"Portugal está disponível para encontrar instrumentos de coinvestimento" 

Portugal quer atrair financiamento de Macau e da China para o futuro fundo de apoio à internacionalização das empresas portuguesas. Eurico Brilhante Dias, secretário de Estado português da Internacionalização, explica que o país pretende por esta via mobilizar meios para a cooperação sino-lusófona
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Participou durante a MIF no Fórum Económico Cidades Sustentáveis Macau-Cantão-Hong Kong, onde se discutiu o financiamento de projetos sino-lusófonos e a criação de cidades inteligentes. Que mensagem trouxe Portugal?

Temos de tornar cada vez mais operacional esta plataforma conjunta - muito promovida naturalmente pela República Popular da China, mas através também da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM). Esta característica de Macau, pela longa relação histórica com Portugal, é um ativo muito importante e que deve ser valorizado. A nossa mensagem é essencialmente da disponibilidade de Portugal para aprofundar essa colaboração em sede de investimento, da construção de instrumentos próprios para esse investimento, e para coinvestimento, sabendo que as cidades desempenham um papel central no desenvolvimento económico. Portugal tem experiência em áreas centrais como a energia e a gestão sustentável da energia no quadro das energias renováveis de fontes diversas, mas também tem investido muito na mobilidade, na área da construção sustentável e na reabilitação urbana. Ligando a reabilitação urbana à eficiência energética, Portugal tem experiências muito interessantes. Todo este "know-how" vai permitir-nos ter um melhor contexto para desenvolver as nossas cidades e para desenvolver as nossas sociedades.

Como é que essa experiência pode ser transposta para um projeto de envolvimento conjunto?

Essa experiência pode ser útil para partilhar com muitas das cidades e das metrópoles lusófonas, acompanhada do intensificar do relacionamento que Macau tem procurado de forma consistente ao longo do tempo construir com muitos destes países lusófonos, particularmente em África. Temos aqui uma triangulação que pode ser tão fértil para resolver problemas que nos pareceria pouco inteligente gente que se conhece há tanto tempo e que tem competências tão diversas não as aproveitar para tornar mais eficazes as suas vontades de desenvolvimento em conjunto.

Procura-se introduzir um elemento novo na cooperação? O envolvimento das empresas de construção e planeamento portuguesas?

Construção, energias renováveis, eficiência energética - que é muito mais que construção. Isso também está ligado à sustentabilidade. Há construção, mas há um saber tratar e reutilizar, que é muito importante. As empresas portuguesas têm esse "know-how". Partimos para este processo com aquilo em que podemos contribuir, mas também para aprender. São as boas experiências no exterior, com procuras particulares, que fazem com que as empresas portuguesas também possam crescer. As empresas portuguesas têm muito a ganhar com o saber de empresas de outros países - do Brasil, da RAEM, da China, mas também de Moçambique, de Angola e outros países. Construímos uma rede, uma realidade política que tem que ver com esta ligação que temos há muitos anos. Temos um contributo, mas acreditamos que na rede podemos aprender mais e crescer mais.

Ao longo dos anos tem sido bastante criticada a lenta operacionalização dos fundos disponibilizados pela China para esta plataforma de cooperação. Neste momento, vive-se um período diferente procurando-se um maior envolvimento de agentes públicos e privados para financiar os projetos. Portugal já apresentou projetos a financiamento - nomeadamente, para Sines. A mobilização dos fundos está a acontecer?

Não há mobilização de dinheiro sem projetos, e sem identificação de quais são os projetos que coletivamente consideramos estratégicos - sendo que, naturalmente, estamos a falar de recursos que a República Popular da China considera ter disponíveis para fazer este tipo de investimentos. O nosso trabalho é manifestar desde já um ponto de partida: queremos colaborar e contribuir apresentando projetos, mas apresentando também vontade de construir instrumentos conjuntos para cofinanciamento - sem prejuízo das limitações de natureza estatutária, ou programática que tenha quem gere os fundos da República Popular da China, quer em Pequim, quer em Macau. Aquilo que Portugal quer demonstrar desde já é que, dentro das suas restrições - e que são conhecidas -, está em condições de apresentar bons projetos de empresas portuguesas, e não só, nos países de língua oficial portuguesa, que tem um "know-how" que pode ser útil para tornar eficazes os desejos de desenvolvimento de muitos desses projetos, mas também quer sinalizar que também está disponível para encontrar os instrumentos de coinvestimento e de parceria que sejam necessários. Na minha ida a Macau há este sinal claro, que eu gostaria de transmitir por parte do Governo português, de aprofundamento da relação bilateral também com a RAEM e com a China no sentido de promovermos em conjunto boas soluções para investimentos nos países de língua portuguesa, com certeza, mas também em países terceiros onde acreditamos que muitas empresas portuguesas têm valor acrescentado a somar - não só na área da construção e infraestruturas, mas também na área dos serviços, das comunicações e telecomunicações, como até no desenvolvimento e na capacitação de pequenas e médias empresas que são fundamentais para o desenvolvimento do tecido económico destes países.

