Polónia e Hungria. Nó será desatado nesta cimeira. "De uma maneira ou de outra"

Os chefes de Estado ou de governo da União Europeia regressam esta quinta-feira a Bruxelas para uma cimeira de dois dias para tentarem desbloquear os vários impasses.
Publicado a

A agenda do Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira em Bruxelas aborda múltiplos assuntos que vão desde uma discussão sobre vacinas e a política de testes para o combate à covid-19, até a um debate "longo" e "aprofundado" sobre a Turquia.

Mas um dos assuntos que mais atenções centra é o que vai obrigar os 27 a tentar desatar o nó à volta do plano de restauro da economia europeia, que encalhou há algumas semanas na oposição e dois Estados-membros - Hungria e Polónia - ao vínculo entre as regras do Estado de Direito e a atribuição de fundos comunitários.

Em cima da mesa vai ser colocado um texto para aprovação de todos, que na prática impede o bloqueio de verbas, mesmo que se verifiquem violações ao estado de direito. A proposta inclui um conjunto de procedimentos, que obriga o Estado-membro a seguir de forma "objetiva, justa, imparcial e baseada nos factos", os critérios do mecanismo. Mas, as medidas só serão tidas em conta "quando outros procedimentos previstos no direito da União" tiverem sido seguidos de modo a "proteger o orçamento da União de forma mais eficaz", lê-se num documento de trabalho consultado pelo DN.

E, as decisões aplicadas terão de seguir um princípio de proporcionalidade, em relação ao "impacto das violações do Estado de direito". Pela forma como está proposto, nenhum procedimento formal avançará sem que seja "precedido de um diálogo aprofundado com o Estado-membro", com vista a dar-lhe a "possibilidade de remediar a situação". E, prevê também o recurso ao "Tribunal de Justiça da União Europeia".

Um dado relevante inscrito no plano que será colocado para a aprovação dos líderes estabelece que "a simples constatação da ocorrência de uma violação do Estado de direito não é suficiente para desencadear o mecanismo".

O documento foi nesta quarta-feira à tarde dado a conhecer aos governos dos diferentes países, ainda sem garantias de que viesse a ser aprovado por todos. Porém, o encontro preparatório dos representantes permanentes na UE, terminou "com uma primeiro troca de impressões positiva". Há, porém, "uma série de questões", a serem "analisadas em profundidade nas capitais", das quais depende a "decisão final pelo Conselho Europeu", que arranca na quinta-feira em Bruxelas.

Ao final da manhã de quarta, o governo polaco fez saber que está de acordo com uma proposta negociada com a presidência rotativa da União Europeia, a cargo do governo alemão. Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orban admitiu haver uma base para um acordo, separado por "um centímetro", como afirmou ao canal Polsat News.

Ao que tudo indica, a questão será ultrapassada nesta cimeira. "Se não for de uma maneira é de outra", comentou uma fonte europeia com o DN, afirmando com ironia que "preferia não dizer qual é outra", já que a hipótese que ganhou mais tração nos últimos dias, passaria pela aprovação da proposta através de um acordo inter-governamental a 25, o que dispensaria a necessária unanimidade.

Uma tal decisão deixaria, obviamente, a Hungria e a Polónia fora do alcance da bazuca, com perdas equivalentes a 10% em fundos comunitários, ao longo dos próximos sete anos. Legalmente é possível de fazer, mas ninguém esconde que "provocaria divisões" e seria um revés no processo de construção da União Europeia. Será sempre uma opção de "último recurso". Mas há outras, igualmente indesejadas, embora possíveis.

A aprovação do Quadro Financeiro Plurianual isolado de tudo o resto, para que entre em vigor a 1 de janeiro, é um dos exemplos tecnicamente viáveis. Mas, a parte do dinheiro especificamente direcionada para suavizar o impacto da pandemia ficaria inacessível. Pelo menos até que o problema fosse ultrapassado.

