"Portugal atingiu um cenário melhor do que o mais otimista traçado na semana passada"

O professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Carlos Antunes, diz que Portugal está prestes a atingir o pico desta onda epidémica e que o cenário até é melhor do que o mais otimista traçado na semana passada. O número elevado de casos com um impacto relativo no SNS "é o novo normal" da era Ómicron, mas "não podemos descansar até se chegar aos seis ou cinco mil casos ". Valor a partir do qual a linha da frente da Saúde, saúde pública e medicina familiar, deixará de ficar sobrecarregada.
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Portugal atingiu ontem os 40 945 casos de covid-19. O número mais elevado desde o início da pandemia, mas muito próximo do máximo registado na semana anterior (39 570), precisamente na quarta-feira, dia 5 de janeiro.

Segundo explicou ao DN Carlos Antunes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que integra a equipa que faz a modelação da evolução da doença desde o início da pandemia, o facto de o país ter atingido este valor, precisamente no dia homólogo da semana anterior, "é o prenúncio de que estamos a atingir o pico desta onda epidémica". E justifica: "Para não ser o pico tínhamos de ter registado hoje (ontem) um número de casos próximo dos 50 mil. Ficámos nos 40 mil. A quarta-feira é um dia fundamental na monitorização da doença, porque é o dia em que temos registados todos os casos acumulados nos dias anteriores, nomeadamente no fim de semana. Se mesmo assim ficámos com um número de casos muito próximo da semana anterior, em termos de ordem de grandeza, quer dizer que é um prenúncio de que estamos a atingir o pico".

O especialista pormenoriza, para que melhor seja entendido pela população, que "a forma mais fácil de se perceber se nos estamos a aproximar do pico é comparar o número máximo de casos registados num dia com o dia homólogo da semana anterior. Ao fazermos isto em relação a esta semana verificamos que a diferença é mínima, de 1375 casos de infeção, sendo que esta diferença deve continuar a diminuir nos próximos dias. Ora, isto é o sinal de que nesta semana, entre quinta e sexta-feira, atingiremos o pico desta onda".

Por outro lado, o boletim diário de ontem da Direção-Geral da Saúde (DGS) dava conta de que a incidência por 100 mil habitantes tinha passado de 3204,4 a nível nacional e de 3209,1 no continente para 3615,9 e 3615,3 respetivamente. Ou seja, para um valor também nunca antes registado, mas não muito diferente do de outros países da Europa, já que resulta do impacto da nova variante do SARS-CoV-2, Ómicron.

Carlos Antunes explica igualmente que, embora o valor seja elevado, não deve assustar a população, porque o normal "é a taxa de incidência continuar a subir até se atingir o pico, e este indicador tem sempre um atraso de sete dias". Portanto, "só depois de atingirmos o pico é que começará a diminuir".

Em relação ao índice de transmissibilidade, que continua a diminuir, isso é um bom sinal. O boletim de ontem indicava que este valor tinha passado de 1.24 para 1.23. "É bom sinal que continue a aproximar-se de 1. Quando se mantém esta tendência costumamos dizer, em linguagem de aviões, que estamos a fazer a abordagem à pista para aterrar. Ou seja, quando atingir o valor de 1 é porque passámos o pico, o que é uma boa notícia".

De acordo com o professor da Faculdade de Ciências, o cenário atingido por Portugal nesta semana é melhor do que o cenário mais otimista traçado na semana passada pelos peritos presentes na reunião do Infarmed. "Neste momento, podemos dizer que estamos ligeiramente melhor do que o cenário mais otimista traçado na semana passada". Cenários, esses, explica, que foram traçados, provavelmente, com base em premissas que não se estão a verificar. Por exemplo, tendo por base que o R (t), o nível de transmissibilidade, se manteria em vez de continuar a diminuir, como está a acontecer.