Ou seja, Portugal está na disponibilidade de meios para cofinanciar projetos em parceria?

Portugal tem vindo a estudar e já apresentou a possibilidade de ter coinvestimento, e até de construir instrumentos de capital conjunto para investimento fora de Portugal. Por exemplo, nos países de língua portuguesa. Não acreditamos num processo de internacionalização ou de cooperação que seja "win-lose". Percebemos que a cooperação e a internacionalização das empresas têm de ter benefícios mútuos, e que esses benefícios mútuos implicam partilha de risco a montante para colher benefícios em conjunto no futuro. Por isso, queremos sinalizar de forma clara esta disponibilidade para estar em conjunto - também à nossa dimensão, com as nossas restrições no processo de financiamento.

Como podem funcionar esses instrumentos de coinvestimento?

Portugal no desenvolvimento do seu Programa Internacionalizar já mostrou vontade de ter um fundo de fundos. Tem dois escalões: um fundo que é português e que é público; e fundos que poderão recolher capital deste fundo, mas que para além desta fonte terão outras de outros parceiros. O que queremos sinalizar de forma clara é que estamos disponíveis, à nossa dimensão, para construir esses instrumentos. E, se houver disponibilidade de outros parceiros de outros mercados - neste caso, particularmente, da República Popular da China e da RAEM - estamos disponíveis para construir esse fundo e para trabalhar de forma progressiva. Até porque não precisamos de realizar o fundo de forma integral à partida. Precisamos de o fazer de forma crescente em função de projetos concretos. Nisso, Portugal já manifestou a sua disponibilidade para construir o instrumento, e para mutualizar riscos e benefícios com parceiros financeiros não-nacionais.

Voltando à questão do investimento em Portugal, e no parque logístico de Sines. Há os projetos? Há os interessados para os fundos serem mobilizados?

O Governo português, através da ministra do Mar [Ana Paula Vitorino], já sinalizou de forma clara que Sines terá um novo terminal de contentores. Estão no plano todas as infraestruturas ferroviárias e rodoviárias que permitirão que aquele projeto se desenvolva. Para nós, era muito interessante que operadores de grande dimensão da República Popular da China pudessem olhar para aquele investimento como interessante, não só desde o ponto de vista do financiamento, mas até, quem sabe, da própria operação. O meu antecessor, Jorge Costa Oliveira, sinalizou em devido momento esta nossa disponibilidade. Naturalmente, cumprindo Portugal um conjunto de regras que tem de cumprir, desde o ponto de vista do concurso público internacional, que é regra obrigatória. Dentro ainda do mês de outubro, a ministra do Mar está também na República Popular da China mostrar...

No "roadshow" de Sines...

Essa mostra é uma demonstração inequívoca da vontade de podermos também ter capital de origem chinesa no desenvolvimento do produto. Neste caso, um produto muito concreto, que é excelente: aumentar a capacidade de Sines para acolher mais contentores para servir quer o Atlântico Sul, quer o Atlântico Norte, e o cruzamento com as rotas que vêm do Canal do Panamá, que se cruzam também com as rotas do Mediterrâneo. Pensamos que no quadro da iniciativa OBOR [Faixa e Rota] da República Popular da China, que também acompanhamos com interesse, é seguramente um dos produtos que mais pode fortalecer o projeto.

Uma das questões sempre discutidas quando se fala do novo terminal e da procura de interessados para o concurso público internacional é, como referiu, o desenvolvimento das vias de comunicações - a ferrovia e a ligação a Espanha. Há um horizonte neste momento para avançar com esses projetos?

