Portugal e Índia

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Quando se visita a Índia, com frequência se topa com algo que recorda Portugal, nos locais mais inesperados. No Sul, Estado de Kerala ou de Tamil Nadu nas imediações de Chennai, ou em Karnataka, em Bangalore ou Mangalore e em Maharastra, na região de Mumbai, ou em Gujerate, em Damão e Diu, encontram-se marcas indeléveis de Portugal. Elas são nomes de pessoas, de praças e ruas, de estabelecimentos ou monumentos e templos de devoção, a arquitetura de casas, etc. Há anos, em Mumbai, numa escala, demorei-me a ler as lápides das sepulturas de centenas de pessoas, no exterior da Igreja, em Santa Cruz, escritas em português.

Nos últimos tempos, os países europeus estiveram voltados sobre si mesmos. E a Índia também, para resolver os seus problemas de criar riqueza e trabalho. Felizmente, ao dar-se o ressurgimento da Índia na cena internacional, outra vez começam os países do Ocidente a dar atenção ao "fenómeno Índia". E por boas razões: a Índia emergiu de uma forma meteórica como um grande centro de conhecimento. E a avalanche de empresas que para lá se dirigiram para fazer o outsourcing, I&D, software ou ITes, só é comparável ao abrupto crescimento das empresas indianas dentro e fora da Índia. E o mercado interno ganhou dimensão e pujança, onde empresas da Europa se alinham para vender.

Muitas visitas de Chefes de Estado ou Primeiros Ministros e Ministros, com delegações de empresários, têm lugar, desejosos de ver localmente as possibilidades de negócio e colaboração, para novos saltos em tecnologia, ciência, saúde, etc.

Importa maior conhecimento mútuo.

O então Presidente da República, Prof. Cavaco Silva, afirmou aquando da sua visita à Índia: "Hoje, vemos a Índia como um local onde o futuro está a ser moldado: uma terra de indivíduos brilhantes, de novas tecnologias, investigação, inovação e indústrias de ponta. É esta a Índia que eu gostaria de motivar para uma cooperação cada vez maior com Portugal".

A AESE Business School começou há mais de 15 anos a integrar uma semana intensiva na Índia, para os seus Executive MBA, nos Indian Institute of Management, onde grupos de estudantes com alguns Professores, têm aulas e visitas a empresas emblemáticas, com colóquios com empresários locais, tanto de empresas indianas que se internacionalizaram, como de empresas multinacionais que atuam na Índia. Tudo para se entender o funcionamento da economia indiana, os travões e aceleradores, as necessidades, etc.

No imaginário português, a Índia está longe, inacessível ou incompreensível. Mas quem lá vai - encontra gente trabalhadora, pobre e rica, em movimento, numa dinâmica de iniciativas para a criação de riqueza-, a perceção da Índia muda, a distância desaparece, o interesse humano cresce, criam-se laços de amizade e parece que a Índia não mais se esquece, quer para o lazer ou negócios.

A AESE trouxe dirigentes de destacadas organizações indianas, com forte impacte social: dois do Aravind Eye Care System, os Drs. Aravind Srinivassan e Ravilla Tulasiraj, para falar sobre o empreendimento que conta hoje com 13 Hospitais Oftalmológicos, 75 centros de consulta; dão mais de 4,5 milhões de consultas por ano e fazem mais de 500.000 operações às cataratas, e onde apenas 40% dos pacientes paga a conta; e os restantes 60%, por serem pobres, são atendidos gratuitamente, com a mesma elevada qualidade dos serviços médicos para todos.

O Dr. Vyas, Director Geral da AMUL, uma cooperativa de comercialização do leite é outro exemplo. A cooperativa teve como Presidente durante toda a sua vida, até 2006, o Dr. Verguese Kurien. No Estado de Gujerate a cooperativa tem hoje 3,6 milhões de cooperantes; contando com as réplicas noutros Estados da Índia, alcança mais de 10 milhões. Se a India é o 1º produtor mundial de leite, a partir de 1997, isso é devido à Cooperativa de Anand que mostrou ser possível organizar o setor para ter uma elevada produção.

Mais de 2 vezes foi conferencista na AESE o Prof. Muhammad Yunus, Prémio Nobel, de Bangladesh, fundador do Banco Grameen, Banco de microcréditos, que inspirou a criação de centenas de instituições de microcréditos na Índia, para os pobres que não têm acesso ao crédito bancário.

Bunker Roy, criador do Barefoot College, no Rajhastan, que deixa uma notável obra no âmbito do ensino e da divulgação de técnicas de captação, armazenamento e utilização das águas das chuvas, bem como do uso da energia solar, para fins de iluminação, energia, etc., em extensas zonas do Rajhastan e fora da Índia, deu duas conferencias na AESE.

