"Portugal é um caso muito importante. É um exemplo de democratização bem-sucedida"

Sheri Berman, professora na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, esteve em Lisboa para a conferência "Cinco Décadas de Democracia, o que mudou?" Ao DN, em vésperas dos 49 anos da revolução, falou sobre a sua visão da transição democrática portuguesa que, com todos os seus possíveis defeitos, é tida como um exemplo.
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Assinalam-se esta terça-feira 49 anos sobre a revolução que determinou o fim da ditadura em Portugal e, apesar de maiores ou menores percalços, quem analisa a realidade portuguesa encara-a como "um caso bem-sucedido". É o caso de Sheri Berman, professora na Universidade de Columbia e investigadora sobre democracias. Na passada quinta-feira, a académica americana esteve em Lisboa para a conferência "Cinco Décadas de Democracia, o que mudou?", organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no Quartel do Carmo, em Lisboa, que serviu para assinalar o 25 de Abril, e onde Sheri Berman participou num debate ao lado de outro cientista político americano, Daniel Ziblatt.

Em conversa com o DN antes do início do evento, a investigadora analisou a transição democrática portuguesa que, para ela, representa um caso de sucesso. "Portugal é um caso muito importante. Primeiro, porque começou, em parte, a onda de democratização europeia do final do século XX. Além disso, é um caso de democratização bem-sucedida", analisa Sheri Berman. Comparando com países que, atualmente, "estão a lutar com novas democracias", Portugal - e até Espanha - são exemplos que devem ser tidos em conta, na opinião da investigadora. Isto porque, justifica, ambos "são países que fizeram a transição de regime depois de décadas de ditadura e foram muito bem-sucedidos, não apenas em construir democracias fortes, mas também em manter as sociedades locais relativamente unidas, e os cidadãos relativamente satisfeitos. Por isso, conseguem ser democracias saudáveis, tendo uma economia estável". Portugal é, por isso, "um caso importante" para quem estuda estas questões.

Para este sucesso contribuíram vários fatores, diz Sheri Berman, mas a investigadora destaca um em concreto, como primeiro exemplo: a presença na União Europeia [Portugal tornou-se Estado-membro em 1986, menos de 12 anos depois do 25 de Abril]. Essa é parte da explicação, mas "há outras variáveis importantes" nesta equação, até porque há Estados-membros ("como a Hungria e a Polónia", diz) que mostram que a presença no espaço europeu não é tudo. "A somar a isso, há outras coisas importantes. Estes países [Portugal e Espanha] em concreto são países que tiveram experiências de taxas de crescimento relativamente altas desde a ditadura, com sociedades que mudaram muito durante esse período. No fundo, a combinação de condições domésticas com as condições regionais parecem ter desempenhado um papel importante no sucesso do projeto de democratização", explica a investigadora.

Neste caso concreto, o passado não deve ser esquecido, refere ainda Sheri Berman. Apesar da democratização plena em Portugal só ter acontecido em 1974, o país já tinha tido uma experiência republicana antes (entre 1910 e 1926), que antecedeu a ditadura militar. "O passado importa. O jogo da democracia, por assim dizer, não começa, no caso português, apenas em 1974. Ainda que a experiência tenha sido de certa forma litigiosa e difícil, é certo que Portugal teve uma República antes e isso é de assinalar", considera, antes de dar um exemplo: "Olhamos para a Europa de Leste e temos países como a Polónia, que foi colonizada, primeiro, e depois foi aterrorizada por nazis e comunistas. Apesar de tudo, estes contextos tiveram ditaduras bastante mais repressivas, e, também, não tinham grande história de independência, muito menos de democracia. Por isso, Portugal começou o processo democrático com muito menos fardos para ultrapassar do que estes países. E isso importa, no final das contas".

"Não estou muito preocupada", confessa Sheri Berman quando questionada sobre o futuro da democracia portuguesa e europeia. Tirando Itália - "um caso relativamente problemático - e Espanha, que "tem questões complicadas", a investigadora olha com esperança para o curto-médio prazo.

"Acho que ainda levará algum tempo até ver democracias fortes e consolidadas na Europa de Leste. Mas, como disse, não me preocupa tanto a democracia na Europa Ocidental e na Europa do Sul, pelo menos a curto-médio prazo. Isto significa que devemos ser vigilantes mas não cair na armadilha de pensar que Portugal está à beira de se tornar na Hungria, porque não está", conclui.

rui.godinho@dn.pt

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