Sim, sim. A informação que temos é que os concursos - especialmente, para a ligação ferroviária - estão lançados, e que o processo de construção da linha ferroviária vai permitir-nos, muito proximamente, ter a ligação a Madrid, permitindo uma poupança significativa no trajeto em Portugal. Não só alongando os comboios, tornando-os mais eficientes, mas também diminuindo o percurso. Hoje, o porto de Sines - comparando com Algeciras, Valência, Barcelona ou qualquer um dos portos do Golfo da Biscaia e do mar junto às Astúrias - já é a maior plataforma ferroviária portuária da península ibérica. Aquilo que vamos fazer é reforçar o seu nível de eficiência e aumentar a capacidade que vai ter. Tendo comboios de maior comprimento e com menos trajeto, vamos provavelmente reduzir os "lead times" e aumentar a capacidade de "throughput" do porto. Esse processo está em andamento. Consideramos que é um dado adquirido e que Portugal tem boas condições de enquadramento quer no Portugal 2020, quer no cofinanciamento público ao Portugal 2020, para fazer as infraestruturas. As ferrovias irão permitir maior capacidade de, entre Sines e Madrid, constituir uma base de abastecimento à península ibérica, e tornar Sines definitivamente um porto integrado nas cadeias de abastecimento ibéricas.

No novo programa para a internacionalização da economia portuguesa, uma das prioridades é alterar a estrutura do investimento direto externo que tem sido feito em Portugal. Em particular, fala da captação de investimento para a indústria transformadora. Em que sentido a cooperação com a China e com Macau pode ser útil a esse propósito?

Portugal passou um momento que foi muito importante para capitalizar alguns ativos existentes, e onde o sector bancário, o sector da energia e o sector segurador foram objetos iniciais ou fundamentais, naquele momento, de capitalização externa. Os investimentos vindos da República Popular da China foram muito importantes. O país está hoje numa fase felizmente diferente. Depois de um fortíssimo aperto entre 2011 e 2014, vive hoje um momento em que a economia cresce, a inflação está controlada, o desemprego desce, os parâmetros de confiança da economia estão a atingir níveis recorde neste século, e Portugal pode mostrar-se como uma melhor e mais eficiente plataforma para exportar bens e serviços. Portugal pode ser uma boa plataforma industrial para servir a Europa. Temos conseguido atrair investimentos da Alemanha, do Reino Unido, de França, em sectores como a aeronáutica, o automóvel, os centros de serviços partilhados, no sector farmacêutico, no sector das telecomunicações. Portugal tem hoje um contexto económico interessante e competitivo para se investir, e a partir de Portugal abastecer o mercado europeu e outros mercados. O capital disponível pode olhar para muitas empresas, não só como "players" do mercado português, mas "players" com grande capacidade de produzir em Portugal e de exportar para a Europa e para outros mercados. Há muitas empresas francesas, da Alemanha ou até do Reino Unido que olham para empresas portuguesas e consideram que estas estão nas melhores condições de exportar para mercados africanos ou até na América Latina. Há uma parte do investimento oriundo da República Popular da China que também pode olhar para estas empresas industriais, fazer investimento e ter ali empresas muito interessantes para abastecer outros mercados.

Outro dos objetivos é a eliminação de barreiras de forma a aumentar as exportações em dois sectores em particular: farmacêutica e agroalimentar. O mercado chinês é um dos mercados onde essas barreiras se fazem sentir efetivamente. Como é que poderá ser feito este trabalho?

Há trabalho a fazer, especialmente, no sector alimentar - também no sector farmacêutico, mas aí acreditamos que é um sector com outros graus de complexidade. No sector agroalimentar temos algumas barreiras fitossanitárias e temos vindo a trabalhar com as autoridades chinesas para as ir progressivamente eliminando. Até porque nalguns sectores Portugal tem condições de fornecer bens que são escassos. Por exemplo, no caso do leite e da produção de leite em pó com origem nos Açores, em que nós temos um excedente. Aquilo de que precisamos é que as autoridades nacionais e da República Popular da China se entendam quanto aos procedimentos e, de forma progressiva, permitirmos que estes bens excedentários entrem com menos barreiras não tarifárias no mercado chinês. A nossa disponibilidade é absoluta e estamos absolutamente convictos que essa é a posição também das autoridades de Pequim. A equipa que está na embaixada de Portugal em Pequim e a delegação da AICEP continuam a acompanhar esse assunto. Continuaremos fortemente empenhados em remover essas barreiras.

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