Portas opôs-se mais ao PS do que Cristas. Socialistas votaram mais alinhados com governo da troika

E afinal como se comportam os partidos na hora de votar os diplomas uns dos outros? Há​​​​​​ surpresas quando se comparam os números das legislaturas e lideranças
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O CDS de Paulo Portas opôs-se mais ao PS do que o CDS de Assunção Cristas, como o PSD foi muito mais meigo com os socialistas no segundo governo de José Sócrates do que o PSD nesta legislatura (sob a liderança de Passos Coelho e de Rui Rio).

Se os anos da troika aumentaram a conflitualidade parlamentar, o PS fez menos oposição à direita do que o BE e o PCP no tempo do governo de Passos Coelho. E, mais à esquerda, os comunistas opuseram-se mais às iniciativas da direita do que bloquistas, mas uns e outros aceitaram a maioria das iniciativas de PSD e CDS.

Na hora de fazer oposição, os números dizem-nos mais de um entendimento mais alargado em matéria parlamentar que aquelas questões mais mediáticas que dividem o hemiciclo.

Observando as três últimas legislaturas (a XI, de 2009 a 2011; a XII, de 2011 a 2015; e a XIII, desde 2015), é possível verificar que o PS esteve muito mais vezes de acordo com as propostas do PSD e do CDS, de acordo com uma ferramenta nova, agora disponibilizada pelo site Hemiciclo, que promove o escrutínio da atividade parlamentar.

Esta ferramenta passa por dois índices, o "de aceitação" e o "de oposição", onde é possível aferir "o número de vezes que uma determinada bancada votou "a favor" ou "contra" diplomas de cada uma das outras bancadas, face ao número total de votações ocorridas no plenário", como explicam os autores deste site. "Isto é, demonstram a quantidade relativa de vezes que cada bancada votou pela aprovação ou pela rejeição de diplomas oriundos das outras bancadas", concretiza o Hemiciclo.

Os números dão razão a quem apontava o dedo a uma bancada socialista que esteve (necessariamente) do lado da troika, depois de o governo de José Sócrates ter pedido o resgate financeiro e ter assinado o memorando de entendimento. O PS apenas se opôs a 15% das iniciativas da bancada social-democrata (116 votos contra em 766 propostas), percentagem que repetiu no caso dos centristas (103 em 681).

Esta XII legislatura, que corresponde ao governo de coligação do PSD e do CDS, pode induzir em erro se observarmos os números em bruto. Por exemplo, o BE opôs-se a 20% das iniciativas de PSD e CDS (que muitas vezes assinaram propostas em conjunto) e o PCP a 28% das propostas sociais-democratas e a 26% das centristas.

Para melhor interpretar os dados, é necessário também comparar com o índice de aceitação: o BE esteve de acordo em 58% das propostas laranjas e em igual percentagem das azuis. O PCP foi mais reticente: aceitou 49% das iniciativas do PSD e 50% das do CDS. E o PS, já agora, esteve 74% das vezes a favor de iniciativas laranjas e 72% de diplomas centristas.

Há outro aspeto fundamental: se o PS de António José Seguro, à época, começou por anunciar uma "abstenção violenta, mas construtiva" ao primeiro Orçamento do Estado de Passos e Portas, alcançando mesmo um acordo no IRC (que seria para alargar ao IRS e ao IVA na restauração nos anos seguintes), bloquistas e comunistas - e, por vezes, também os socialistas - sinalizaram as suas discordâncias ao executivo de direita em capítulos essenciais da governação: Orçamentos do Estado, legislação laboral, privatizações e todo o caderno de encargos da troika.

Os entendimentos - mais aceitação, menos oposição - ocorrem em muitas outras matérias, que todas as semanas são merecedoras da atenção e do voto dos parlamentares.

Basta olhar para os números do CDS durante as respetivas lideranças (o site Hemiciclo também permite comparar os diferentes líderes partidários, desde 2009). A presidente do partido, Assunção Cristas, que tem reivindicado para si o exclusivo da oposição ao atual executivo de António Costa, proclamando que os centristas são os únicos que não se encostam ao PS (numa farpa que é mais dirigida à recente liderança social-democrata de Rui Rio), acaba por se opor bem menos às propostas do PS do que o seu antecessor, Paulo Portas.

Quando este era líder do CDS, a sua bancada opôs-se 30% das vezes a iniciativas socialistas (num total de 5242 votações, em 1090 propostas apresentadas pelo PS, a bancada centrista votou contra 326 vezes). Já com Cristas na liderança, desde março de 2016, este número baixou para 10%. Em 3702 votações, o CDS votou 61 vezes contra num total de 635 propostas do PS.

Neste capítulo, o PSD de Rui Rio já se opôs em 15% das situações às propostas socialistas. Há que fazer duas ressalvas importantes: o atual líder só está à frente dos laranjas desde este ano (e a análise reporta-se a 872 votações), mas a bancada social-democrata já chegou a votar à revelia da própria direção.

Quando o líder era Pedro Passos Coelho, a oposição do PSD ao PS sobe para os 23% (em 7601 votações, num tempo longo que apanha a fase final da governação de Sócrates, os próprios executivos liderados por Passos e depois grande parte do consulado de Costa no governo).

Curioso é verificar à esquerda o quase alinhamento do PEV com o PCP, seu parceiro de coligação, e com o BE. Na atual legislatura, os dois deputados ecologistas opuseram-se a 3% das propostas bloquistas e contra iniciativas comunistas apenas 1%. O BE devolveu o gesto e só não acompanhou 1% das propostas dos Verdes, enquanto o PCP rejeitou 3% das iniciativas dos seus parceiros.

Sem legislaturas anteriores para comparar, o PAN, que se estreou no atual Parlamento, tem-se oposto de forma residual a todas as bancadas: mais ao PSD (7%), PCP (5%) e CDS (4%), menos aos socialistas (3%), bloquistas e verdes (2% cada).

Não foi apenas a rua que ficou, mais ainda na primeira metade da legislatura, menos crispada com a entrada em funções do executivo socialista. No Parlamento, também diminuiu a lógica de barricada, mesmo que nas iniciativas mais significativas essas diferenças permaneçam.

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