Portugal ajuda a manter "padrões típicos de vida" no Mediterrâneo
É um cenário que a incerteza dos tempos de hoje torna admissível: haver um navio que, num ato terrorista, encerre o Estreito de Gibraltar à navegação mercante e afete seriamente as importações e exportações portuguesas. Quem o diz é o capitão Lorindo Garcia, líder do destacamento da Força Aérea - com uma aeronave P-3C - presente na operação Sea Guardian e que ontem realizou a sua primeira missão, a partir da base aeronaval italiana de Sigonella.
Hoje, no quadro da mesma operação, zarpa da base naval turca de Aksaz a fragata portuguesa Bartolomeu Dias, para "reforçar a segurança marítima e negar a prática de atividades que financiem os terroristas", explica ao DN o seu comandante, capitão-de-fragata Sousa Miranda.
Os dois oficiais destacam um objetivo em particular desta operação da NATO, que concentra meios e esforços no Mediterrâneo durante 15 dias consecutivos de dois em dois meses: mapear os movimentos dos "milhares de contactos" - leia-se embarcações - que sulcam esse espaço marítimo a qualquer hora. "Queremos ter o conhecimento situacional marítimo" da região, frisa Sousa Miranda, enquanto Lorindo Garcia destaca a importância de "conhecer os padrões típicos de vida" ao longo do Mediterrâneo.
"Queremos construir uma imagem sobre o que se passa no Mediterrâneo, que é uma via de comunicação essencial para Portugal e a Europa", insiste o oficial de operações do navio de guerra português, capitão-tenente Francisco Agreiro, assinalando ainda a importância que tem para a NATO o poder "transmitir um sentimento de segurança" aos países da região.
Havendo algumas embarcações já referenciadas pelos serviços secretos para "acompanhamento específico", dado poderem estar envolvidas na prática de atividades ilícitas associadas ao terrorismo e crime organizado, são múltiplos e crescentes os riscos de segurança no Mediterrâneo - por onde circulam grande parte dos bens importados e exportados para e pelo Ocidente. Daí que a NATO tenha lançado a operação militar Sea Guardian no final de 2016, onde a Marinha e a Força Aérea acabam de iniciar a sua participação até ao fim deste mês de abril, com a Bartolomeu Dias e o P-3C a operarem preferencialmente entre a ilha grega de Creta, o sul da Turquia e as costas da Síria, Líbia e Egito.
"É uma área de 600 por 300 milhas náuticas", o que corresponde a 180 mil milhas náuticas - qualquer coisa como 333 mil quilómetros quadrados, observa o comandante Sousa Miranda, cuja fragata integra uma força liderada por um vaso de guerra grego e onde estão ainda um navio turco e outro italiano. Em apoio direto está um submarino também italiano, havendo ainda dois em apoio indireto (um turco e um espanhol).
Sousa Miranda afirma ao DN que os militares "estão preparados para todos os cenários" mas que a sua "grande preocupação" reside na Líbia - por causa dos mísseis anti-navio que se admite estarem na posse dos grupos terroristas que operam junto à costa desse país - e agora também na Síria, devido à incerteza criada pelo ataque de mísseis lançado pelos EUA a partir do Mediterrâneo contra uma base do regime de Bashar al-Assad.
Os "solteiros geográficos"
Na quinta-feira de manhã, horas antes da partida da base de Beja do P-3C sob o comando do capitão piloto-aviador Telmo Martins, o destacamento da Força Aérea aguarda a chegada da aeronave que deu apoio à visita do Presidente da República a Cabo Verde para fazer a transferência de determinados equipamentos necessários ao cumprimento da missão.
Passam poucos minutos das 11.00 da manhã quando Lorindo Garcia reúne o destacamento para o briefing final. Entre pessoal de bordo e de apoio, esta equipa da Esquadra 601 tem 27 militares - conhecidos por "Lobos", embora muitos deles se apresentem como "solteiros geográficos" por há anos só conseguirem estar (e nem sempre) com as famílias ao fim de semana.
A check-list feito pelo capitão Lorindo Garcia inclui, além de aspetos estritamente operacionais e classificados, perguntar aos subordinados se "nada está pendente sobre procedimentos administrativos" e, por exemplo, informar que "as autorizações diplomáticas dadas a muito custo" já foram recebidas. O oficial explica mais tarde que esse atraso, habitual em missões para África ou Ásia mas estranho numa missão que só envolve países europeus e da NATO, se deveu a um erro italiano: autorizaram a entrada dos portugueses em Sigonella para participar na missão Sophia (da UE) - quando iam integrar a Sea Guardian.
O que vale, acrescenta Lorindo Garcia a sorrir, é que os italianos contornam sempre essas situações de stress com um típico "Prégo, prégo" ("por favor, por favor").