Os Diretores do IIM Bangalore, Prof. Prakash Apte, do IIM-Ahmedabad, Prof. Bakul Dholakia, bem como o Prof. do IIM-Bangalore, Narendra Agrawal e o Prof. Amit Bhaduri, da Jawharlal Nehru University, New Delhi, foram lecturers em diferentes Programas desta mesma Business School protuguesa.

A AAPI-Associação de Amizade Portugal-India

Os objetivos da AAPI estão recolhidos nos seus Estatutos. Deles reproduzo estes breves parágrafos, da cláusula terceira, respeitante ao "Objeto e Âmbito de Atividade":

1.A Associação tem por objeto fomentar as relações entre Portugal e Índia, no que respeita à integração e promoção de intercâmbios permanentes e recíprocos entre pessoas e interesses dos dois Estados, privilegiando a consolidação e estímulo das sinergias culturais e económicas.

2.Para concretização das suas funções e apoio às mesmas pode a Associação participar em iniciativas conjuntas com outras associações de forma a congregar esforços para a realização de fins compatíveis e, ou, constituir e participar em empresas juridicamente autónomas.

Entre atividades para dar a conhecer a Índia a Portugal, e vice-versa, para além das conferências citadas, a AAPI publica uma Newsletter, mensal, digital, em inglês, em colaboração com a AESE. São mais de mil leitores que se inteiram das centenas de empreendimentos, criadores de riqueza, bem-estar e de empregos na India.

O que Portugal pode oferecer à Índia?

Numa economia vasta como a indiana, de mais de 1.300 milhões de consumidores, a crescer com ímpeto, as oportunidades para participar no seu crescimento multiplicam-se. Todas as capacidades e perícia, podem ser exportadas ou começar a fabricar na Índia, a custos muito bons. Assim:

- Há oportunidades de exportar louças, cristais, talheres, artigos de decoração interior, maquinaria variada, fruta seca e fresca, azeite de oliveira, azeitonas, etc.

- Há já empresas a fabricar produtos ou partes na Índia: de sapatos, de bombas de gasolina, de roupa, de material elétrico, etc.

- Outras fizeram parcerias para certos produtos de alta tecnologia, para a robótica, produção de energia, desenvolvimento de software, etc.

- A Índia está com uma grande carência de casas de habitação acessíveis em custos. O crescimento rápido da classe média vai exigir milhões de novas casas.

- Portugal pode importar produtos típicos da Índia, a preços muito convidativos: têxteis, roupa, calçado, têxtil-lar, fármacos, tratores, joalharia, etc.

Portugal e Goa

A longa presença portuguesa em Goa ficou gravada nos traços da cultura e em pedra: nos seus monumentos, nas Igrejas, na arquitetura, no folclore, na culinária, etc.

Curioso é notar o crescente e real interesse dos indianos por Goa. Para não falar em muitos estrangeiros que para lá se dirigem em busca de um local aprazível e tranquilo para curar do stress das metrópoles e da agitação da vida moderna.

Um grupo de amigos meus de Nova Deli, foi passar uma temporada a Goa; e a seguir decidiram-se comprar um andar para irem lá descansar com as famílias, com mais frequência. É que Goa atrai pela sua beleza, pelo clima, mas sobretudo pela forma amável como se é recebido e tratado, e o ambiente de "sossego" que se respira. Goa recebe por ano 7 milhões de turistas, dos quais 700.000 estrangeiros, com uma população autóctone de apenas 1,4 milhões.

Talvez Portugal tenha ainda algo mais a fazer, para significar o apreço e o reconhecimento que deveria ter por Goa e toda a ajuda que deu no desenvolvimento do Continente e das antigas colónias. Muitos famosos médicos, advogados Sacerdotes goeses estiveram a ajudar na elevação da situação desses povos.

O que Portugal deveria fazer? Algumas ideias:

- Há muitos goeses que emigram para os USA e UK: Engenheiros, Médicos, Informáticos, etc. Para colmatar as carências Portuguesas, concretamente de médicos e Informáticos, porque não criar uma rede de recrutamento em Goa?

Trazem boa preparação, a ponto de nos USA e no UK os aceitarem de braços abertos. Havendo oportunidade em Portugal, pela sua ligação afetiva, muitos prefeririam Portugal.

- O mesmo diria em relação aos Programas de Mestrado e Doutoramento. Se se criam condições mínimas, com bolsas de estudo, aproveitando os fundos da UE, podem vir goeses/indianos estudar a Portugal; e Portugueses irem estudar a Índia/Goa. Os estudantes indianos são desejados nas melhores universidades dos EUA e UK, pela sua alta qualidade e capacidade de trabalho ordenado e exigente

Seria interessante e muito desejável renovar laços de cooperação com um espaço geográfico que esteve na base do apogeu da riqueza e de grande prestígio para Portugal.

Professor da AESE Business School

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