Contudo, e tendo em conta o número de infeções reais, que em Portugal resulta apenas do número de casos que são diagnosticados, - "cada país tem sempre mais casos do que aqueles que diagnostica, porque, por exemplo, os casos assintomáticas não são diagnosticados e não entram nos registos. As pessoas não sabem que estão infetadas" -, devemos ficar longe dos cenários que apontavam para o intervalo elevado de número de casos, entre 40 mil a 130 mil, até se atingir o pico, ou dos que indicavam que o país poderia atingir 100 mil a 120 mil casos entre os dias 22 e 24 de janeiro.

Aliás, a modelação feita por Carlos Antunes indica que Portugal deverá atingir o pico desta onda epidémica com "uma média de casos a sete dias da ordem dos 32 mil a 34 mil casos. Portanto, longe do cenário mais otimista apresentado na semana passada e isso é muito bom". Mas aproveita para destacar que este número elevado de casos "é o novo normal".

É o normal que resulta da variante Ómicron, mais contagiante do que a Delta, mas menos agressiva. Como diz o epidemiologista, "é o novo normal e vamos ter de nos habituar a viver com ele. Vamos ter valores muito elevados em relação ao número de casos, mas com um relativo impacto no SNS, embora com menos pressão na atividade hospitalar, já que a pressão está toda na linha da frente, na Saúde Pública e na Medicina Geral e Familiar. No que toca à letalidade, o impacto também é reduzido comparado com o do ano passado quando a variante Delta era predominante". A modelação da doença feita pela equipa da Faculdade de Ciências, Portugal tem neste momento uma média de 25.3 óbitos por milhão de habitante e uma média diária de 22 óbitos.

Em relação ao ano passado, e no mesmo período homólogo, é mesmo um novo normal, embora Carlos Antunes sustente que estamos a entrar numa fase de transição. "Enquanto vigorar esta variante vamos ter esta realidade, um número elevados de casos até que o vírus esgote o seu combustível", explica. Ou seja, "até que o vírus comece a ter dificuldade em encontrar pessoas suscetíveis que possa infetar, porque cada vez mais teremos ou pessoas que já foram infetadas ou que estão vacinadas. E, nesta altura, a incidência vai começar a diminuir naturalmente, porque será cada vez mais difícil ao vírus conseguir contaminar e fazer com que a doença progrida".

Esta é a fase que os especialistas anseiam, mas ainda ninguém sabe quando é que acontecerá. "É uma incerteza", assegura, porque quando tal acontecer, poderemos dizer que o país atingiu a fase endémica".

Neste momento, o epidemiologista prefere dizer que estamos a entrar numa fase de transição, numa situação epidémica-endémica, e não endémica-epidémica, como tem sido defendido por alguns especialistas. Ou seja, "é epidémica, mas estamos já a convergir para uma fase endémica".

Estas são as boas notícias, as notícias menos boas são: "O que vem já a seguir. A preocupação agora é termos dificuldade em não conseguir fazer diminuir o número de casos no tempo em que é necessário", salientando: "A partir de dia 14, o nível de confinamento que tínhamos, embora fosse ligeiro, já que estávamos confinados em cerca de 30%, relativamente ao máximo de confinamento ocorrido entre março e abril de 2020 e janeiro e março de 2021, vai ser aliviado. Ora, vai haver um aumento na mobilidade e nos contactos e isso pode dificultar a diminuição da incidência".

Contudo, ressalva, "a única coisa a fazer para que este aumento não ocorresse era a população confinar mais um pouco ou manter-se tudo como está, só que isso tem um custo social e económico que ninguém quer". A única solução, assegura, "é cada um de nós fazer a sua parte, proteger-se individualmente . É a ultima defesa que temos e a única forma que temos de contribuir para o controlo da doença, porque os números atuais são muito elevados e estão a sobrecarregar a Saúde Pública e os cuidados primários. É preciso ter esta noção, não podemos descansar enquanto o número de casos não descer até aos cinco mil ou seis mil por dia".

Carlos Antunes acredita que o país conseguirá chegar a este patamar de casos. Quando? Não sabe. É a incerteza do momento, mas assegura que vamos chegar à fase em que a própria monitorização da doença vai mudar de diária para semanal, passando a ser feita como a monitorização da gripe. E, este, é o sinal de que atingimos a fase endémica e que controlamos a situação epidemiológica.

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