A aprovação pode ainda ser deixada em suspenso, até que haja condições para fazer uma aprovação do pacote global. Mas, em menos de um mês, a União Europeia estaria a funcionar em duodécimos.

A presidência alemã da União Europeia esteve a trabalhar com "todos os cenários", incluindo numa quarta via, através de uma declaração de implementação do mecanismo ou o Estado de Direito, que vincularia os dois países a um roteiro para a implementação de princípios básicos do funcionamento da democracia.

Na carta convite que endereçou aos líderes europeus, a menos de 24 horas da cimeira, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel manifestou-se "confiante" de que um acordo será alcançado "sobre um pacote comum que permita a rápida implementação do Quadro Financeiro Plurianual e do fundo de recuperação".

Aprovação rápida dos dossiers ligados ao plano de recuperação daria à Europa a certeza de que dispõe dos 1,8 biliões para suavizar o impacto da pandemia. Mas, deixaria também espaço para a discussão mais alargada de outros tópicos da agenda da cimeira

Os 27 vão dedicar uma parte do debate aos "desenvolvimentos positivos" em matéria de vacinas, procurando deixar uma mensagem clara de que "a pandemia acabou", apesar de "os preparativos para a implantação e distribuição de vacinas", serem a partir de agora "acelerados".

A discussão relativa à pandemia inclui um tópico sobre a política de testes, que Bruxelas quer ver coordenada a nível europeu. Está em causa o reconhecimento mútuo de resultados, com impacto no levantamento de restrições de viagens, "quando a situação epidemiológica o permitir".

Durante a tarde haverá ainda um debate dedicado às alterações climáticas. Charles Michel acredita que "um acordo sobre a meta de redução de emissões de pelo menos 55% até 2030, está ao alcance".

"O trabalho para encontrar a melhor maneira de atingir essa meta ambiciosa está em andamento", afirma na carta convite. O DN apurou a referência de partida em debate para a redução de emissões, é o ano de 1990.

Ainda no primeiro dia da cimeira, serão abordadas questões da agenda internacional, no pós as eleições nos Estados Unidos, agora que que se espera que a relação transatlântica estejam prestes a entrar "numa nova fase", com vista a "estabelecer as bases para uma parceria forte e igualitária".

"Conforme acordado em outubro, também voltaremos a falar das relações com a Turquia", refere o presidente do Conselho Europeu. Este será o tema a que os 27 dedicarão mais tempo, numa altura em que alguns membros da União Europeia clamam por sanções contra Ancara.

Na sequência das tensões da Turquia com a Grécia e Chipre, a União Europeia expressou a "determinação para ser respeitadas", admitindo que quando reabrisse o dossier, teria em conta "uma agenda positiva" de diálogo e diplomacia, e outra "menos positiva", em que não são excluídas as sanções a pessoas próximas do poder.

Mas, no projecto de conclusões não constam sanções, e isso provocará desagrado junto dos governos dos países que tem estado sujeitos às pressões de Ankara. "Será um debate longo", admitiu um diplomata ao DN.

Formalmente, mas sem debate aprofundado, o Conselho Europeu inclui na agenda discussões sobre a vizinhança a sul do Mediterrâneo, sobre política de segurança e combate ao terrorismo, e têm prevista uma cimeira do Euro, em formato inclusivo, ou seja, com os 27.

"Será uma oportunidade para debatermos a conjuntura económica e darmos mais orientações sobre a União Bancária e a União do Mercado de Capitais", afirma o presidente do Conselho, sobre a reunião que contará com a presença da presidente do BCE, Christine Lagarde, e do presidente do Eurogrupo Pascal Donohoe.

"No que diz respeito às relações com o Reino Unido, as negociações estão em curso com base no nosso mandato comum. Não se pretende discutir o assunto. A Presidente da Comissão irá informar-nos sobre o ponto da situação", afirma Charles Michel.

Diário de Notícias
www.dn.pt