O responsável insistiu que os Estados Unidos e a Europa "são aliados" e que não se podem esconder para desenvolver estratégias diferentes das que expõem aos aliados..Jean-Yves Le Drian assegurou que nesta crise, que eclodiu inesperadamente nas vésperas da Assembleia Geral da ONU - daí a sua presença em Nova Iorque - a França recebeu o apoio dos seus parceiros europeus, embora tenha recusado responder à questão de saber se os países da Europa de Leste ou os Estados Bálticos também tinham demonstrado o seu apoio..E disse acreditar que na base da decisão dos Estados Unidos há uma conceção diferente do papel da China na geopolítica mundial..Os Estados Unidos têm "uma estratégia muito conflituosa" com a China, enquanto a França, e a Europa em geral, entende que existe "uma disputa" com o gigante asiático na qual a soberania de cada parte deve ser respeitada..A relação da Europa com a China, explicou o ministro, baseia-se num tríptico: "é um parceiro em algumas questões (como as alterações climáticas), um concorrente em questões como a tecnologia e o comércio, e um rival tendo em conta o seu rearmamento e a sua monopolização perturbadora do Mar do Sul da China"..A Austrália tinha-se comprometido em comprar 12 submarinos a França mas na semana passada anunciou a compra de submarinos com propulsão nuclear aos Estados Unidos, rompendo o contrato com Paris, para submarinos que não teriam essa tecnologia..O pacto AUKUS tem como objetivo reforçar a cooperação trilateral entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos em tecnologias avançadas de defesa, como a inteligência artificial, sistemas submarinos e vigilância a longa distância..O pacto visa enfrentar a República Popular da China na região Indo-Pacífico e constitui uma base para nucleares norte-americanos serem comprados pela Austrália, que saiu assim, unilateralmente e sem aviso prévio, de um acordo mais antigo com a França.