Polónia mostra a outra face no centro dos esforços por Kiev
Na terça-feira, o primeiro-ministro polaco Morawiekci e o vice-primeiro-ministro Kaczynski, juntamente com os chefes de governo da Eslovénia e da Rep. Checa, foram a Kiev visitar o presidente Volodymyr Zelensky em nome da União Europeia. Durante o encontro, o homem que é considerado o líder de facto do país, Jaroslaw Kaczynski, apelou para que a NATO ou "possivelmente uma estrutura internacional maior" entre na Ucrânia para uma "missão de paz". Na quarta-feira, o secretário-geral da Aliança Atlântica Jens Stoltenberg rejeitou tal proposta, a mais recente iniciativa de Varsóvia, e que não deverá ser a última.
Por razões históricas, culturais e de proximidade geográfica, a Polónia é o país da União Europeia e da NATO que mais sente as dores da Ucrânia. Em janeiro, uma sondagem realizada para o Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR) em vários países europeus demonstrou que os polacos se destacavam na ideia de que uma invasão russa iria acontecer neste ano (73% achavam provável, no polo oposto estavam os finlandeses, com 44%), bem como eram os mais predispostos a advogar que o seu país deveria ir entrar no conflito (65% versus 21% dos finlandeses).
"A Polónia é um obstáculo à Rússia porque temos uma longa história de proximidade e não nos esquivamos a explicar a Rússia ao Ocidente", diz o eurodeputado Radoslaw Sikorski e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, citado pela Foreign Policy. Durante anos, os polacos avisaram os restantes países da necessidade da Ucrânia fazer parte da UE e da NATO sob pena de sofrer uma agressão russa. Com o agravar das tensões, a Polónia - acompanhada pelos países bálticos, em menor grau - tornou-se no eixo central de uma política de apoio a Kiev.
Citaçãocitacao"Não temos alternativa porque estamos no mesmo barco. A única diferença é que a Ucrânia está na frente e nós [polacos] estamos atrás." Wojciech Kononczuk, vice-diretor do Centre for Eastern Studies, ao The Economist
Desde dezembro, dirigentes polacos têm visitado Kiev para mostrar solidariedade com a Ucrânia, passaram a enviar armas suas para o país (e também como centro logístico e de distribuição de armas vindas de outros países aliados), e assinaram um acordo de segurança com a Ucrânia e o Reino Unido. E desde a invasão russa mostram uma intensa atividade diplomática diária, tendo pedido o acesso rápido da Ucrânia à UE ou estando na linha da frente das iniciativas no âmbito da NATO.
Governada desde 2015 pelo conservador e nacionalista Partido Lei e Justiça (PiS), a Polónia tem conhecido uma espiral antidemocrática (a par da Hungria). No mais recente relatório do V-Dem Institute da Universidade de Gotemburgo, a Polónia encontra-se em octogésimo lugar no índice das democracias liberais, entre o Kosovo e a Gâmbia, e no top dos países a caminho de autocracias a par do Brasil, Índia, Hungria, Sérvia e Turquia.
O governo fez reformas judiciais que minam a independência judiciária e ameaçam o princípio democrático da separação constitucional dos poderes e aprovou uma controversa lei sobre a propriedade dos media que punha em causa a pluralidade. Com o estado de direito em causa, o Tribunal Europeu de Justiça permitiu à Comissão Europeia congelar os fundos do Programa de Recuperação e Resiliência (36 mil milhões de euros).
Mas nas últimas semanas o governo e o presidente têm vindo a fazer um esforço para baixar o tom da disputa com Bruxelas. Andrzej Duda vetou a lei dos media e discute-se uma fórmula legal para reverter a reforma judiciária - em especial acabar com a câmara disciplinar para juízes - para assegurar não só o acesso aos fundos da UE, mas também para apresentar uma frente unida face à agressão russa na Ucrânia. "Não precisamos desta luta", disse o presidente polaco, citado pelo Financial Times.
O papel da Polónia a abraçar os refugiados ucranianos, com 90% da população a aceitar a sua chegada ao país e 64% a dizer que vai ajudá-los, mostra também um humanismo que ninguém descortinou quando fecharam as fronteiras em 2015 aos sírios, ou, mais recentemente, quando sírios e iraquianos foram usados como arma dos bielorrussos na fronteira. "Gostaria de vos louvar", disse o presidente do Conselho Europeu Charles Michel aos polacos, em visita à cidade oriental de Rzeszów. E o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, agradeceu aos polacos pelo papel de intermediários na transferência de assistência aos ucranianos.
Também a relação com os Estados Unidos, que sofrera com a eleição do democrata Joe Biden, mostra-se agora fortalecida (ainda que manchada com o episódio caricato da oferta pública dos aviões Mig polacos aos EUA para depois seguirem para a Ucrânia). O número de soldados norte-americanos no país subiu para quase 9000 e, em visita ao país, o secretário norte-americano da Defesa Lloyd Austin saudou um dos "aliados mais robustos". Para essa robustez contribui a venda de 6 mil milhões de dólares em armas, 250 tanques incluídos.
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